Tolerância demais

Foto: Roberto Jayme/Ascom/TSE

Foi ótimo assistir o STF finalmente declarar o óbvio, sabido desde 2014 por qualquer um com o mínimo de honestidade intelectual: Sergio Moro não possuía a isenção necessária para julgar Lula. Todas as operações pirotécnicas, as capas de revista, os Jornais Nacionais, os bonecos infláveis, as camisas da seleção nos domingos de sol, as provas processuais e as condenações, tudo foi por água abaixo porque Moro foi parcial o tempo todo.

Ao mesmo tempo é angustiante constatar que o STF conseguiu dizer o óbvio – pelo apertado placar de 3 a 2! – somente depois da Lava Jato criar as condições para um golpe de Estado, prender um ex-presidente sem provas e eleger um fascista para a presidência.

Fascista não: nazista. O caso do assessor de Jair Bolsonaro que fez um gesto usado por supremacistas brancos em plena sessão do Senado Federal não é o primeiro – nem do assessor, nem do governo Bolsonaro. Bolsonaro que foi eleito, aliás, falando abertamente que a ditadura foi ótima e prestando homenagens a ditadores, destilando machismo, racismo e homofobia sem o menor pudor, dentre tantos outros descalabros.

Pois no dia em que Moro foi finalmente declarado suspeito pelo STF, com alguns anos de atraso, o Brasil bateu o recorde de mortes em um único dia nesta pandemia: 3.251 vidas ceifadas. É uma ironia, ou talvez uma licão da História, terrivelmente macabra, pois a esmagadora maioria dessas mortes estão na conta do genocida que nos preside, ele mesmo, o dirigente maior do governo fascista/nazista que só está no poder por causa do trabalho cretino de Sergio Moro na Lava Jato.

Conclusão: tolerância é um belo valor humano, sem dúvidas, mas tolerância com o terror não é tolerância, é cumplicidade.

Essa demora exasperante para reagir às violências também não é aceitável. Demora é, não raro, sinônimo de estragos irreparáveis.

Por exemplo, as reações dos últimos dias ao morticínio: quantas associações, políticos, jornalistas, banqueiros, empresários resolveram cobrar o governo federal para que faça alguma coisa somente quando batemos os 300 mil mortos? (Oficiais, fora a subnotificação.) A tragédia que estava por vir foi explicada em detalhes por 10 a cada 10 especialistas, mas muita gente se omitiu. O momento de pedir ao governo que fizesse alguma coisa passou faz mais ou menos um ano. Agora, com 300 mil mortos e subindo, nenhum apelo a Bolsonaro se justifica. Quem está preocupado deveria se unir aos que pedem impeachment imediatamente.

O que o momento exige é óbvio: que toda a pressão da sociedade se volte contra os presidentes da Câmara e do Senado, para que deem início às CPIs e ao processo de impeachment do Hitler Tropical. (Se demorarem, como já estão demorando, serão também cúmplices do massacre.)

Um pouco mais à frente, contudo, precisamos discutir a sério mecanismos que diminuam a tolerância com o que não pode ser tolerado. Não adianta termos uma bela Constituição se a um reles juiz e um procurador de primeiro grau se permite fazer o que fizeram Moro e Dallagnol; se a manipulação midiática e das redes sociais imperam e distorcem a percepção popular dos acontecimentos; se o governo federal do país pode adotar uma ação política fascista/nazista e cometer um genocídio sem que nada aconteça.

Derrubar Bolsonaro é tarefa para ontem, portanto. Mas é preciso pensar desde já no amanhã. Urge criarmos mecanismos que permitam respostas rápidas e eficientes contra ataques à democracia ou a vida da população.

Esses mecanismos precisam ser amplamente estudados e discutidos, mas dois pontos, me parecem, são imprescindíveis. O primeiro é um projeto revolucionário na área da educação pública, para que esta seja universal e emancipadora – e assim permita que o nosso povo crie anticorpos intelectuais às manipulações da informação, o que por si só seria uma barreira considerável contra golpes e violências institucionais. A segunda é a radicalização da democracia no sentido de uma participação mais direta e frequente da população nas decisões de Estado, inclusive em relação ao poder Judiciário, para que não dependamos tanto da reação em slow motion dos poderes constituídos.

Uma coisa é certa, afinal, quanto ao futuro do Brasil: psicopatas como Bolsonaro e “juízes” como Moro não podem, nunca mais, ter a carta branca que estes dois tiveram (Bolsonaro ainda tem) para cometerem seus crimes contra uma população inteira.

Pedro Breier: Pedro Breier nasceu no Rio Grande do Sul e hoje vive em São Paulo. É formado em direito e escreve sobre política n'O Cafezinho desde 2016.
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