Tarcísio quer mudar sede do governo para o centro e provoca receio por ‘higienização’ da região

Foto: Governo de São Paulo

Na Alesp, oposição liga sinal de alerta com a proposta do bolsonarista. “Ele quer alavancar a especulação imobiliária?”

Publicado em 19/02/2023 – 11:46

Por Igor Carvalho – Brasil de Fato – São Paulo (SP)

Brasil de Fato — Na próxima terça-feira (21), o Museu das Favelas encerra a visita temática sobre o samba e sua relação com as favelas, a partir do protagonismo de mulheres negras, como Madrinha Eunice, Clementina de Jesus e Ivone Lara. O espaço, que nasceu fundamental para o registro da memória e da produção cultural das periferias brasileiras, pode estar com seus dias contados.

Inaugurado em 26 de novembro de 2021, o museu está instalado no Palácio dos Campos Elíseos, na Avenida Rio Branco, no bairro Campos Elíseos, região que abriga a maior parte da população de pessoas em situação de rua de São Paulo e onde está a área conhecida como Cracolândia. É neste prédio que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) pretende instalar a nova sede do governo paulista.

Inaugurado em 1899, o Palácio Campos Elíseos se chamava Palácio Elias Chaves e foi construído para ser a residência de um cafeicultor. Entre 1912 e 1965 já foi sede governo paulista. São 4 mil metros quadrados divididos em quatro andares.

Apesar de imponente, o palácio pertencente ao estado representa menos de 5% do tamanho do Palácio dos Bandeirantes, atual sede do governo de São Paulo, que tem 125 mil metros quadrados.

A transferência da sede do governo para a região central é uma promessa de campanha de Tarcísio de Freitas, que deve levar, de acordo com a estimativa do governo, 18 mil trabalhadores para a região dos Campos Elíseos. Pouco se sabe sobre o projeto, mas o governador tem dito em entrevistas que a ideia é “revitalizar o centro”.

                                             Palácio Campos Elíseos é a atual sede do Museu das Favelas / Foto: Museu das Favelas

Em seu plano de governo, publicado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Freitas afirma que pretende construir um Polo Administrativo em Campos Elíseos, “com objetivo de recuperar essa região degradada da cidade, além de reduzir as despesas com manutenção das estruturas do Estado, mediante a aquisição de terrenos e construção de edifícios próprios para abrigar unidades administrativas, através de parcerias com a iniciativa privada. Os prédios teriam amplo acesso e fruição, além de contar com alamedas de comércio e serviços”.

Inspirado na Esplanada dos Ministérios, o Polo Administrativo seria o caminho encontrado para que as 25 secretarias e toda a estrutura do governo, que está distribuída em 62 prédios, possam se aproximar do governador, que hoje mora no Palácio dos Bandeirantes e que passaria a ocupar o Palácio dos Campos Elíseos. Para tanto, o governo paulista teria que desocupar e comprar prédios na região dos Campos Elíseos, o que custaria investimentos de valor ainda não estimado pela equipe de Tarcísio de Freitas.

A ideia é condenada pela arquiteta e urbanista Erminia Maricato. “Se vamos recuperar o centro da cidade, temos que nos perguntar o que é prioritário. Não vamos conseguir isso sem resolver o problema da Cracolândia e das pessoas em situação de rua. Se você quiser resolver esses problemas trazendo a sede do governo, vai só empurrar essas pessoas para outros lugares”, afirma.

A antropóloga Amanda Amparo, doutoranda no departamento de Antropologia Social da USP, onde estuda a Cracolândia, também atacou a transferência da sede do governo paulista para a região, como solução para os problemas sociais do centro paulistano.

“O próprio governo não é claro sobre o que quer para o centro. Essa ideia de revitalizar o centro é muito complexa. Essa ideia vem junto, ou talvez mais orquestrada, com a perspectiva de gentrificação. O centro tem uma população de rua muito pobre e vulnerabilizada que será expulsa por esse processo que eles chamam de ‘revitalização'”, afirma a antropóloga.

“É muito complexa essa ideia de revitalizar porque isso implica em retirar as pessoas do lugar onde estão territorializadas. O território é um elemento bacilar na vida do sujeito, até porque há outros conflitos se estabelecendo por isso”, finaliza.

O deputado estadual Jorge do Carmo (PT) tem preocupação similar. “É preciso atenção especial acerca da real intenção, por parte do governo atual, em efetivar mudança de tamanha envergadura. Pretende-se realmente aproximar o governo do povo, ou a intenção que esconde-se por trás disso é alavancar a especulação imobiliária na região central? O propósito é agilizar, dinamizar e aproximar a gestão estadual da população ou fazer um ‘novo’ verniz social no centro?”, perguntou.

Repressão

A transferência da sede do governo é a segunda investida de Tarcísio de Freitas na região. Em evento concorrido no Palácio dos Bandeirantes, no dia 24 de janeiro deste ano, o governador apresentou o programa Reencontro, conjunto de ações em parceria com a prefeitura da capital paulista, comandada por Ricardo Nunes (MDB), para a região conhecida como Cracolândia, que fica no centro da capital paulista, entre os bairros da Luz e Campos Elíseos.

As medidas anunciadas pelo governador, ao lado de seu vice e coordenador do grupo de trabalho que apresentou o pacote de medidas, Felício Ramuth (PSD), incluem ações policiais, promessas de ampliação de serviços de saúde e assistência – já descumpridas anteriormente -, e ênfase na internação, forçada ou não, dos usuários de substâncias psicoativas que vivem na região. Na prática, um pacote de medidas requentadas de outras gestões e operações para o local.

Ao longo dos 30 anos de existência da Cracolândia, as operações policiais foram constantes no local e nunca cooperaram para a recuperação dos usuários de substâncias psicoativas.

Jorge do Carmo lembrou do Programa Reencontro, ao comentar a possível mudança da sede do governo estadual. “As experiências de parcerias entre o novo governador Tarcísio de Freitas e o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, tem revelado um propósito de ‘higienização’ social no centro da cidade. A truculência com que têm tratado a população em situação de rua e as investidas ferozes contra moradores de cortiços, por exemplo, apontam para um processo de ‘limpeza’, cujo objetivo deixa de ser dinamizar e aproximar a gestão estadual do cidadão, para, quem sabe, favorecer interesses voltados a uma minoria detentora do capital.”

Para Maricato, Freitas “quer dizer que é virtuoso o que está fazendo, porque está trazendo algumas milhares de pessoas para o centro. Ele poderia trazer centenas de milhares, isso é antigo, já dizíamos lá atrás, que é importante reocupar a região central. Há ocupações no centro de São Paulo que trabalham demais para mostrar que é viável reformar um edifício no centro, e é mais barato do que levantar mais conjunto habitacional na periferia. É uma medida marqueteira, não deveria ser o primeiro passo de recuperação do centro antigo da cidade”, finaliza a urbanista.

Palácio dos Bandeirantes

A primeira sede do governo de São Paulo foi o Pateo do Colegio, região onde a cidade São Paulo foi fundada, entre os anos de 1765 e 1912. O prédio onde estava a residência do governador foi demolido em 1954. O complexo, no entanto, se mantém em pé e hoje é administrado pela Companhia de Jesus, ordem religiosa dos jesuítas.

Em 1911, o estado comprou o Palácio Campos Elíseos e o prédio passou a abrigar o governo paulista. Somente em 1965 o governador e toda a estrutura burocrática do comando do estado mais rico da União foram transferidos para o Palácio dos Bandeirantes, no Morumbi, zona sul da capital.

O enorme prédio passou a ser construído em 1955, com objetivo de abrigar a seda da Universidade Fundação Conde Francisco Matarazzo. Porém, em 1959 suas obras foram interrompidas e o estado de São Paulo comprou o imóvel. No local, terminou a obra do Palácio dos Bandeirantes, em 1964.

O nome é uma homenagem aos bandeirantes, grupo de exploradores, financiados por senhores de engenho ou donos de minas, que barbarizou, torturou, escravizou e assassinou povos indígenas no estado de São Paulo.

No Palácio dos Bandeirantes, há obras de artistas como Portinari, Antonio Henrique, Djanira Motta e Silva, Aldemir Martins, entre outros. Diversas obras podem ser vistas em exposições no local, que conta ainda com o Salão dos Pratos e a Galeria Governadores.

Outro lado

Questionado sobre a mudança, o governo de São Paulo optou por não se manifestar.

Edição: Nicolau Soares

Cláudia Beatriz:
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