A guerra na PF e a lei do retorno

Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Vamos fazer uma breve recapitulação histórica para compreender melhor a escancarada guerra entre facções da Polícia Federal que explodiu nos últimos dias.

Nos tempos de Fernando Henrique Cardoso tínhamos uma PF que trabalhava em um ritmo vagaroso, quase parando, como se dançasse um bolero com o então PGR, Geraldo Brindeiro, mais conhecido pela nada honrosa alcunha de Engavetador Geral da República.

Nos governos Lula e Dilma o número de operações da PF deu um salto espetacular. Sinal de que a instituição estava agindo de modo mais republicano? Talvez sim, mas não por muito tempo.

Lá por 2014, o surgimento de um certo juiz paranaense no cenário político nacional, alçado a herói por conta da operação Lava Jato, revelou uma face da PF diametralmente oposta a dos tempos de FHC: profundamente ativa e antigoverno. De repente ações da Polícia Federal viraram o assunto central em todos os noticiários, de uma forma estranhamente conveniente aos interesses da direita brasileira – que, naquele tempo, era um bloco unitário graças à cola do antipetismo.

A atuação do governo Dilma para conter o avanço do golpismo judicial – levado a cabo graças à ação da polícia subordinada ao próprio poder executivo! – transitou entre a nulidade e o risível. O “republicanismo” petista permitiu que a PF usasse de suas prerrogativas legais para engrossar o caldo político, ou melhor, ser a base desse caldo que resultou em um jantar indigesto, o golpe de 2016, e uma sobremesa apodrecida, envenenada, mortal: a eleição de Jair Bolsonaro.

Sergio Moro, aquele reles juiz paranaense, virou ministro da Justiça de Bolsonaro. Este, que não zela por republicanismo algum – ao contrário, não esconde seus pendores autoritários –, chamou Moro para uma encarniçada disputa pela indicação de postos de comando da PF. Recentemente, o ex-juiz rompeu com o presidente após um sórdido engalfinhamento público com ares de novela mexicana. Desde então a direita está oficialmente rachada em dois blocos, o bolsonarismo e o morismo.

A guerra de operações da PF é um evidente reflexo da guerra entre Moro e Bolsonaro. Terça (26) foi fustigado o governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel, um nome de peso alinhado ao morismo e também um figadal inimigo de Bolsonaro. Ontem (27) as operações miraram figuras importantes do bolsonarismo como Luciano Hang (o famigerado Véio da Havan), Roberto Jefferson, Allan Santos e Sara Winter.

Roberto Jefferson comparou a operação de ontem da PF com o “Tribunal do Reich” instituído por Hitler. Sara Winter postou um vídeo onde diz que “queria trocar soco com esse filha da puta desse arrombado”, referindo-se a Alexandre de Moraes, que expediu a ordem de busca e apreensão, bem como fez graves ameaças ao ministro do STF, dizendo coisas como “a gente vai descobrir os lugares que você frequenta”. Allan Santos, em uma live que contou com a participação de Olavo de Carvalho e Eduardo Bolsonaro, chamou Alexandre de Moraes de moleque, criminoso e vagabundo.

Bolsonaro, que parabenizou a ação da PF contra Witzel, não gostou tanto assim da que atingiu seus aliados. Hoje, (28), no cercadinho onde vomita seus absurdos diários sobre o rebanho, ele gritou, apoplético, um “acabou, porra!”, querendo dizer que decisões como a de Alexandre de Moraes não serão mais toleradas. O presidente ainda compartilhou em seu twitter uma live com o ultrarreacionário jurista Ives Gandra em que se discute a aplicação do art. 142 da Constituição, que fala em ação das Forças Armadas. Uma ameaça ainda mais explícita de autogolpe do que as “consequências imprevisíveis” rosnadas pelo general Heleno.

Enquanto isso, Olavo de Carvalho, o guru ideológico dessa turma, vocifera, no Facebook, diretamente da Virgínia/EUA, contra a iminente “narco-revolução comunista” .

Este é o momento de mais alta temperatura política desde que Bolsonaro chegou ao poder. O risco de uma investida autoritária é palpável. Sendo assim, qualquer um que deseje e lute pela queda de Bolsonaro é aliado de primeira hora. Derrubar o protótipo de ditador é a tarefa número um, dois e três.

Ainda assim, não deixa de ser interessante (logo à frente será essencial) analisarmos a cadeia de acontecimentos que nos trouxe até aqui.

A lei do karma, conceito presente em muitas filosofias e religiões, especialmente do Oriente, é simplesmente a lei de causa e efeito: toda ação tem uma consequência. Faz todo o sentido que a politização da PF e a atuação da Justiça no sentido de derrubar um governo eleito tenham descambado em uma disputa sangrenta dentro da Polícia Federal e na ascensão de um grupo político violento e reacionário ao poder. Ação e consequência.

A luta está aberta, o jogo é bruto. Em meio ao caos, contudo, às vezes surge um bom meme para aliviar a tensão, um meme engraçado que, ainda por cima, explica uma certa realidade política com invejável precisão:

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Pedro Breier: Pedro Breier nasceu no Rio Grande do Sul e hoje vive em São Paulo. É formado em direito e escreve sobre política n'O Cafezinho desde 2016.
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