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Entrevista de Cristiano Zanin, advogado de Lula, ao UOL

No UOL Lava Jato teve “troféu” ilegítimo e não quer devolver, diz advogado de Lula Cristiano Zanin, advogado de Lula, durante julgamento do ex-presidente na 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Turma, em Porto Alegre Vinicius Konchinski Colaboração para o UOL, em Curitiba 03/11/2019 04h01 O advogado Cristiano Zanin Martins, 43, afirma ter […]

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No UOL

Lava Jato teve “troféu” ilegítimo e não quer devolver, diz advogado de Lula

Cristiano Zanin, advogado de Lula, durante julgamento do ex-presidente na 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Turma, em Porto Alegre

Vinicius Konchinski

Colaboração para o UOL, em Curitiba

03/11/2019 04h01

O advogado Cristiano Zanin Martins, 43, afirma ter vivido vários dissabores trabalhando na defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Ele afirma que as acusações fazem parte de uma tentativa de “asfixiar” o ex-presidente e eliminar seu legado para o país. São, segundo Zanin, uma perseguição política viabilizada pelo “uso perverso das leis” por parte de agentes de Estado para criminalizar o ex-presidente.

O advogado, entretanto, acredita que o cenário começou a mudar.

Em entrevista ao UOL, Zanin disse que já é possível ver sinais de uma maior sensibilidade dos tribunais com o caso de Lula.

Ele evitou falar sobre a possível soltura do ex-presidente relacionada ao julgamento das prisões em 2ª instância, que deve ser retomado na próxima quinta-feira pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Também não deu prazo para o julgamento do pedido de suspeição do ex-juiz Sergio Moro, o que pode anular as condenações de Lula.

Disse, entretanto, que a “verdade histórica” sobre os processos contra o ex-presidente veio à tona rapidamente, principalmente após a divulgação das conversas privadas de integrantes da Lava Jato feita pelo site The Intercept Brasil. Espera agora que a “verdade jurídica” seja feita e que Lula seja considerado inocente o quanto antes.

Confira abaixo os principais trechos da conversa de Zanin com o UOL:

UOL – A decisão sobre a ida do ex-presidente Lula ao regime semiaberto cabe agora ao STF. O senhor tem alguma previsão sobre quando isso deve ser avaliado?
Zanin – Nós entendemos que o STF deve priorizar o julgamento do habeas corpus que trata da suspeição do ex-juiz Sergio Moro. É uma ação de extrema relevância para o ex-presidente porque busca a declaração da nulidade de seus processos e o restabelecimento da sua liberdade. É também um julgamento simbólico para o restabelecimento da plenitude do Estado de Direito.

O presidente já cumpriu os requisitos para ir ao regime semiaberto. Segundo a Justiça Federal do Paraná, só não progrediu de pena ainda pois o STF lhe concedeu uma liminar para evitar sua transferência para o presídio de Tremembé (SP).
O STF concedeu uma liminar ao ex-presidente Lula para impedir que ele fosse submetido a novas violências jurídicas e novas humilhações. Nós entendemos que é necessário manter essa liminar pois o ex-presidente pode ser vítima de novas investidas da Lava Jato. Entendemos também que, dentro do possível, a Suprema Corte deveria finalizar o julgamento da suspeição do ex-juiz Sergio Moro.

A Justiça do Paraná entende que Lula não pode se negar a ir ao semiaberto. Caso o STF julgue que ele deve progredir de pena, ele ainda pode se negar a isso?
Nós entendemos que a progressão de regime é um direito. O ex-presidente Lula tomou a decisão de não exercer esse direito porque ele está vinculado a um processo ilegítimo. Não há como obrigá-lo a progredir se ele não quer exercer esse direito.

A mesma Justiça Federal do Paraná determinou em agosto a transferência de Lula ao presídio de Tremembé (SP). Agora, quer que ele cumpra sua pena em regime semiaberto. Por que, na sua opinião, a Justiça Federal do Paraná não quer que Lula fique em Curitiba?
Essa é uma questão que precisa ser respondida pela Lava Jato. Me parece que há um comportamento contraditório. Ora pedem a transferência para Tremembé, ora querem que ele progrida de regime.

No final das contas, há um permanente esforço para tentar impor novas violências jurídicas ao ex-presidente.

O STF deve retomar na quinta-feira o julgamento sobre a possibilidade prisão de condenados em 2ª instância. O senhor tem alguma expectativa sobre o caso?
Primeiro, o tema é importante para todos os brasileiros porque diz respeito ao cumprimento da nossa Constituição. Diz respeito ao restabelecimento da presunção de inocência em sua plenitude. Estou acompanhando o tema, os votos. Minha expectativa é que sejam julgadas procedentes na sua totalidade as ações propostas [contra a prisão em 2ª instância]. Não é possível impor a qualquer pessoa o cumprimento antecipado de uma pena. Isso não é compatível com o texto constitucional.

O senhor acha que uma mudança no entendimento sobre a prisão em 2ª instância vai favorecer a impunidade dos ricos e dos poderosos?
Não me parece que esse discurso de combate à impunidade esteja sendo bem colocado. De qualquer forma, não há que se cogitar qualquer argumento que possa se sobrepor à nossa Constituição. E mais: tanto é uma falácia o argumento que a mudança privilegiaria determinados cidadãos que as sustentações orais mais relevantes durante o julgamento ocorreram por parte das Defensorias Públicas, que estão encarregadas das defesas das pessoas que não têm recursos. Essa situação é importante para rebater o argumento de que esse julgamento só interessaria a uma camada da população com mais recursos ou mais poder. Isso é errado. Foi mostrado com dados pelas Defensorias Públicas no julgamento.

Lula já declarou que esse julgamento não lhe interessa pessoalmente. Que quer sair da prisão inocente. Caso o STF determine que a prisão após condenação em 2ª instância é ilegal, Lula vai sair da cadeia mesmo condenado e inelegível?
Eu não poderia responder essa questão porque não conversei com ele sobre eventual desdobramento desse julgamento. Esperarei o julgamento para conversar com o ex-presidente e saber da decisão dele.

Agora, o foco é para que o julgamento de ações e recursos voltados ao reconhecimento da nulidade total dos processos e da inocência do ex-presidente sejam concluídos, buscando sua liberdade plena.

Lula disse que não aceitava o regime semiaberto numa atitude política. Disse que não barganharia por liberdade. O senhor acha que, caso ele saia da prisão após eventual decisão do STF, seus argumentos em busca de inocência perdem força?
Não conversei com ele sobre isso. Mas a Suprema Corte não vai julgar somente a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. O que a Suprema Corte vai julgar é a presunção de inocência de todo e qualquer cidadão. Lula, como qualquer outro cidadão brasileiro, tem direito a essa presunção de inocência. Não existe nenhuma decisão condenatória definitiva contra ele.

O senhor acha que essa análise da presunção de inocência pode impactar na Lei da Ficha Limpa, que proíbe condenados em 2ª instância de disputar eleições?
A Lei da Ficha Limpa e as leis que tratam de impeachment, sejam elas federais, estaduais ou municipais, estão sendo utilizadas para obtenção de vantagens contra adversários políticos. Vejo com preocupação como essas leis estão sendo aplicadas. A presunção de inocência deve também assegurar a existência de um processo justo. Quando não há um processo justo, não se pode cogitar nenhum tipo de punição, inclusive a eleitoral.

Recentemente, o STF barrou a transferência do ex-presidente para Tremembé e o STJ (Superior Tribunal de Justiça) suspendeu um julgamento no TRF-4 a pedido da defesa. O senhor vê uma mudança?
Depois de um longo trabalho que estamos desenvolvendo desde 2016, tentando mostrar aos tribunais brasileiros e também a um corte internacional -o Comitê de Direitos Humanos da ONU– que a Lava Jato não deu ao ex-presidente Lula o direito a um processo justo, talvez neste momento haja uma maior sensibilidade na apreciação dos pedidos feitos mais recentemente pela defesa. Fatos mais recentes, como a Vaza Jato, como o lançamento do livro do ex-chefe da PGR [Procuradoria-Geral da República] Rodrigo Janot, dentre outros, vieram a mostrar que nós sempre estivemos certos. Vieram a mostrar que a Lava Jato foi uma perseguição, uma verdadeira cruzada, contra o ex-presidente Lula.

A própria Lava Jato tem se posicionado de forma que, em teoria, poderia favorecer o ex-presidente. Pediu que ele fosse ao semiaberto, autorizou que ele progredisse de pena sem pagar uma multa de R$ 4,9 milhões, opinou pela anulação da condenação de Lula no caso do sítio de Atibaia. Como o senhor vê esse movimento?
É uma ilusão achar que a Lava Jato estaria buscando reparar seus próprios erros. O que eu vejo é um processo de contenção de danos. A Lava Jato foi desmascarada pelas nossas iniciativas, pela Vaza Jato e por outros fatos.

O que seus agentes buscam é tentar preservar uma parte maior dos processos contra o ex-presidente. Para isso, eles vêm adotando algumas posturas que parecem querer beneficiar o ex-presidente Lula, mas não se trata disso.

A Lava Jato sempre fez do ex-presidente Lula um troféu. Dentro do devido processo legal, da boa aplicação das leis, ela jamais poderia ter obtido esse troféu. Ela obteve o troféu de forma ilegítima e não quer devolver.

O senhor já solicitou priorização do julgamento da suspeição de Moro. Já falou sobre o caso várias vezes nesta entrevista. Por que ele não é julgado?
O habeas corpus foi impetrado em novembro de 2018, começou a ser julgado em dezembro de 2018 e o julgamento foi retomado em junho de 2019. Agora, com este tempo todo, com os fatos novos, houve um reforço de tudo aquilo que já tínhamos falado e confirmado. Existe um amadurecimento natural para que esse habeas corpus possa ter seu julgamento concluído pela Suprema Corte. Acredito que isso vá acontecer num futuro próximo.

Este “futuro próximo” é quanto tempo?
Não posso estimar. Eu vi declarações públicas de que existe uma expectativa de que o habeas corpus seja julgado ainda neste mês de novembro. Eu tenho a expectativa que ele seja julgado com a prioridade que o caso requer até porque estamos falando de uma pessoa presa há mais de 570 dias indevidamente.

Caso Moro seja considerado suspeito, como ficariam os processos do ex-presidente que ele julgou ou instruiu?
Por força expressa da lei, uma vez reconhecida a suspeição do magistrado, todo o processo deve ser anulado. Embora esse habeas corpus esteja vinculado ao processo do tríplex, nós entendemos que eventual suspeição de Sergio Moro teria que ser estendida aos demais casos que ele conduziu a instrução processual. Embora ele tenha julgado somente o caso do tríplex, no caso do sítio de Atibaia, Moro foi responsável pela instrução e a própria magistrada que proferiu sentença [Gabriela Hardt] já reconheceu um aproveitamento da decisão de seu antecessor no caso. Na terceira ação [relacionado ao Instituto Lula], a instrução em sua maior parte foi conduzida por Moro. Assim, se houver o reconhecimento da suspeição, o resultado deve ter repercussão em todas as ações em que Moro tenha participado.

Os processos voltariam a que fase?
Ao menos, os processos deveriam voltar para o momento da apreciação do recebimento ou não das denúncias apresentadas pelo Ministério Público.

O senhor e o ex-presidente citam mensagens divulgadas pelo The Intercept para defenderem a suspeição de Moro. Essas mensagens foram obtidas de forma ilegal. O senhor acha que elas devem servir como provas em julgamentos?
É necessário fazer um balanço. Neste balanço, a liberdade, que é um dos valores fundamentais, deve prevalecer. Há no STF precedentes que autorizam o uso de provas ilícitas quando destinadas a reforçar teses defensivas. Diante disso, as mensagens não só podem como devem ser levadas em consideração nos recursos que apresentamos, porque elas reforçam o que estamos dizendo desde 2016.

O ex-juiz Sergio Moro não foi imparcial, os procuradores da Lava Jato não agiram dentro dos parâmetros e, além disso, ficou evidenciada uma motivação política.

Além disso, se o Estado, que está acusando o ex-presidente Lula, detém a posse dessas mensagens, ele não pode negar que a defesa possa utilizar o material para reforço dos seus argumentos. Este caso é incontroverso.

O ex-presidente Lula já disse que a Lava Jato teve coisa boa e não deveria ser toda anulada. O senhor concorda com ele?
A Lava Jato não vai deixar ao país um legado positivo. Ao contrário. Vai deixar um legado que mostra uma atuação ilegal por parte de agentes do sistema de Justiça, que mostra o estado de exceção, uso estratégico da lei para fins políticos e geopolíticos.

Não há nada de positivo?
Não vejo, porque é impossível dissociar as ilegalidades e arbitrariedades praticadas pela Lava Jato de um eventual aspecto positivo que a operação poderia ter deixado para o país.

Como o senhor acha que a Lava Jato será lembrada daqui a 20 ou 50 anos?
Será lembrada como um período em que houve uma profunda erosão do Estado de Direito no país, com resultados catastróficos para a economia, para os direitos sociais e o sistema de Justiça como um todo.

Que interesses estão envolvidos no caso do ex-presidente?
Vejo interesses políticos e geopolíticos. Interesses políticos porque os processos abertos contra o ex-presidente buscavam impedi-lo de concorrer no cenário político. Isso veio a ocorrer. Ele foi impedido de concorrer nas eleições presidenciais de 2018. No aspecto geopolítico, você tem claramente a presença de interesses norte-americanos no Brasil, sobretudo no tocante ao pré-sal.

O que o caso do ex-presidente representa para o senhor? Para sua vida profissional e pessoal?
Sempre foi para mim motivo de orgulho poder advogar para o ex-presidente Lula por tudo aquilo que ele significa para nosso país. Agora, não há dúvida que a atuação profissional neste caso foi acompanhada de muitas privações e de alguns momentos de adversidade. Mas eu faria exatamente da mesma forma se o caso tivesse início hoje.

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