Uma bomba relógio social: a explosão da miséria no Brasil

Prefeitura de Salvador realiza 16 mil abordagens sociais durante pandemia. Por Romeu Escanhoela em 10 de junho de 2020. Fotos Públicas.

Dados da Fundação Getúlio Vargas, atualizados até março de 2021, e antecipados à Folha hoje, mostram que o Brasil vive uma crise social de proporções catastróficas. Provavelmente nenhum outro país experimentou uma tragédia da mesma magnitude.

Vamos aos números brutos: de agosto de 2020 a março deste ano, 32 milhões de famílias que pertenciam à chamada classe C, uma categoria que se encaixa no perfil às vezes chamado de classe média baixa, registraram queda dramática de renda, o que as levou a perda de moradia, à situação de perigosa insegurança alimentar, e a descer na pirâmide de renda para as classes D e E.

Milhões despencaram diretamente da classe C para a classe E, ou seja, para a mais absoluta miséria.

As classes D e E, por sua vez, viram suas fileiras crescerem exponencialmente, com ênfase na classe E, a mais pobre de todas, que ganhou 24,4 milhões de pessoas nos últimos oito meses. A classe D recebeu 9 milhões de pessoas.

As classes A e B, que sempre representaram uma minoria da sociedade, perderam 3,1 milhões de pessoas.

Esses números significam que a sociedade brasileira, que já era uma das mais desiguais do mundo (na verdade, o Brasil só não é mais desigual que pequenas monarquias árabes, que tem renda per capital alta), está passando por um processo de aprofundamento brutal dessa desigualdade.

E a estimativa para 2021 é de mais perdas.

Segundo a consultora Tendências, as famílias das classes D/E devem experimentar uma perda de 14,4% em sua massa de renda. A classe C deve registrar perda de 3%.

A renda das classes mais elevadas, por sua vez, registrarão estabilidade ou alta. A classe B deve registrar estabilidade, e a classe A verá sua renda aumentar em cerca de 3%.

Em 2019, o número de pessoas vivendo na probreza extrema representava cerca de 11% da população, ou aproximadamente 24 milhões de pessoas.

Segundo o FGV Social, com base em dados do IBGE, este grupo saltou para 16% da população em março de 2021, ou 35 milhões de pessoas.

A reportagem da Folha acrescenta ainda uma informação preocupante. Muitas dessas pessoas decaídas na miséria, são pessoas com razoável nível de instrução e oriundas de um ambiente familiar estável.

O fator principal que levou a esse quadro, naturalmente, foi a pandemia.  Mas o pesquisador Marcelo Neri, diretor do FGV Social, atribui grande parte da responsabilidade à negligência do governo federal, que interrompeu abruptamente, sem planejamento, a distribuição do Auxílio Emergencial.

“O governo acabou produzindo muita instabilidade, o que é péssimo, em particular, para os mais pobres”, disse Neri à Folha.  “A generosidade de 2020 mostrou que o governo não foi sábio, pois agora não tem dinheiro para socorrer os que mais precisam em um momento muito difícil.”

A nova rodada de Auxílio Emergencial terá um valor muito baixo (média de R$ 250), chegará a menos pessoas, e encontrará as famílias mais desorganizadas financeiramente, dificultando a sua própria eficácia.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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