Contraponto a um texto divulgado por Chico Alencar, que denuncia Cid Gomes por “coronelismo”

O deputado Chico Alencar (Psol-RJ) divulgou hoje, em sua página no Facebook, o texto de um militante do PSOL no Ceará, que traz uma crítica duríssima ao senador Cid Gomes.

A íntegra do texto está ao final do post. Antes, porém, eu gostaria de fazer um contraponto.

Diz o texto que “o coronelismo e o militarismo de extrema-direita mediram força em Sobral”.

Não é de hoje que a esquerda brasileira trata qualquer iniciativa política um pouco mais assertiva como “coronelismo”.

Na semântica do esquerdismo pós-moderno, “coronelismo”, um conceito popularizado por Victor Nunes Leal, no clássico Coronelismo, enxada e voto, é um epíteto distribuído com muita liberdade a seus inimigos políticos.

Mesmo o autor do conceito, o genial Nunes Leal, não usou o termo de maneira sempre pejorativa. Ao estudar o coronelismo, Leal conta casos de lideranças locais legítimas, que frequentemente enfrentavam o governador e o governo central, com risco de sua própria vida e de seu patrimônio, em defesa dos interesses de sua comunidade. Não eram santos. Na maioria dos casos, eram donos de terra e cultuavam algum tipo de autoritarismo. Mas também não eram demônios. Eram as lideranças políticas necessárias de seu tempo. A história do Brasil registra que muitos “coroneis” tombaram em combate. Grande Sertão Veredas, o clássico de Guimarães Rosa, conta algumas histórias dessas lutas.

Entretanto, no caso do senador Cid Gomes, o seu “coronelismo” é bastante sui generis, já que não é dono de terras, não é proprietário de meios de comunicação (esse outro tipo de coronelismo que proliferou no Nordeste após a redemocratização, e que não foi combatido durante os governos de “esquerda”), e apoiou um sucessor de outro partido, bem diferente do seu.

No episódio de que tratamos, Cid Gomes era um senador licenciado, desarmado, desacompanhado de qualquer segurança, que resolveu, após deliberar democraticamente com seus conterrâneos, enfrentar um motim miliciano que vinha aterrorizando a cidade há alguns dias.

Tratar isso como “coronelismo” me parece preconceito contra a própria ação política.

Qualquer ação um pouco mais audaciosa seria “coronelista”?

E quem é Cid Gomes? A atuação do grupo político de Cid à frente de Sobral colocou o município na liderança nacional em educação básica de qualidade. Não são características de um “coronel”, na acepção tradicional em que o termo é usado pela esquerda, de oligarca autoritário e corrupto.

No senado, tem sido, ao contrário, uma voz sempre moderada e tranquila.

É de sua autoria a lei do juiz de garantias, que hoje mobiliza o ódio descontrolado de procuradores e magistrados acostumados ao arbítrio. Se esta lei estivesse vigente há alguns anos, jamais teríamos testemunhado os abusos da Lava Jato.

Alguns partidos que hoje se tornaram ferozes inimigos dos arbítrios do sistema de justiça, nunca tiveram a iniciativa de propor mudanças legislativas que impusessem limites e freios à ação do Ministério Público e do Judiciário. Ao contrário, deram-lhes mais e mais poder, no esforço fisiológico de comprar seu apoio.

O esquerdismo infantil, como de praxe, confunde autoridade com autoritarismo, e por isso perde votos e abre espaço para o avanço da extrema direita, porque esta ao menos entende o desespero do povo diante do drama da segurança pública.

Crises de segurança pública, em qualquer tempo e em qualquer lugar, pedem soluções enérgicas. Pedem autoridade!

No caso em questão, estamos diante de algo ainda mais perigoso e dramático do que os problemas convencionais de segurança pública. Temos o avanço da criminalidade no seio da própria polícia, com apoio de forças políticas ligadas diretamente ao presidente da república!

Me parece um bocado contraditório que as mesmas forças políticas que se utilizam, muitas vezes até com um ridículo exagero retórico, da ameaça fascista como principal narrativa para atacar o adversário, mudem completamente o discurso quando nos deparamos com o fascismo em estado bruto, o fascismo puro, o fascismo clássico, que é um motim ilegal de militares encapuzados, intimidando a população nas ruas, espalhando  pânico e terror, e sob a liderança política de parlamentares de extrema direita!

Em apenas cinco dias de motim, o número de homicídios registrados explodiu no estado do Ceará. Já são 88 mortos.

Por que essa mudança de discurso? Seria porque se fareja a possibilidade de se beneficiar o concorrente político nas próximas eleições?

Ninguém é perfeito. E a ação política, em momentos decisivos, sempre embute riscos e erros. Cid Gomes poderia ter agido de outra maneira? Sim! Mas também NÃO poderia ter agido de outra maneira? Sim, também! É sempre fácil julgar a ação de quem enfrenta o fascismo, com sua própria vida, a partir do conforto de seu ar condicionado e seu computador de última geração.

Entretanto, o símbolo que fica, para o povo, é que alguém enfim tomou uma atitude. Em tempos de enorme desprestígio da retórica política e ideológica, vista como floreio verbal sem sinceridade, sem substância, e sobretudo sem consequência real sobre suas vidas, uma ação política enérgica, decidida no calor do momento, é o que mais conta!

Abaixo, o texto do advogado Felipe Araújo, militante do PSOL e integrante do mandato Renato Roseno no Ceará, divulgado pelo deputado Chico Alencar em sua página:

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Coronelismo e militarismo de extrema-direita mediram força em Sobral

Publicado na página de Chico Alencar

No vale da loucura e da irresponsabilidade em que o Brasil está mergulhado, o coronelismo e o militarismo de extrema-direita mediram força em Sobral. Tanto um quanto o outro possuem seus próprios métodos de intimidar o debate público e sequestrar a democracia.

De um lado do portão, o coronel-senador. As mãos às rédeas de um tão imponente quanto risível trator. Ao modo de um Luis XIV da caatinga, anunciou aos quatro ventos que ali o estado era ele próprio – encarnado em empáfia, truculência e destempero. Seus adversários, avisou ao megafone, teriam não mais do que cinco minutos pra se render e beijar-lhe os pés.

Poderia ter ferido ou mesmo matado alguns dos amotinados em seu tresloucado rompante de super herói da província. Felizmente, não foi o caso. Infelizmente, porém, esse Aquiles do Acaraú, canastrão e desastrado, saiu gravemente ferido do episódio. Baleado, ao que consta nas apurações ainda incipientes do noticiário oficial, com projéteis reais disparados por seus inimigos.

O atentado, claro, deve merecer todo nosso repúdio e a vítima, toda a nossa solidariedade e desejo de restabelecimento. Não apenas uma frase protocolar, mas um sentimento concreto de empatia – qualidade, ressalte -se, que não é das mais evidentes no personagem em questão.

Essa mesma solidariedade, contudo, só será efetiva se for franqueada também aos grupos periféricos e às minorias que são baleadas cotidianamente ao apontar para as forças policiais não um trator tirânico e autocrata, mas as menores e mais frágeis expectativas de direito.

Abaixo, o texto de Felipe Araújo, jJornalista e advogado, militante do PSOL e integrante do mandato Renato Roseno no Ceará, que foi divulgado na página do deputado

Do outro lado do portão, os amotinados. O braço armado não mais do estado democrático de direito, mas dos interesses eleitorais de novos grupos políticos de extrema-direita que querem chegar ao poder também pela força.

São grupos – majoritariamente bolsonaristas, destaque-se – que saíram do controle da legalidade e ultrapassaram a legitimidade da luta corporativa por melhores salários e condições mais dignas de trabalho.

Em vez de trator, querem romper o portão da institucionalidade usando armas, balaclavas e fake news. Não querem negociar mais nada. Querem apenas apavorar a opinião pública e confundir a audiência distraída e acéfala dos grupos de whats app. E, sobretudo, manifestar o próprio empoderamento à margem da democracia.

Texto: Felipe Araújo (Jornalista e advogado, militante do PSOL e integrante do mandato Renato Roseno no Ceará)

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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