O Datafolha e a teoria da gravidade

Ontem foi publicado o Datafolha, e vimos alguns analistas afirmando que “nada mudou”. Como assim? Se você contemplar uma panela sobre um fogo aceso num momento, e voltar a olhar para ela trinta minutos depois, pode parecer que ela continua a mesma. Mas tente tocá-la. Aí você verá a diferença. 

Na pesquisa divulgada ontem, o ex-presidente Lula pontuou 52% dos votos válidos, o que lhe garantiria uma vitória no primeiro turno. Bolsonaro tem 32%, Ciro 9% e Tebet 2% dos votos válidos.

A 65 dias do pleito, o petista abriu uma vantagem sobre Bolsonaro de 20 pontos. 

Em relação aos números de junho, não houve mudança, de fato. Mas se você tocar neles, notará como subiu a sua temperatura nas últimas semanas. 

Aplicando a teoria da gravidade à política, podemos dizer que quanto mais se aproxima o dia da eleição, maior o poder gravitacional dos candidatos mais competitivos.

Ter 52% a 100 dias da eleição é uma coisa. Ter 52% a 65 dias da eleição é bem diferente. Se esses números forem divulgados dias antes do prazo final estabelecido, pelo TSE, para que os partidos apresentem os nomes e as coligações das chapas majoritárias, então o seu peso gravitacional se torna extraordinário.

A mesma fórmula, embora invertida, se aplica aos candidatos com pouco voto.

Ter 9% dos votos válidos a 200 dias das eleições não é tão ruim, porque você sempre pode prometer a seus eleitores que ainda há muito tempo disponível para mudar o jogo. Ter 9% a 65 dias do pleito, e, pior, estar a mais de 40 pontos atrás do candidato que lidera, e mais de 20 pontos atrás daquele que está em segundo lugar, é uma situação muito complicada para um candidato majoritário. 

Quando esse candidato pertence a um partido muito pequeno, pouco conhecido pela maioria da população, com atuação radical e que olha as eleições menos como um horizonte real de tomada de poder, e mais como uma oportunidade de “marcar uma posição”, então esses 9% seriam de excelente tamanho. 

Entretanto, quando é uma campanha “pra valer”, que tenta disputar o imaginário daqueles que olham para o processo eleitoral como o momento político mais dramático e importante da nossa democracia representativa, então esses 9% a 65 dias do pleito tem um efeito profundamente desmobilizador. Há uma razão muito concreta para isso. As pessoas se sentem muito mais mobilizadas diante de causas que tem chances de serem bem sucedidas.

Esse é mais um fator a agregar peso gravitacional à candidatura Lula. Ele é favorito, sua campanha se desenvolve com muito profissionalismo e poucos erros, ganhando novos adeptos a cada dia. 

Além disso, a própria pesquisa é um fato político com enorme influência sobre o debate público, e o Datafolha é considerado o instituto de maior prestígio no país. Essa pesquisa em questão, com 2.556 entrevistas presenciais, foi patrocinada pelo grupo Folha e custou R$ 474 mil. Com isso, é a pesquisa mais cara do país, ficando atrás apenas da Quaest, em termos de custo. 

Repito: não é uma pesquisa “paga por banco”, expressão usada por um dos candidatos a presidência, quando tenta insinuar que o mercado financeiro manipula pesquisas eleitorais para lhe perseguir pessoalmente. 

Vamos aos números. 

A revelação mais impressionante da pesquisa é que Lula vence em todas as regiões do país. No primeiro e no segundo turnos. 

Na simulação de segundo turno entre Lula e Bolsonaro, o petista vence por 61% X 39%. É um massacre. 

Um dado muito  importante, para o petista, é que ele vence Bolsonaro no Sudeste, região que abriga 43% dos eleitorado brasileiro, com enorme vantagem, no primeiro e no segundo turnos.

No primeiro turno, Lula vence Bolsonaro no Sudeste por 49% X 32% dos votos válidos. No segundo turno, e ainda falando apenas do Sudeste, esse placar vai para 60% X 40% dos válidos.

 

Com a eleição tão polarizada, é importante examinar atentamente os dados estratificados da simulação de segundo turno. 

A força de Lula em alguns setores é muito impressionante. Por exemplo, num eventual segundo turno, Lula teria 73% dos votos válidos dos eleitores que se autoreferenciam de cor preta. Este eleitorado corresponde, segundo o Datafolha, a 17% dos entrevistados. 

No gráfico abaixo, nota-se a evolução do eleitorado negro ao longo dos últimos meses. Chama atenção o crescimento de Lula nesse segmento, abrindo uma vantagem crescente sobre Bolsonaro. O petista já tem 58% dos votos negros totais no primeiro turno, 38 pontos acima do segundo lugar e quase 50 pontos acima do terceiro lugar!

A polarização por gênero (homem x mulher), que parecia tão marcante nessa eleição, refluiu nessa pesquisa. Lula ganhou pontos entre homens e Bolsonaro cresceu entre mulheres.

De qualquer forma, Lula ganha de Bolsonaro tanto entre homens como entre mulheres. 

Na simulação de segundo turno, Lula venceria entre homens por 59% X 41% dos válidos (18 pontos de vantagem). Entre mulheres, o petista vence por 63% X 37% (26 pontos de vantagem).

 

O Datafolha reforça a percepção de que o eleitorado evangélico é o segmento social mais importante para Bolsonaro. Lula conseguiu, todavia, construir uma sólida base nesse segmento, pontuando 38% (em votos válidos) junto aos evangélicos, no primeiro turno, e 43% no segundo turno. 

Não seria justo, portanto, afirmar que os “evangélicos estão com Bolsonaro”. Eles estão divididos. 

 

 

A pesquisa Datafolha apurou a preferência partidária de todos os seus entrevistados. Para 25%, o partido preferido é o PT, sendo que, entre jovens até 24 anos, esse percentual sobe para 28%.

Em segundo lugar, vem o PL, novo partido de Bolsonaro, com 3% no total, e apenas 1% entre jovens. 

55% dos entrevistados afirmaram que não tem preferência partidária. 

Considerando apenas os entrevistados que dissseram ter alguma preferência partidária, o peso do PT é impressionante.

Fizemos um recorte entre os jovens até 24 anos. Nessa faixa etária, 32% responderam ter uma ou outra preferência partidária, com uma maioria absoluta de 87% apontando o Partido dos Trabalhadores. 

O PDT de Ciro Gomes aparece com 0% das preferências partidárias entre jovens, e apenas com 1% no geral. 

 

 

Lula ganhou um ponto na espontânea, e chegou a 38%. Bolsonaro também oscilou positivamente, e hoje tem 26%. Ciro Gomes tem 3% e Tebet, 1%. 

 

 

Por fim, é importante analisar a segmentação por renda. Segundo o Datafolha, 53% dos eleitores tem renda familiar até 2 salários. Neste extrato, Lula tem 60% dos válidos no primeiro turno, e 68% no segundo turno.

As mulheres brasileiras são mais pobres que os homens, o que explicaria porque Lula é mais forte entre mulheres. Não é tanto porque as mulheres gostam mais de Lula, mas porque os mais pobres gostam de Lula. A pobreza brasileira tem um cara mais feminina do que a média da população. 

Entre mulheres, 61% pertencem à categoria que recebe até 2 salários, percentual que declina para 45% entre homens. 

 

Conclusão

É uma pesquisa que ajudará muito as articulações finais de Lula, num momento decisivo do calendário eleitoral. Dirigentes partidários, candidatos, operadores e quadros políticos, sentir-se-ão, diante da iminente derrota de Bolsonaro, inclinados a se distanciar de um presidente rejeitado pela maioria da população.

Para a terceira via, a pesquisa é particularmente terrível. Não tanto para Simone Tebet, que é uma candidatura inventada às pressas, apenas para marcar posição, mas sobretudo para Ciro Gomes, cujo partido vem fazendo imensos sacrifícios para que ele possa decolar. Sacrifícios em termos de recursos financeiros, e sacrifícios de  alianças políticas. Promovendo uma campanha extremamente agressiva, até mesmo suja, contra o ex-presidente Lula e o PT, Ciro Gomes acabou criando enormes dificuldades para todos os candidatos pedetistas, cuja maioria partilha base social, ideário, história, com pessoas vinculadas ao PT e a Lula.  As campanhas pedetistas e a militância cirista ficam cada vez mais isolados do processo de luta política contra Bolsonaro.

O Datafolha mostra que 65% do eleitorado cirista ainda pensa em mudar de voto. Com essa pesquisa, é provável que boa parte desses eleitores migrem para Lula ao longo das próximas semanas. 

Para baixar o relatório completo da pesquisa, clique aqui.

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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