Fase aguda

Bolsonaro em mais um "passeio de moto" com apoiadores hoje, no Rio de Janeiro: sem máscara e com aglomeração. Foto: Pilar Olivares / Reuters

Apesar da diferença de posturas – Ernesto Araújo esteve amedrontado e gaguejante, enquanto Eduardo Pazuello exibiu uma certa arrogância fora de propósito – a estratégia dos, respectivamente, ex-ministros das relações exteriores e da saúde do governo Bolsonaro em seus depoimentos na CPI da Covid foi parecida: eximir o presidente da república de qualquer responsabilidade sobre as decisões que levaram o Brasil ao caos sanitário.

É, convenhamos, uma tarefa inglória.

As teorias da consiparação sobre a China, por exemplo, e a determinação de que Pazuello suspendesse a compra da Coronavac – “decisão minha”, disse Bolsonaro na ocasião – são públicas, registradas, eternizadas. Mas Araújo disse que os incidentes diplomáticos, inclusive os protagonizados pelo próprio ministro, não interferiram na relação com a China – apesar da paralisação na produção das vacinas por conta da interrupção do envio de insumos pelo país asiático.

Pazuello, por sua vez, disse que a ordem do presidente de suspender a compra da vacina chinesa foi apenas uma “declaração de internet” – decerto uma nova modalidade de ato administrativo de mentirinha cuja função é causar furor e radicalizar a base eleitoral do agente público que a profere. Sobre a questão mais grave de todas, que é a demora na compra das vacinas da Pfizer, o ex-ministro afirmou e reafirmou coisas como “negociamos o tempo todo” e “sempre respondemos a Pfizer”. A enrolação caiu por terra com a revelação de que o governo ignorou nada mais nada menos que dez e-mails da farmacêutica entre agosto e setembro de 2020.

Mesmo que os ex-ministros tivessem falado somente a verdade, nada mais que a verdade, haveria motivos contundentes para retirar Bolsonaro da cadeira presidencial. Ambos deram a entender que o presidente não lhes passava qualquer comando ou orientação estratégica para a luta contra a Covid-19. Pazuello afirmou que se reunia com Bolsonaro semanalmente ou quinzenalmente quando esteve à frente da saúde.

Não é um espanto que, no meio da maior crise de saúde da história brasileira, o presidente passe duas semanas sem se reunir com seu ministro da saúde, enquanto faz coisas importantíssimas como inaugurar estradas e participar de cerimônias festivas? Há ainda a falta de oxigênio em Manaus: Pazuello admitiu que Bolsonaro decidiu não intervir no estado quando as coisas colapsavam. Impeachment é, realmente, muito pouco.

As evidências cristalinas dos crimes de Bolsonaro, a indigência mental e emocional dos senadores bolsonaristas, a disposição dos senadores não governistas para a briga e as críticas pesadas que a grande mídia vem fazendo ao presidente indicam, na minha opinião, uma possibilidade bastante considerável de que a CPI deságue em um processo de impeachment. Além disso, a direita tradicional precisa que Bolsonaro seja afastado para ter alguma chance nas eleições de 2022, uma vez que Lula já carimbou seu passaporte para o segundo turno.

A chamada terceira onda – que deve ser um tsnumani, já que está partindo do patamar brutal de 2 mil mortes diárias – será mais gasolina na fogueira em que o governo Bolsonaro está sendo lentamento cozinhado. Os estrategistas do presidente, comandados por Carluxo, trabalham pra que o governo saia do processo apenas chamuscado; a outra opção é a incineração completa.

A tática principal é, como ficou claro nos últimos movimentos de Jair Bolsonaro, radicalizar. Na última sexta (21), por exemplo, o presidente se dirigiu ao Maranhão e aglomerou-se com uma pequena multidão. Sem máscara. Foi autuado pelo governo do estado e xingou o governador Flávio Dino.

A tendência é que esse tipo de enfrentamento público entre Bolsonaro e outros agentes políticos se repita com cada vez mais frequência – e agudez. A esquerda está chamando atos de rua pelo Fora Bolsonaro no dia 29/05. Os atos podem contribuir para a deterioração da popularidade do presidente, especialmente se forem utilizados como arma narrativa pelos grandes veículos de mídia. Ainda assim, diante do tsunami pandêmico que está se armando, não me parece a coisa mais sensata a se fazer agora.

A questão é matemática: quanto menos aglomerarmos e quanto antes Bolsonaro deixar seu cargo, menos pessoas vão morrer no Brasil. Que todos os cidadãos e agentes políticos de bom senso mantenham esses fatos em mente nas próximas semanas e meses.

Pedro Breier: Pedro Breier nasceu no Rio Grande do Sul e hoje vive em São Paulo. É formado em direito e escreve sobre política n'O Cafezinho desde 2016.
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