Lupi deu um tiro no pé ao defender a “impressão do voto”

O presidente Nacional do PDT, Carlos Lupi, divulgou um vídeo nesta quinta-feira, 27, onde faz a defesa da impressão do voto como forma de auditar o atual sistema eletrônico. “Sem a impressão do voto, não há possibilidade de recontagem. Sem a recontagem, a fraude impera”, afirmou.

No vídeo, Lupi também lembrou que essa pauta foi defendida pelo ex-governador Leonel Brizola, a principal liderança nacional do partido nos anos 80 e 90. “Nossa referência, nosso líder, Leonel de Moura Brizola, já defendia uma coisa simples de fazer: a impressão do voto”.

Opinião do blog: Carlos Lupi deu um tiro no pé. Dos grandes. E não foi no pé dele, mas no de Ciro Gomes, num dos momentos mais delicados das articulações para 2022.

Sim, o Congresso aprovou em 2015, com apoio de todos os partidos, um conjunto de reformas eleitorais que incluíam o voto impresso auditável.  Alguns pontos, como o voto impresso, porém, nunca foram devidamente regulamentados, e seguiram caminhos solitários. O assunto voltou a baila porque o voto impresso auditável é defendido pelo governo Bolsonaro, que tenta aprovar a PEC 135/19, cujo debate está em curso na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), presidida pela ultrabolsonarista Bia Kicis (PSL). 

Em tempos normais, poderíamos discutir o tema com mais tranquilidade, pois é preciso manter uma postura sempre vigilante no que se refere à segurança das nossas urnas, e já publiquei aqui um longo artigo sobre a necessidade de se fazer um debate sério, técnico e profundo sobre o tema.  

Entretanto, é um grave erro de comunicação transformar um dispositivo tecnológico datado numa “bandeira histórica” de um partido, pois isso dá a impressão de se ignorar a revolução digital profunda em que estamos mergulhados, com novas tecnologias se alternando, evoluindo, transformando-se, a uma velocidade vertiginosa, ano a ano! O que parecia importante em 2015 não é visto hoje da mesma maneira. Em 2015, não se falava, por exemplo, em blockchain, uma tecnologia digital cada vez mais popular, que impossibilita qualquer tipo de fraude. 

Poderíamos até parodiar aquele velho dito romano, e dizer que, a um partido não basta ser moderno, é preciso parecer moderno. E a maneira como Lupi apresentou sua defesa pela impressão do voto, falando em “bandeira histórica” da “nossa referência, nosso líder, Leonel de Moura Brizola” não soou nada… moderno.

A bandeira histórica de um partido democrático deve ser a busca pela segurança das urnas, e não necessariamente o “voto impresso”. O que Brizola dizia vinte e cinco anos atrás sobre uma questão que envolve uma tecnologia específica deveria naturalmente ser ajustado à linguagem de hoje! É preciso avaliar: ok, Brizola defendia tal coisa na década de 90, mas e hoje, o que mudou?

E há o fator político, que jamais poderia ser ignorado pelo presidente de um partido que postula uma candidatura presidencial: hoje essa é uma bandeira bolsonarista, e integra um “pacote” de argumentos do grupo no poder para desqualificar, desde já, os resultados das urnas em 2022. Bolsonaro fala que as eleições de 2018, que ele ganhou, foram fraudadas. Ele alega que deveria ter vencido no primeiro turno… Imagine o que dirá quando perder as eleições de 2022?

O bolsonarismo está associado ao negacionismo, às teorias de conspiração, às tentativas de desqualificar as instituições e a democracia. É prudente, para qualquer força de oposição, tomar muito cuidado para não ser visto – mesmo que injustamente, e a luta política raramente é justa – ao lado desse tipo de coisa. 

Se Bolsonaro ou seus aliados no congresso forçarem a opinião pública e a oposição a discutir esse tema, isso deveria ser feito por um ângulo rigorosamente técnico. Por exemplo, há viabilidade técnica para se promover qualquer mudança na tecnologia usada nas urnas já para as eleições de 2022? Quanto vai custar? Qual a abertura do TSE para isso? O ministro Luis Roberto Barroso, presidente do TSE, já sabemos que é contra. E os outros, também o são? 

Caso não haja viabilidade (política ou técnica), interesse ou necessidade de se fazer qualquer mudança no sistema, deveríamos discutir como ampliar a segurança e o prestígio das urnas tal como elas são agora, puramente eletrônicas. 

Que tipo de iniciativas concretas, do ponto-de-vista tecnológico, poderiam ser tomadas para neutralizar a proliferação de suspeitas e teorias de conspiração sobre fraude nas urnas?

A segurança das urnas deve ser uma bandeira histórica de qualquer partido, de esquerda ou direita. Mas o prestígio das urnas e a confiança no processo eleitoral, tal como ele é, com suas qualidades e vulnerabilidades, deve ser a preocupação primeira das agremiações comprometidas com a democracia! 

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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