Os erros da oposição na discussão da reforma da Previdência

Nesta quarta-feira, 10 de julho, a reforma da Previdência foi aprovada por um resultado acachapante na Câmara dos Deputados, 379 votos favoráveis versus 131 contra.

Nem no impeachment de Dilma, a esquerda teve uma derrota dessa magnitude; naquela noite fatídica de domingo, 17 de abril de 2016, um total de 367 deputados votaram em favor do afastamento da presidenta da república. 

Os últimos números do Datafolha ajudam a explicar o resultado. Vamos fazer aqui uma análise das duas pesquisas do instituto: a aprovação do governo e a avaliação sobre a reforma, cujos relatórios completos podem ser baixados aqui e aqui. E aí vamos tentar apontar o que foram, em nossa opinião, as falhas da oposição.

Vamos começar examinando a pesquisa que mediu a opinião das pessoas sobre a reforma da previdência.

   

Os números deixam claro que a reforma da Previdência foi uma espécie de terceiro turno eleitoral. A base social que elegeu Bolsonaro também apoiou a reforma da Previdência: entre eleitores declarados de Bolsonaro, 67% apoiam a reforma da Previdência.

Na estratificação por renda, temos uma ideia ainda mais clara de como a polarização política influenciou diretamente o debate sobre a reforma.

Conforme a renda familiar sobe, maior o apoio à reforma, numa equação muito parecida com o que vimos no processo eleitoral, em que o apoio a Bolsonaro subia na mesma proporção que a renda. No entanto, assim como na eleição, não seria correto falar que apenas os “ricos” apoiam a reforma, já que os números revelam que o apoio supera a rejeição já entre quem ganha acima de 2 salários.

Agora vamos analisar os números de aprovação do governo, que devem ser comparados com a da pesquisa de abril.

Os percentuais de bom/ótimo do governo oscilaram 1 ponto para cima, de 32% para 33% no intervalo entre abril e julho, revelando que houve um processo de estabilização da aprovação a Bolsonaro, após o “choque” dos três meses iniciais, quando a opinião pública pode entender melhor como é, e quem é, o novo presidente.

Entretanto, analisando os dados estratificados, notamos algumas tendências. Em alguns segmentos, como moradores da região sul, cidadãos com renda acima de 10 salários, residentes em municípios com mais de 200 mil habitantes, e pessoas com mais de 60 anos, a aprovação a Bolsonaro experimentou alta expressiva.

Essas variações podem ser resumidas pela alta de 6 pontos na aprovação entre os próprios eleitores de Bolsonaro. Em abril, 54% de seus eleitores achavam seu governo bom/ótimo; hoje são 60%.

A polarização é, de fato, radical. Entre eleitores de Haddad, 64% acham o governo do Bolsonaro ruim ou péssimo.

Conclusão: os números refletem a estratégia de Bolsonaro, que é apostar na polarização. A mensagem de Bolsonaro não tem sido, como de presidentes anteriores, em especial os petistas, de “estender a mão” a todos os brasileiros, e sim de manter acesa a mesma polarização que o levou a vitória. Está dando certo, por enquanto, como vimos com essa mudança de opinião em relação à reforma da Previdência.

A oposição encontra forte dificuldades para sair do isolamento e estabelecer pontes com setores mais amplos da sociedade.

A estratégia adotada na luta contra a reforma da Previdência, de luta do bem contra o mal, acabou sendo facilmente neutralizada quando o congresso substituiu a proposta inicial do governo, que era muito radicalizada, por uma versão bem mais branda. Itens muito polêmicos, como a capitalização pura, o fim da prestação continuada e da aposentadoria rural, foram retirados, transformando completamente a proposta.

Os partidos de oposição, que tinham se reunido para discutir a posição relativa à proposta original do governo, deveriam ter voltado a se encontrar para discutir o substitutivo, que era uma reforma diferente. Como não o fizeram, perderam o pulso da mudança de opinião de seus próprios parlamentares, e acabaram demonstrando debilidade e divisão.

A “greve geral”, por sua vez, revelou-se, como prevíamos, um tiro no pé. A mensagem passada à população foi confusa e negativa. Em meio a uma situação de grande insegurança no mercado de trabalho, com altíssimo desemprego, a ideia de uma greve geral repercutiu mal nos ouvidos da população, e ainda mais porque não houve greve geral nenhuma, apenas algumas ações mal planejadas para sufocar o transporte público de periferias já expostas a um isolamento urbano desesperador, e a organização de manifestações nos centros (sem participação das periferias, já que os transportes foram dificultados) em que a pauta da Previdência parecia secundária diante de outras bandeiras pouco aglutinadoras.

Para se ter uma ideia do fiasco, na manifestação do Rio contra a reforma da Previdência, que eu fui, o PCO conseguiu um carro de som em que um locutor passava o tempo inteiro gritando que a solução para a Previdência era derrubar Bolsonaro e pôr Lula na presidência. Em seguida, ele pedia às pessoas para comprarem fitinhas Fora Bolsonaro, que, segundo ele, ajudavam a sustentar o partido.

No congresso, tanto as lideranças de Minoria e Oposição, como os partidos, não pareceram, em momento algum, interessados em subsidiar os debates com propostas alternativas consistentes. O PDT, que tinha uma proposta de reforma da previdência bastante avançada, e que poderia usá-la para fazer um contraponto narrativo à chantagem do governo, de que a reforma seria única saída para a crise econômica, preferiu a posição confortável de se manter à sombra do maniqueísmo da polarização, diminuindo-se não apenas em relação ao conjunto da sociedade, como perdendo apoio dentro de suas próprias fileiras.

PSB e PDT passaram meses vendendo à opinião pública a imagem de que seriam uma oposição diferente, propositiva, e na hora em que era necessário oferecer uma proposta, recolheram-se à sua insignificância.

O principal nome do PDT para o tema da Previdência, Mauro Benevides, percebendo que a linha do partido seria aquela, pediu licença e foi ajudar o governo do Ceará.

Tábata Amaral, até então a estrela mais brilhante da legenda, que vinha avisando, há meses, que estava interessada em votar algum tipo de reforma, foi ignorada, e lançada na fogueira do linchamento público. A deputada tinha deixado mais ou menos claro que, diante do substitutivo, o qual removera os pontos mais drásticos da proposta original, ela poderia votar em favor se houvesse acordo para melhorar alguns pontos estratégicos da reforma, como a idade mínima das mulheres e de professores. E foi exatamente isso que aconteceu. O destaque em favor das mulheres foi aprovado no dia seguinte à aprovação do texto-base, e a Câmara, hoje, acaba de aprovar destaque do próprio PDT para reduzir a idade de professores.

Agora a legenda se vê diante do dilema de expulsar oito de seus deputados.

Ciro Gomes, que vinha promovendo debates públicos e populares sobre a reforma da Previdência, uma iniciativa sensacional, igualmente esqueceu o mais importante, que era debater com os parlamentares de seu próprio partido, e pôr em prática o que ele mesmo vinha pregando, com orgulho (como se viu) um tanto excessivo, que o seu partido faria um tipo de oposição diferente. Ao cabo, o PDT fez o pior tipo de oposição possível: não propôs nada e ainda se mostrou desorganizado e dividido internamente.

Diante do desastre, o PDT e sua militância caíram facilmente em outra armadilha, que é fazer de Tábata Amaral o bode expiatório de um fracasso que é do partido, da esquerda e de toda oposição. Afinal, o objetivo não é simular uma resistência para as redes sociais, visando garantir apoio de nichos de opinião pública e espaços limitados no parlamento, e sim construir estratégias efetivas e vencedoras de transformação social.

Eu acho que Tábata Amaral errou feio, porque ela deveria ter seguido a orientação do partido e, em seguida, fazer a devida autocrítica à maneira como o processo foi conduzido. É o que Tadeu Alencar, líder do PSB na Câmara, por exemplo, tem feito.

Mas não foi apenas a Tábata. Oito deputados do PDT e onze do PSB votaram em favor da reforma da Previdência. E votaram porque houve um hiato fatal entre as reuniões partidárias que fecharam questão contra a proposta original do governo, e a entrada em cena do substitutivo, que já era uma proposta completamente diferente.

Os partidos de centro-direita, por sua vez, estão salivando com a possibilidade de aumentar suas bancadas e, talvez, até mesmo seus fundos partidários, com a entrada dos parlamentares expulsos pelo PSB e PDT.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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