Na manhã da última sexta-feira, Lula desfez o mistério e deu a conhecer, ao Brasil e ao mundo, os nomes daqueles que comporão o núcleo estratégico e político de seu governo.
Os nomes de Haddad, Dino, Costa e Vieira, indicados para as pastas da Fazenda, Justiça, Casa Civil e Relações Exteriores, carregam uma mensagem clara: Lula quer montar um governo coeso, forte, centralizado em torno de objetivos e diretrizes a serem determinadas por um núcleo duro essencialmente político, composto exatamente por esses nomes que ele indicou em primeiro lugar.
É uma decisão audaciosa, assim como foi a campanha eleitoral de Lula, que não se curvou a nenhuma chantagem corporativa, econômica ou religiosa.
Lula não fez promessas baratas a militares, juízes, procuradores e polícias. Não fez “carta aos brasileiros”. Não beijou os pés de nenhuma liderança católica ou evangélica – quando participou de evento direcionado a este público, fez questão de enfatizar sua defesa do Estado laico e de sua ojeriza ao uso eleitoreiro de templos e igrejas.
O que significa Haddad na Fazenda, pra começar?
Em primeiro lugar, que Lula quer um ministro da Fazenda com vocação política, o que é a primeira grande novidade. O último ministro da Fazenda realmente político foi Antonio Palocci, que entendia muito de política, porém muito pouco de ética. Haddad é um político experiente, bem mais que Palocci, e infinitamente superior na esfera moral.
Um ministro da Fazenda com traquejo e peso político é um grande acerto de Lula.
Em virtude de ter disputado o segundo turno das eleições presidenciais de 2018 e, em seguida, a vaga de governador de São Paulo em 2022, Fernando Haddad é hoje o nome número 2 do Partido dos Trabalhadores.
Depois do presidente, o ex-prefeito de São Paulo será o nome mais forte do governo, e, caso tenha um bom desempenho à frente do ministério, cacifa-se desde já como sucessor natural de Lula em 2026.
Ou seja, Haddad será possivelmente o ministro de Estado mais forte desde a redemocratização, por três razões: por seu passado, como longevo e bem sucedido ministro da Educação, prefeito da maior cidade do país, São Paulo, presidenciável e candidato a governador; por seu presente como um ministro da Fazenda muito próximo do presidente da república; e por seu futuro, como um sucessor natural de Lula nas eleições de 2026.
Quanto ao significado propriamente econômico de sua indicação, também são positivos, porque a indicação de um ministro da Fazenda com tanto peso político, e tão independente do famigerado “mercado”, pode significar que Lula está disposto a enfrentar os vampiros do sistema finaceiro, e a apostar, finalmente, num projeto de desenvolvimento focado em indústria, tecnologia, educação e ciência.
Sobre a indicação de Flavio Dino para o ministério da Justiça, valem algumas observações semelhantes àquelas feitas sobre Haddad. Também é um nome com forte peso político, por sua experiência como governador do Maranhão, mas sobretudo por suas virtudes. Dino tornou-se uma das lideranças de esquerda mais respeitadas do país, ao mesmo tempo em que transita muito bem, pelo respeito moral que inspira, em círculos políticos bastante amplos. Dino é um quadro político completo, um intelectual orgânico, dotado de invejável capacidade oratória, gestor criativo, e com uma vocacão quase infinita para o diálogo democrático. Sua missão será uma das mais difíceis: extirpar, controlar, ou neutralizar, as ervas daninhas reacionárias e golpistas que ainda vicejam nas estruturas dos aparatos de segurança e do ministério público, além de estabelecer uma mediação inteligente, estratégica e republicana com o judiciário.
A qualidade maior de Flavio Dino é sua visão de estadista. Com ele à frente da Justiça, Lula estará mais seguro para evitar novo golpes jurídico-midiáticos. A presença de Dino é como uma vacina anti-lavajato aplicada no corpo de um governo que, se quiser ser bem sucedido, terá que levar adiante um projeto de desenvolvimento audacioso, com realização de grandes obras públicas, especialmente na infra-estrutura de energia e transporte.
Em outra ocasião, teremos oportunidade de analisar melhor as indicações de José Múcio Monteiro para a Defesa, e Mauro Vieira para o Itamaraty. Sobre Múcio, direi apenas que é um nome civil, conforme prometido por Lula, e sem ligações com a esquerda ou o PT, características possivelmente necessárias para alguém que será responsável pelo diálogo com uma corporação que, nos últimos anos, foi intoxicada ideologicamente, por oportunistas daqui e do exterior, por um anticomunismo delirante e obsoleto.
A indicação de Vieira, por sua vez, reflete a disposição de Lula de recuperar a autoestima do Itamaraty, uma das instituições mais violentadas durante o governo Bolsonaro. Lula quer alguém absolutamente profissional e técnico à frente do ministério das relações exteriores, até mesmo como contraponto ao papel determinante que ele mesmo, Lula, está disposto a exercer na grande diplomacia política. O petista sabe que esse é um de seus grandes talentos, e se ele apertar os botões certos, poderá materializar parcerias internacionais estratégicas entre o Brasil e o resto do mundo.