Looping

Bolsonaro em alomoço com grupo de empresárias no último dia 30 (todos aglomerados e sem máscara). Foto: Alan Santos/PR

A vida em meio a uma pandemia parece um eterno looping. Para além dos dias às vezes muito parecidos, ao menos para quem tem a possibilidade e o bom senso de fazer quarentena, vemos um roteiro frustrante se repetindo:

1 – disparam as mortes;

2 – decretam-se restrições de circulação mambembes;

3 – as mortes mal começam a desacelerar e, contra a opinião dos pesquisadores que entendem do assunto, determina-se a reabertura de boa parte dos estabelecimentos;

4 – voltamos ao número 1.

É evidente que, sem um auxílio financeiro decente e amplo do governo federal para os trabalhadores e pequenos empresários, falar em restrição total de circulação por um tempo prolongado é muito complicado. E só este fato já demonstra quem é o grande responsável pelo descalabro que vivemos.

O negacionismo de Jair Bolsonaro pode ser verificado por meio de inumeráveis outras evidências. A agenda presidencial, por exemplo, é um escárnio. Uma página do Twitter acompanha a extenuante rotina de um presidente que enfrenta a maior crise sanitária do século: uma, duas ou até, uau, três horas e meia de trabalho por dia. A esmagadora maioria dos compromissos não é relacionada à pandemia.

Mas isto é esperado: Bolsonaro agindo, por ação e omissão, para garantir o alastramento do vírus e das mortes é outro elemento que roda em looping no filme de terror do qual participamos compulsoriamente há mais de ano.

Uma trama secundária que havia sumido agora parece querer voltar aos holofotes. A horda de bolsonaristas ensandecidos pedindo que Bolsonaro dê um autogolpe foi às ruas de verde e amarelo hoje, mais uma vez. Looping de filme de zumbi.

Mas há algumas diferenças importantes surgindo no cenário.

Bolsonaro não abraçou os apoiadores que babavam em Brasília, como fez tantas vezes nos últimos meses, mas passeou de helicóptero sobre eles e agradeceu no Twitter os pedidos de “intervenção militar” e de “expurgos” nos poderes legislativo e judiciário. Com a instação da CPI do Genocídio no Senado o presidente parece querer manter uma distância física um pouco maior dos seus apoiadores, talvez para tentar passar a impressão de que está numa fase mais responsável – o que é apenas patético.

A CPI, aliás, é outro elemento estranho ao looping habitual dos acontecimentos. Os senadores parecem estar com vontade de fazer uma investigação séria sobre o governo, o que só pode levar à responsabilização e punição do presidente e seus asseclas pelo assassinato em massa que o Brasil vive diariamente.

Um último fato novo é a explosão dos casos e mortes que está acontecendo na Índia, que pode ser o embrião de uma terceira onda mundial fulminante – especialistas acreditam que uma nova variante pode estar causando o estrago por lá. Como o presidente não mudou e nem vai mudar sua linha de atuação por aqui, é possível que uma nova disparada das mortes aconteça em meio aos trabalhos da CPI, e então a pressão social pelo impeachment precisará ser avassaladora, para que o Congresso sinta que tem o apoio necessário para dar andamento ao impeachment.

E esta é, vejam vocês, uma previsão otimista para as próximas semanas. Porque com a diminuição das restrições de circulação o aumento de mortes é fato consumado. Com a explosão na Índia uma terceira onda mundial é mais que provável. E aí entra o otimismo: com tudo isso acontecendo em meio à CPI, talvez Jair Bolsonaro finalmente seja derrubado e punido.

Em algum momento o looping precisa acabar.

Pedro Breier: Pedro Breier nasceu no Rio Grande do Sul e hoje vive em São Paulo. É formado em direito e escreve sobre política n'O Cafezinho desde 2016.
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