Khamenei ergue muralha contra a rendição ao Ocidente

O aiatolá mira tanto os EUA quanto políticos iranianos que defendem negociações diretas / REUTERS

Khamenei rejeita diálogo direto com EUA e acusa Washington de querer a rendição do Irã


O líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, voltou ao centro das atenções neste domingo (24) ao descartar a possibilidade de negociações diretas com os Estados Unidos. Em tom desafiador, o clérigo mais poderoso do país acusou Washington de buscar não um acordo, mas a capitulação da República Islâmica.

Foi a primeira vez que Khamenei apareceu em público de forma plena desde a guerra de 12 dias contra Israel, ocorrida em junho. Até então, o líder vinha se limitando a discursos breves em vídeo e participações protocolares, o que alimentou especulações sobre sua saúde e também sobre sua segurança, já que autoridades israelenses haviam ameaçado assassiná-lo.

Leia também:
Muro da fronteira dos EUA será pintado com tinta preta para ser hostil
Casa Branca pressiona e questiona independência da inteligência
Wall Street despenca com ações de IA pressionando o mercado

Em meio à expectativa, milhares de iranianos acompanharam o discurso. O aiatolá aproveitou o momento para criticar tanto o governo americano quanto setores da política interna que defendem uma reaproximação com Washington. “Essa pessoa que atualmente está no comando dos EUA revelou a essência de sua hostilidade em relação ao Irã — essencialmente, que eles querem que a nação iraniana e a república islâmica se rendam”, afirmou, sem mencionar diretamente o nome do presidente norte-americano, Donald Trump.

Além de condenar o que considera pressão externa, Khamenei dirigiu ataques a figuras políticas locais que pedem um diálogo direto com os EUA. Ele classificou tais posições como “superficiais” e garantiu que “a nação iraniana se posicionará firmemente contra tais demandas [dos EUA]”.

As palavras do líder surgem em um momento de intenso debate dentro do país. Reformistas vêm pressionando o governo a reabrir os canais diplomáticos, cogitando até a suspensão do programa de enriquecimento de urânio em troca de um alívio nas tensões com o Ocidente. Para esses setores, a retomada das negociações poderia significar um passo importante rumo a mudanças políticas e econômicas. Entre os defensores desse caminho está Mostafa Tajzadeh, conhecido opositor e atualmente preso, que defende que um acordo poderia abrir espaço para reformas estruturais.

No entanto, o campo conservador reage de forma dura. Parlamentares de linha-dura e líderes religiosos utilizaram tribunas, incluindo os tradicionais sermões de sexta-feira, para criticar qualquer tentativa de aproximação. Alguns chegaram a sugerir a destituição do presidente Masoud Pezeshkian, eleito no ano passado com apoio das alas reformistas.

Apesar da pressão, Khamenei demonstrou respaldo ao presidente, alertando que disputas internas poderiam enfraquecer ainda mais o país diante das ameaças externas. O posicionamento reforça o delicado equilíbrio político em Teerã: de um lado, as vozes que pedem mudanças e, de outro, a resistência ferrenha dos setores mais conservadores que veem qualquer concessão como sinal de fragilidade.

Enquanto isso, diplomatas continuam tentando encontrar caminhos de diálogo. No mês passado, o ministro das Relações Exteriores iraniano revelou que manteve contatos com Steve Witkoff, enviado especial dos EUA, que teria proposto a retomada das conversas. A abertura, porém, parece distante diante da atual postura do líder supremo, que segue firme em sua rejeição ao que considera pressões inaceitáveis.

A fala de Khamenei reacende a tensão sobre o futuro das relações entre Teerã e Washington e mostra que, apesar das pressões internas e externas, o aiatolá não está disposto a ceder terreno.

“O povo deve apoiar aqueles que servem à nação, especialmente o presidente, que é trabalhador e persistente”, disse ele, em uma clara repreensão aos linha-dura que pedem a destituição de Pezeshkian.

A fala ocorreu em um momento em que a sociedade iraniana ainda vive sob forte ansiedade após a guerra de junho contra Israel. O conflito, que se estendeu por quase duas semanas, deixou um saldo devastador: mais de mil civis mortos e a perda de dezenas de comandantes militares e cientistas nucleares de alto escalão. Além disso, os Estados Unidos se juntaram a Israel nos bombardeios a instalações nucleares iranianas, marcando um ponto de máxima tensão na região.

Embora as hostilidades tenham cessado, não houve assinatura de um cessar-fogo formal. Isso mantém a população em constante alerta para a possibilidade de uma retomada da guerra. Os receios se intensificam diante de relatos recorrentes de incêndios em diversas cidades do país, interpretados por parte da opinião pública como sinais de uma ofensiva clandestina ainda em andamento. O governo, no entanto, nega qualquer ligação desses incidentes com operações militares.

Mesmo diante da pressão internacional e do desgaste interno, Teerã não dá sinais de recuar em seu programa nuclear. Na última sexta-feira (22), o grupo conhecido como E3 — formado por Grã-Bretanha, França e Alemanha — realizou uma chamada telefônica com o ministro das Relações Exteriores iraniano para discutir a possibilidade de acionar o mecanismo de “retorno instantâneo” de sanções antes do prazo de 18 de outubro.

Esse dispositivo faz parte do acordo nuclear de 2015 e permite reimpor automaticamente as sanções da ONU caso seja constatado que o Irã está descumprindo os limites estabelecidos para suas atividades atômicas. O calendário é apertado: embora o mecanismo só possa ser usado até 18 de outubro, o processo precisa ser iniciado com antecedência, deixando às potências europeias poucas semanas para tomar uma decisão.

O impasse remete ao colapso do próprio acordo, iniciado em 2018, quando os Estados Unidos se retiraram unilateralmente sob o governo Trump. Desde então, Teerã afirma que o pacto já não tem validade, alegando que o E3 não cumpriu sua parte em aliviar sanções em troca da limitação do programa nuclear iraniano.

Agora, diante da ameaça de novas punições, o governo iraniano mantém uma posição inflexível. Autoridades rejeitam a possibilidade de cooperação com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), suspensa desde os ataques de junho, e não demonstram abertura para retomar negociações diretas com Washington.

O recém-nomeado secretário do Conselho Supremo de Segurança Nacional, Ali Larijani, reforçou essa postura em entrevista à imprensa estatal. “Se concordarmos hoje, em seis meses seremos solicitados a fazer o mesmo novamente. Isso não é sustentável”, afirmou, em referência à hipótese de aceitar uma prorrogação do prazo dado pelo E3 para evitar o retorno das sanções.

As declarações deixam claro que Teerã pretende manter sua estratégia de resistência, mesmo em meio ao risco de aprofundar o isolamento internacional. O dilema agora recai sobre os europeus, que precisam decidir se pressionam de forma mais dura ou se buscam uma saída diplomática capaz de evitar que o Oriente Médio mergulhe em um novo ciclo de confrontos.

Com informações de Financial Times*

Redação:
Related Post

Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.