Tempestade perfeita

Foto: Marcos Corrêa/PR

O “eu garanto a vocês que não tem qualquer possibilidade de impeachment” que Eduardo Bolsonaro fala logo no início deste vídeo lembra aqueles momentos em que o técnico do time está sob alta pressão e o dirigente do clube dá uma entrevista dizendo que o cidadão está prestigiado e que não há perigo de demissão. E então, poucos jogos depois, o técnico cai.

Ainda mais quando o filho do presidente tenta justificar sua afirmativa: Bolsonaro não cai porque “tem apoio popular” e porque “dentro do Congresso Nacional isso daí é motivo de chacota”. O apoio popular é fragorosamente desmentido pela última rodada de pesquisas de avaliação do governo: todas os institutos apuraram uma deterioração importante na popularidade do presidente e da sua administração.

Quanto ao impeachment ser chacota dentro do Congresso, bem, quando o presidente da Câmara e um dos candidatos ao cargo falam sobre o tema, quando começam a se espalhar “placares do impeachment” para contabilizar os votos dos parlamentares, quando os jornalões e grupos de direita passam a considerar ou mesmo defender o impeachment e quando o governo tenta desesperadamente garantir a eleição de um aliado para a presidência da Câmara para não correr risco de cair, é porque o impeachment já passou do estágio chacota faz algum tempo.

Há outros sinais de que o impeachment de Bolsonaro não deve ser um hit fugaz nas paradas de sucesso, mas um clássico que ficará marcado na história.

Um deles é o tradicional “vice-prontinho-para puxar-o-tapete”. Bem no dia em que explodiu o escândalo do leite condesado, Hamilton Mourão deu uma entrevista para a CNN falando de sua relação com o presidente Bolsonaro:

Não há conversas seguidas entre nós. As conversas são bem esporádicas.

E, indagado se sente falta do diálogo:

Faz falta, sim. Faz falta até para eu entender em determinados momentos o que eu preciso fazer.

Alguém aí lembrou da famigerada cartinha de Michel Temer a Dilma Rousseff? Faltaram a carga dramático-patética e as mesóclises, mas o sentido é o mesmo: há um fosso intransponível entre mim e o presidente, portanto se derrubarem-no, podem confiar no papai aqui.

A verborragia de Bolsonaro, apesar de habitual, não exatamente baixa a temperatura do caldeirão do impeachment – pelo contrário.

Apesar das justas ponderações que se vem fazendo sobre a fragilidade do escândalo da compra de alimentos nos aspectos contábil e orçamentário – é, de fato, um debate pequeno diante do sequestro do orçamento perpetrado por Paulo Guedes e turma –, o estrago político que pode ser provocado pelos milhões gastos em chicelete e leite condensado é tectônico.

E, de todo modo, os contratos milionários do governo com empresas aparentemente modestíssimas (e que ainda negam a venda) são evidentes causas para uma investigação rigorosa, pois é possível, senão bastante provável, que haja desvio de recurso público na história. Quem se surpreenderia com os especialistas em rachadinha escalando seu negócio para um rachadão?

Uma CPI que investigue e encontre roubo de dinheiro público pode ser a pá de cal no governo Bolsonaro.

O céu fechado que começou a se armar para o presidente por conta da tragédia da falta de oxigênio em Manaus toma ares, agora, de tempestade perfeita – aquele momento da política em que uma miríade de fatos e condições adversas acontecem simultaneamente e jogam o governante nas cordas. Em um cenário desses, a garantia do glorioso Dudu Bananinha (vocês lembram quem inventou esse apelido, né?) vale tanto quanto uma nota de três reais.

Pedro Breier: Pedro Breier nasceu no Rio Grande do Sul e hoje vive em São Paulo. É formado em direito e escreve sobre política n'O Cafezinho desde 2016.
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