Novo paper contesta eficácia da hidroxicloroaquina no tratamento da Covid-19

Em tempos de terraplanismo, é preciso afirmar algumas obviedades.

Todo mundo, em sã consciência, quer, ansiosamente, desesperadamente, que se encontre uma tratamento eficaz contra o coronavírus, seja na forma de vacina (que costuma demorar mais), seja na forma de antivirais capazes de agir rapidamente, ajudando o organismo humano a enfrentar e superar os terríveis efeitos provocados pelo Covid-19, que é a doença associada ao vírus.

Para isso, é preciso, de um lado, que os centros de pesquisa trabalhem a todo vapor, fazendo testes, experimentos, e divulgando os resultados.

De outro, é necessário que esses resultados sejam expostos ao contraditório, sem nenhum tipo de complacência.

Evidentemente, a postura mais estúpida seria politizar o debate em torno do melhor tratamento para o Covid-19.

Ninguém pode ser “apegar” a um remédio como se fosse a um time de futebol ou a uma bandeira política.

Dito isso, vamos à hidroxicloroquina e à cloroquina, dois produtos que vem sendo promovidos, de maneira um tanto irresponsável, pelo próprio presidente da república, Jair Bolsonaro.

E aí todos os apoiadores do presidente passaram a defender o uso da cloroquina com paixão, e a insultar violentamente qualquer médico, autoridade, jornalista, que não partilhe da mesma “fé” nas propriedades do medicamento.

Mas o que existe, concretamente, sobre a eficácia da cloroquina no tratamento do Covid-19?

Por enquanto, muito pouco. Tanto o ministério da Saúde do Brasil, como o Centro de Controle e Prevenção de Doenças do governo americano (CDC), informam que a cloroquina ainda está sob investigação.

O Ministério da Saúde do Brasil divulgou ontem um manual de tratamento do Covid-19, onde se aponta que os estudos apresentados, até o momento, sobre a eficácia da cloroquina, são “divergentes” e com “alto risco de viés”.

Já o CDC, após críticas de médicos, mudou o texto de seu site, e agora enfatiza que o tratamento do Covid-19 à base de cloroquina ainda está sob investigação.

No entanto, dezenas de estudos e experimentos estão sendo feitos nos Estados Unidos, Brasil, Europa, em todo mundo, sobre a eficácia da cloroquina, e tudo que se pede, às autoridades, é que tenham o bom senso de valorizar a ciência, e não tratem nenhuma informação sobre tratamento do Covid-19, com linguagem militante.

Há um problema paralelo grave neste caso: como a cloroquina e a hidroxicloroquina são remédios de absoluta necessidade para pacientes com lupus e malária, dentre outras doenças, a propaganda exagerada sobre a eficácia deles no combate ao Covid-19, ainda não comprovada, tem feito com que seus estoques sumam das farmácias, prejudicando severamente as pessoas que precisam deles.

Há alguns dias, cientistas franceses publicaram um paper com conclusões negativas sobre a eficácia da cloroquina no tratamento do Covid-19.

A conclusão do estudo é antecipada no próprio título do trabalho: “Não há evidência da eficácia ou benefício clínico no uso de hidroxicloroquina em pacientes com infecção severa de Covid-19”.

Outros estudos, também muito recentes, tem apontado o risco do produto para pacientes com problemas cardíacos, que formam um percentual importante entre aqueles com propensão a desenvolver a doença.

Segundo reportagem da Newsweek, os hospitais da Suécia, país que tem um dos melhores sistema de saúde do mundo, pararam de usar a cloroquina após a constatação de efeitos colaterais perigosos nos pacientes.

De qualquer forma, o Covid-19 tem se espalhado tão rapidamente, que a própria magnitude e gravidade da epidemia oferece oportunidades inesgotáveis para se testar a eficácia dos antivirais. Em poucas semanas, teremos milhões de infectados, e os testes com cloroquina tem sido feitos em todo o mundo.

Se houve comprovação de que hidroxicloroquina e cloroquina são realmente úteis, então será uma excelente notícia para o mundo. Mas a postura de promover um produto antes que exista comprovação é equivocada, e inclusive pode atrapalhar a imparcialidade do processo de coleta e análise de dados, contaminando-o com viés para um lado ou outro, conforme alertou o ministério da Saúde do Brasil.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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