A equivocada condenação de Danilo Gentili

Maria do Rosário, Danilo Gentili e Otto Kirchheimer

Eu sou contra misturar legislação penal com assuntos relacionados à palavra, à expressão, ao gesto. Ainda mais quando isso envolve políticos.

Esses assuntos deveriam estar restritos à legislação cível, que não leva à prisão de ninguém. O castigo deve ser uma multa proporcional à gravidade da injúria, à capacidade financeira do agressor e à jurisprudência consagrada.

Tenho severas reticências em relação ao poder que devemos conferir ao judiciário para multar outrem por crimes de opinião, por mais que sejam crimes graves, que envolvem injúria e difamação.

No caso de entreveros entre pessoas comuns, ou de figuras públicas contra pessoas comuns, aí sim se entende a proteção do Estado à honra e à dignidade do cidadão.

Em se tratando de políticos, todavia, o magistrado precisa ser muito mais cauteloso, para não criar uma jurisprudência equivocada, que amplie o poder já desmesurado do judiciário brasileiro.

O valor da liberdade – tanto em sua acepção física, de não ser preso, quanto no sentido da liberdade de expressão – deveria ser respeitado e cultuado em toda a sua grandeza e necessidade.

Condenar à prisão, por palavras, ou gestos (obscenos ou não), eu acho sempre absurdo.

Li a queixa-crime que consta na sentença da juíza. E a reproduzo aqui.

Entendo que o agravante foi o gesto espúrio, escatológico, de esfregar o processo que recebeu em seus genitais… É nojento, mas não é nenhum crime mortal.

Aplique-se uma multa.

As comissões de direitos humanos da ONU e da OEA tem capítulos inteiros dedicados justamente a sugerir que os casos relacionados à injúria, difamação, etc, sejam sempre tratados na esfera cívil, jamais na penal.

E por que?

Ora, é simples.

Para evitar que o Estado extrapole suas funções e use a brutalidade da máquina pública para aniquilar judicialmente seus desafetos.

Hoje é Danilo Gentili, humorista odiado pela esquerda. Amanhã pode ser qualquer um que tenha dito algumas palavras duras contra a família Bolsonaro.

Se juridicamente, essa condenação, seis meses em regime semi-aberto, é um absurdo, do ponto-de-vista político é uma estupidez.

A justiça política é uma ciência. Ao longo desses anos, no intuito de entender a Lava Jato e tudo que tem acontecido no Brasil, com embates cada vez mais complexos entre a justiça e a política, estudei um autor alemão chamado Otto Kirchheimer.

Kichheimer, um cientista político de esquerda, que se autoexilou nos EUA durante o nazismo, explica que a justiça política foi usada, em diversos momentos da história, tanto por aqueles que acusam como por aqueles que são acusados.

Socialistas e comunistas, por exemplo, durante muito tempo, tornaram-se especialistas em usar a seu favor os processos que o sistema de justiça burguês movia contra seus representantes: advogados especializados eram enviados pelos partidos para qualquer país ou cidade da Europa, a imprensa de esquerda era mobilizada, de maneira que os processos servissem para que os socialistas ou comunistas angariassem apoio na opinião pública e, com isso, obtivessem prestígio e votos nas eleições seguintes.

A direita também usou muito. Hitler tornou-se uma celebridade nacional quando foi preso. Escreveu seu livro na prisão, onde podia fazer reuniões políticas, e dali saiu diretamente para a liderança do movimento nazista.

Fidel Castro foi preso, após a fracassada tentativa de tomar o quartel de Moncada, e conseguiu se safar da execução sumária, pelo governo de Fulgêncio Batista, quando fez o seu famoso discurso A História me Absolverá.

Chávez também ganhou notoriedade nacional quando apareceu na TV pedindo desculpas por sua participação numa tentativa de derrubar o governo. Foi eleito poucos anos depois.

Nas eleições do ano passado, o próprio PT procurou explorar da maneira mais inteligente possível a prisão injusta e absurda de Lula, mobilizando setores da opinião pública – nacional e internacional – em favor de seus candidatos e, sobretudo, em prol do próprio Lula e de seu substituto, na corrida pela presidência da república. Não deu muito certo, embora o partido tenha conseguido alcançar objetivos importantes, como eleger uma grande bancada parlamentar, vários governadores, além de isolar seus concorrentes dentro do mesmo campo ideológico.

Da mesma maneira, a condenação de Danilo Gentili já está sendo usada em favor do humorista e do campo político que ele representa. Ele está sendo mostrado como vítima do Estado e da esquerda malvada, que por sua vez é qualificada como adepta da censura e inimiga da liberdade de expressão.

Isso é tudo de que não precisávamos agora.

A direita bolsonarista, ao invés de ter de responder à questão do emprego, da inflação, da violência urbana, agora poderá fugir de todos esses temas, para os quais não tem resposta e solução, e procurará focar na denúncia contra os “ataques” judiciais de uma parlamentar de esquerda, que goza de foro especial, à liberdade de expressão de um cidadão comum, um humorista popular e querido entre os seus.

Sim, a esquerda pode odiar Danilo Gentili, mas ele é querido e popular entre seus próprios fãs. E, com essa condenação, ele ganha ares de mártir… E mártires costumam ser muito bons de voto.

A íntegra da sentença está aqui.

Meu posicionamento é coerente com toda a minha trajetória como blogueiro, em defesa da liberdade de expressão. Já escrevi textões em defesa de Rafinha Bastos e dos cartunistas mortos do Charlie Hebdo (texto um, dois, três e quatro).

***

Justiça condena Danilo Gentili por injúria contra deputada federal

Publicado em 10/04/2019 – 21:55
Por Camila Boehm – Repórter da Agência Brasil São Paulo

A Justiça Federal condenou o humorista e apresentador Danilo Gentili a seis meses e 28 dias de detenção, em regime inicial semiaberto, pelo crime de injúria contra a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS). A sentença foi proferida hoje (10) pela juíza federal Maria Isabel do Prado, da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo, em uma ação proposta pela parlamentar. Gentili poderá recorrer da sentença em liberdade.

A condenação é referente ao caso ocorrido em 22 de março de 2016, quando Gentili postou mensagens em rede social que foram consideradas como nocivas à imagem, à honra, à reputação e à segurança pessoal da deputada federal. Segundo a ação, apesar de a Procuradoria Parlamentar da Câmara dos Deputados solicitar que ele removesse o conteúdo, Gentili divulgou vídeo debochando da notificação oficial.

“Na ocasião, aparece em odiosa sucessão de atos onde atribui a alcunha de ‘pu*’, expõe em tom de deboche a imagem de servidor público e de órgão da Câmara dos Deputados, surge em ato ultrajante, abrindo as calças, expondo o contato de documento oficial com suas partes íntimas”, conforme relato na ação.

Liberdade de expressão

Na decisão, a juíza ressaltou que a liberdade de expressão e de informação constitui um dos pilares essenciais do Estado de Direito, estabelecida na Constituição Federal, que igualmente garantiu a todos os cidadãos a proteção da honra e da imagem. A magistrada pontuou que, da colisão de direitos fundamentais em que alguém ultrapassa a linha da ética, surge no Estado de Direito a tutela penal como legítimo instrumento de contenção contra o uso abusivo da liberdade de expressão.

Na sentença, não foi reconhecida a alegação da defesa sobre falta de dolo em ofender a honra e a dignidade por se tratar de alegada peça humorística. “Não contente com a injúria propalada [em sua rede social], [Gentili] resolveu gravar um vídeo com conteúdo altamente ofensivo e reprovável, deixando muita clara a sua intenção de ofender”, concluiu a juíza.

“Tal postura deixou absolutamente clara a real intenção de injuriar, ou seja, a ideia de gravar o deplorável vídeo doméstico teve caráter de resposta em retaliação contra a manifestação da vítima, não devendo jamais ser confundido como uma simples peça humorística espontaneamente criada independente do intuito de injuriar”, acrescentou ela.

O processo segue para a fase de intimação da sentença. As partes podem, dentro do prazo, apelar ou não da decisão perante as Turmas Recursais do Juizado Especial Federal da 3ª Região.

A Agência Brasil solicitou posicionamento de Danilo Gentili, mas não obteve resposta até a conclusão da reportagem. Após a condenação, o humorista publicou mensagem em sua rede social ironizando a decisão: “Quem vai me levar cigarro?”.

Edição: Fábio Massalli
Publicado na Agência Brasil

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