Fernando Haddad: entre o projeto nacional e a sobrevivência do PT

Foto: Ricardo Stuckert / Instituto Lula.

Por Leonardo Aragão.

Fernando Haddad concedeu uma entrevista de quase duas horas ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em que ficou evidente a tentativa do segundo colocado nas eleições presidenciais de 2018 em equilibrar as diversas posições médias nacionais em relação aos temas da conjuntura.

Inteligente, sereno, lúcido e buscando o tempo todo referências acadêmicas históricas para embasar seus argumentos, como pudemos ver ontem no programa dirigido por Vera Magalhães, o ex-prefeito de São Paulo é uma liderança política que teria todas as credenciais para ser um dos principais interlocutores nacionais do contraponto ao extremismo tacanho, tosco, maléfico e carregado de ódio da direita bolsonarista.

Entretanto, em que pese os 47 milhões de votos recebidos na urna em 2018, Haddad não consegue ser a referência nacional de um campo que, como atesta a história do PT, é relevante para a construção de uma alternativa progressista à sociedade. É uma figura com participação muito aquém da necessária, tolhido por razões incertas de foro político ou partidário.

Talvez por excesso de zelo nas palavras, Haddad acaba se posicionando de forma a receber críticas de todos os lados. Uma análise do discurso dele ocorre muitas vezes não pelo que foi dito, mas pelo que foi omitido. Evitou atacar a tragédia de um governo que trata a Educação como inimiga do Estado, perguntado sobre a posição dele acerca do interino do MEC, Antônio Paulo Vogel, número 2 da Secretaria de Finanças na gestão dele na capital paulista.

Confronta a própria narrativa do PT ao evitar enfaticamente mencionar o aspecto destrutivo da Operação Lava-Jato, centrando na crítica à perseguição de Sérgio Moro a Lula, sem abordar as gravíssimas revelações da cooperação entre a força-tarefa e agentes dos EUA nem a gestão leniente do ex-juiz com os arroubos e esquemas que Bolsonaro tentou preservar enquanto esteve à frente do Ministério da Justiça; não aprofundou o debate sobre o futuro do país em termos objetivos, ao contrário do que vem fazendo Ciro Gomes, que vem utilizando todos os espaços abertos para explicar o conceito de seu Projeto Nacional de Desenvolvimento e, por fim, o centro político, por razões óbvias, não aceita a defesa irrestrita que faz de Lula. Portanto, soa um tanto deslocado das principais teses em debate no país. 

Haddad é um petista leal, sem dúvidas. Nas entrelinhas, já manifestou que apesar da gratidão, respeito e enorme admiração por Lula e a militância do PT, promoveria caso tivesse condições políticas para tal algumas modificações na estrutura partidária e na tática. Tanto que a despeito do discurso oficial petista aceitou participar do ato realizado pelo movimento Direitos Já, ao lado de várias figuras demonizadas pelo mainstream dirigente do PT. Isso justifica a tarefa secundária dele na definição das estratégias políticas do partido, assumindo um caminho de aprofundamento do seu papel de coordenação intelectual do pensamento petista.

Ainda assim, está colocando em jogo seu futuro político de médio prazo por não saber o que irá acontecer com sua carreira política. Questionado sobre se será candidato em 2022, fugiu da resposta porque realmente não sabe o que dizer, tendo em vista que o PT ainda sonha com a anulação da condenação de Lula, apesar de não estar se movimentando em nenhuma frente para acumular forças concretas visando esse objetivo além das denúncias de impacto restrito à militância interna. Sutilmente, ironizou os petistas que lhe cobraram o “sacrifício” de ser candidato nas eleições à Prefeitura de São Paulo este ano, ao lembrar que era a terceira opção de vice para a tentativa de candidatura de Lula, após Ciro Gomes e Jaques Wagner, e que ainda assim topou o desafio mesmo sem ter a noção de quando assumiria de vez a liderança da chapa.

Fernando Haddad defendeu em artigo na Folha de S. Paulo que a saída para a superação dos riscos representados por Bolsonaro é recolocar na ordem do dia o debate sobre um projeto nacional. O PT busca provar que está do lado certo da História e, nessa perspectiva fatalista de sobrevivência política, compreender que naturalmente os fatos revelarão a verdade sobre a prisão de Lula e o golpe de 2016, e o partido retomará a hegemonia eleitoral e social como tinha entre 2002 e 2013. 

Equilibrando sobre essa balança, Haddad busca mediar posições, o que é oportuno no Brasil atual, mas pode lhe relegar, no PT atual, o mesmo caminho de outras boas lideranças surgidas no partido nos últimos anos, como Camilo Santana e Rui Costa, de um protagonismo tutelado. 

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