Porque a pesquisa da Veja não é ruim para a oposição

Vou na contramão da maioria e acho que a pesquisa divulgada pela Veja hoje não é ruim para a oposição como uma análise apressada pode indicar.

Em primeiro lugar, o cenário está estagnado. As mudanças observadas entre abril e julho são insignificantes e abaixo da margem de erro.  Podemos arredondar: Bolsonaro tem uns 30% de votos no primeiro turno, Lula 22%, Ciro 8%.

Prefiro analisar o cenário com Lula porque não importa agora se ele será candidato. Com dois anos de distância, uma pesquisa desse tipo serve para analisar o cenário de agora, e não de um distante 2022.

Os 30% de Bolsonaro se explicam facilmente: ele é o presidente da república, ganhou as eleições, e uma parte expressiva da população está exausta de crises políticas e econômicas e torce desesperadamente para tudo dar certo.

Entretanto, 30% não é grande coisa para um presidente no cargo. Se ele tivesse mais de 50% nas pesquisas, indicando vitória no primeiro turno, aí sim deveríamos nos preocupar. Houve uma leve recuperação da aprovação do presidente nas últimas semanas porque a população naturalizou a pandemia, e está agradecida pelo Auxílio Emergencial. O problema principal de Bolsonaro é a perda da classe média, uma ausência que ele terá de compensar oferecendo programas sociais para os mais pobres, levando a um conflito cada vez maior com Paulo Guedes.

Os 22% de Lula são sua base eleitoral, mais ou menos consolidada. No Nordeste, segundo a mesma pesquisa, ele tem 34%; mas apenas 14% no Sudeste. Os obstáculos de Lula estão em sua rejeição na classe média, no Sul, no Sudeste, nas grandes cidades, e no enorme passivo de notícias de corrupção, verdadeiras, exageradas ou falsas (em política, isso não importa tanto) que as administrações petistas tem de arrastar. Além disso, Lula provavelmente não poderá ser candidato. O PT deverá lançar Haddad novamente, ou apoiar Flavio Dino, caso este migre para o PSB e consiga apoio do partido para ser o candidato da legenda.

O trunfo de Lula é a enorme capilaridade do petismo no que restou dos sindicatos e nos movimentos sociais mais importantes, como o MST, além de usufruir de uma rede de comunicação alternativa sem paralelo em outros campos da esquerda.

Sergio Moro tem 17% nas pesquisas, e sua presença ativa nas redes sociais, além do que já conhecemos de sua vaidade, são sinais muito fortes de sua disposição para disputar as eleições em 2022. Sua presença na disputa, todavia, pode até ser interessante para a oposição de esquerda, porque Moro terá que disputar o voto da direita através da artilharia pesada contra Bolsonaro, o que ajudará o campo progressista a criar uma massa crítica, num eventual segundo turno, contra a reeleição do presidente.

Ciro tem 8% com Lula no páreo, o que deve corresponder, em votos válidos, a mais ou menos os 12% que obteve na eleição de 2018. É um capital político respeitável, e a constância com que ele o carrega é algo impressionante. Faça chuva ou sol, os mesmos 12% permanecem lá. Essa e outras pesquisas indicam que Ciro consolidou-se como única alternativa progressista viável fora do PT. Nas pesquisas presidenciais de 2018, Ciro tinha apenas 4% quando havia a presença de Lula no questionário. Hoje tem o dobro. A posição de Ciro de agora é mais confortável do que em 2018, porque ele não está mais preocupado em defender Lula, como estava na última eleição, de olho no num eventual apoio de Lula, que alguns caciques petistas (incluindo o próprio Lula, como agora sabemos por Delfim Netto) usaram para lhe seduzir e neutralizar suas críticas ao partido. Os 17% de Moro dificilmente irão para Lula, mas um bocado desses eleitores podem migrar para Ciro, caso Moro não tenha um bom desempenho na campanha. Seu maior trunfo será algo parecido ao que tinha a oferecer em 2018: ser o candidato progressista com mais chances de vencer um segundo turno contra Bolsonaro, com uma “vantagem” relativa que não tinha em 2018, que é seu maior distanciamento de Lula e do PT.

Bolsonaro, afinal, está preparado para combater o PT, atiçando o antipetismo, falando em roubalheira, o que lhe dá a vantagem de ocultar seus próprios defeitos e sua absoluta falta de um projeto para o país. Diante de outro candidato progressista, independente e crítico ao PT, como Ciro, o discurso bolsonarista perde o chão. O principal obstáculo de Ciro será superar o risco de ser visto como um candidato sem identidade, acusado de ser de “direita” por petistas e de “ultra-esquerda” por bolsonaristas. Além disso, esse fogo cruzado no qual Ciro se meteu poderá ser um problema grave, caso ele não consiga montar uma campanha muito bem estruturada.

Quanto aos cenários de segundo turno, eles provam que o bolsonarismo se consolidou como principal força política no país. Ao mesmo tempo, ajuda a derrubar algumas teses, como a de que seria impossível vencer sem apoio da Globo. Lula venceu, Dilma venceu, e agora Bolsonaro vence, sem apoio da Globo.

Se as pesquisas em 2018 sinalizavam derrota de Bolsonaro diante de quase todos os candidatos (com exceção de um candidato petista que não o próprio Lula, que estava inelegível), hoje ele aparece à frente de todos seus adversários. Mas se é muito cedo para uma pesquisa de 1º turno, que dirá de segundo! O que a pesquisa mostra é que o voto de oposição a Bolsonaro num segundo turno, hoje, oscila entre 31% e 36%. É uma base considerável, e que tem tudo para crescer e, eventualmente, se tornar hegemônica e vencer as eleições, sobretudo quando consideramos que Bolsonaro vem perdendo apoio das franjas mais instruídas da sociedade.

Em suma, a pesquisa não é tão ruim assim para a oposição. Os números indicam que é possível derrotar Bolsonaro, caso se monte uma estratégia inteligente, objetiva e pragmática.

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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