Lava-Jato: a maior organização criminosa da história do Judiciário brasileiro?

Por Rogerio Dultra dos Santos

Em 1958, na Copa do Mundo da Suécia, o técnico da Seleção Brasileira de futebol Vicente Feola teria orientado o gênio Garrincha para, no jogo contra a Russia, levar a bola do meio do campo até a marca do pênalti e cruzar para gol. Garrincha teria dito:  – Tá legal, mas o senhor já combinou isso com os russos?

A mais famosa anedota do futebol brasileiro deu origem ao apelido que o então Juiz Sérgio Moro recebeu dos seus aparentes comparsas do Ministério Público Federal, na famigerada “Operação” Lava-Jato: o “Russo”.

Claro. Segundo conversas no aplicativo Telegram – vazadas pelo Intercept na noite deste domingo –,  Dallagnol, o Procurador responsável pela condução das acusações, combinava com o “Russo”, o juiz da causa, o que e quando fazer, no que pode se tornar o maior escândalo de corrupção da história do Judiciário Brasileiro.

O hoje Ministro da Justiça e da Segurança Pública Sérgio Moro, o “Russo”, supostamente comandava pelo aplicativo de mensagens criptografadas (tecnologia ironicamente de origem russa) a estratégia da acusação diretamente com os Procuradores da “Operação”. Além de ser inconstitucional a confusão entre acusação, investigação e juízo, a participação de juiz em atividades investigativas é vedada expressamente pela legislação. E o conluio expresso entre Procuradores e Juiz da causa, se provado, é crime e enseja exonerações e condenações criminais.

Mas o caso pode tomar contornos ainda mais graves. Segundo o Intercept, as reportagens deste domingo são apenas a ponta do iceberg de uma série de investigações jornalísticas a serem desenvolvidas a partir de farto e inédito arquivo contendo “mensagens privadas, gravações em áudio, vídeos, fotos, documentos judiciais e outros itens” trocados entre procuradores e juiz.

As mensagens publicadas não somente são absolutamente críveis e apresentadas no seu contexto temporal em consonância com decisões estratégicas nos processos, como ainda no domingo, às 20:08, os próprios procuradores vítimas do vazamento confirmaram em nota que as mensagens são de fato oriundas de seus celulares.

Não é remota a possibilidade de que o atual Ministro Moro sinta o golpe e tente uma solução desesperada, tipo o clássico e conhecido “empastelamento” do jornal ou a perseguição dos jornalistas envolvidos na matéria. Seria passar em cartório o fato já comprovado de seu comprometimento político quando, ainda juiz e antes de terminar a campanha presidencial de 2018, aceitou o cargo de Ministro.

As instituições políticas brasileiras, especialmente o Poder Judiciário, estão hoje diante de um dilema que carrega o futuro de sua legitimidade e credibilidade. Será que todo o judiciário funciona como levam a crer as conversas vazadas? Se não, será que os órgãos de controle permitirão a continuidade operacional dessa “banda podre”?

Se a Procuradoria Geral da República deixar passar em branco as provas que aparentemente se avolumam na série de reportagens produzida pelo Intercept, e não abrir investigação contra os procuradores, delegados e juízo de Curitiba – e mesmo contra a Turma do TRF4 que pode ter igualmente atuado em jogral com a Lava-Jato – estará em conluio político com o escândalo. Até para que os envolvidos possam se defender, e esperando que se garanta a presunção de inocência de todos os cidadãos ainda por citar nas reportagens do Intercept, é necessária, imperiosa, uma investigação.

No mesmo sentido, se a habitual leniência do Conselho Nacional de Justiça – e do Conselho Nacional do Ministério Público – perdurar mesmo após o escandaloso vazamento de conversas que indicam a possibilidade de existência de um sem número de crimes do então Juiz Sérgio Moro e dos procuradores do Ministério Público Federal que compunham a “Operação” Lava-Jato entre 2015 e 2017 é porque as instituições do país realmente não servem mais para nada.

A gravidade da denúncia é tão superlativa que o caminho mais acertado seria a abertura imediata de uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Congresso Nacional.

Se nada for feito por nenhuma dessas instituições aí não se trataria de apenas uma “banda podre” do Judiciário, mas na corrupção total do poder republicano.

Não sabemos ainda se, depois de 2017, os Procuradores do MPF do Paraná continuaram nessa espécie de jogral delitivo com a nova juíza da causa – que já confessou ter copiado e colado textos e textos da decisão de seu antecessor, hoje ministro. Também não sabemos se o mesmo expediente supostamente utilizado por Sérgio Moro com os Procuradores da Lava-Jato foi usado com algum Desembargador do TRF4.

Ou seja, o escândalo pode ser bem maior e atingir, eventualmente, as cortes superiores.

Nada, diga-se de passagem, que não se pudesse adiantar dados os sinais explícitos de condução política dos processos de Curitiba. Nada que não pudesse ser deduzido pelo afã punitivo que levou a “Operação” de Curitiba a provocar a falência de dezenas de empresas de construção civil – algumas das maiores do mundo, sediadas no Brasil –, aumentando sensivelmente as taxas de desemprego e diminuindo de forma palpável a economia, as exportações e a produção industrial do país.

A “Operação” Lava-Jato, desde sempre inconstitucional, parece revelar hoje a sua faceta verdadeiramente criminosa. Atingiu não somente a economia do país, mas fragilizou as nossas instituições democráticas a ponto de muitos não acreditarem mais estarmos vivando em uma democracia, num Estado Democrático e constitucional de Direito.

Se assim for, e se os fatos hoje revelados não produzirem movimento consistente das instituições ainda de pé; aí, finalmente, será dado de fato o aval para que o presidente eleito – eleito por conta do trabalho aparentemente criminoso da própria “Operação” Lava-Jato – realize a contenção de despesas final: declare extintos os demais Poderes da República, e passe a governar por decretos redigidos pelo seu Ministro da Justiça e Segurança Pública.

Lembre-se que em 1958, mesmo sem combinar com os russos, o Brasil ganhou pela primeira vez uma Copa do Mundo. Hoje, 61 anos depois, mesmo combinando com o “Russo”, o MPF brasileiro deu a maior bola fora da história do Judiciário e transforma-se a olhos vistos, em mais uma vergonha nacional. Oxalá não leve todo o país junto com ele.

Rogerio Dultra: Professor do Departamento de Direito Público da Universidade Federal Fluminense (UFF), do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Justiça Administrativa (PPGJA-UFF), pesquisador Vinculado ao INCT/INEAC da UFF e Avaliador ad hoc da CAPES na Área do Direito.
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