A medida que eleva em US$ 100 mil o custo de cada visto H-1B espalhou medo entre empresas e pode redefinir o futuro da tecnologia nos Estados Unidos
Os últimos dias foram de tensão no Vale do Silício e em boa parte do setor de tecnologia dos Estados Unidos. Executivos e analistas ainda tentam dimensionar os efeitos da mais recente medida do presidente Donald Trump sobre o programa de vistos H-1B — mecanismo que, há décadas, sustenta parte fundamental da força de trabalho altamente qualificada da indústria americana.
Na sexta-feira, Trump anunciou que empregadores que desejarem contratar profissionais estrangeiros por meio do H-1B terão de desembolsar uma nova taxa de US$ 100.000 por visto. A medida caiu como uma bomba no ecossistema de startups e companhias de tecnologia, provocando medo de que a inovação americana perca competitividade para outros países mais abertos à atração de talentos.
“Precisamos que a American Little Tech vença — não pedágios de US$ 100 mil”, desabafou Garry Tan, CEO da Y Combinator, uma das aceleradoras mais influentes do mundo, em postagem nas redes sociais.
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O risco de um “desastre”
Especialistas afirmam que, embora algumas grandes empresas possam absorver os custos, startups e companhias emergentes correm o risco de serem as mais afetadas, incapazes de competir por talentos internacionais diante das barreiras financeiras.
“Resumindo, seria um desastre para a América, para as empresas americanas, para a competitividade americana, para a inovação americana”, afirmou Exequiel Hernandez, professor da Wharton School, da Universidade da Pensilvânia, em entrevista à CNBC.
A preocupação não é à toa. O programa H-1B tem um limite anual de 65 mil vistos, além de outros 20 mil para profissionais estrangeiros com diplomas avançados. Gigantes como Amazon, Microsoft, Meta, Apple e Google estão entre as que mais dependem do visto, e nomes de peso como Satya Nadella (Microsoft), Sundar Pichai (Google) e Elon Musk (Tesla) chegaram aos Estados Unidos inicialmente com um H-1B.
Reações divididas
Se de um lado startups e especialistas soam o alarme, do outro há vozes do setor de tecnologia que enxergam benefícios na mudança. Reed Hastings, cofundador da Netflix, chamou a taxa de US$ 100 mil de uma “ótima solução”, defendendo que ela tornaria o processo mais previsível e voltado apenas a empregos de “altíssimo valor”.
Na mesma linha, Sam Altman, CEO da OpenAI, declarou em entrevista à CNBC que simplificar o processo e atrelar incentivos financeiros poderia tornar o sistema mais eficiente. “Precisamos reunir as pessoas mais inteligentes do país, e simplificar esse processo e também definir incentivos financeiros parece bom para mim”, afirmou.
Esclarecimentos e novas propostas
A corrida por respostas foi imediata, já que a medida deveria entrar em vigor à 0h01 de domingo (horário do leste dos EUA). Porém, no sábado, a Casa Branca tentou amenizar os temores, esclarecendo que a taxa não será cobrada anualmente e se aplicará somente a novos vistos, não às renovações de trabalhadores que já estão no país sob o programa.
Ainda assim, novas mudanças estão a caminho. O governo apresentou uma proposta que altera o processo de seleção dos candidatos ao H-1B. Hoje, quando o número de pedidos ultrapassa o limite, a escolha é feita por meio de uma loteria aleatória. A regra sugerida prevê um sistema ponderado pelos níveis salariais, favorecendo quem recebe salários mais altos.
A proposta será publicada no Federal Register e passará por um período de consulta pública antes de qualquer decisão final.
A ofensiva de Trump sobre o H-1B expõe uma tensão que há anos acompanha o setor de tecnologia americano: como equilibrar a necessidade de atrair cérebros globais com a pressão política por medidas de restrição migratória.
Se, por um lado, grandes corporações podem adaptar-se e até apoiar algumas mudanças, startups e empresas menores temem perder sua principal vantagem competitiva: acesso rápido a talentos altamente especializados, muitas vezes indisponíveis no mercado interno.
Enquanto isso, outros países observam atentos — e prontos para receber os profissionais que os EUA podem estar afastando. O risco, dizem os especialistas, é que o “cérebro do futuro” escolha inovar em outro lugar.

“Isso prejudica as startups”
Até agora, solicitar um visto H-1B custava às empresas algo entre US$ 2.000 e US$ 5.000, dependendo do porte do empregador, segundo o Immigration Law Group. Para startups com caixa limitado, o salto para US$ 100.000 representa um obstáculo quase intransponível.
“Você não encontrará muitas startups dispostas a pagar US$ 100.000 por H-1B, além do salário desse H-1B”, afirmou Adam Kovacevich, CEO da Chamber of Progress, associação comercial de tecnologia de viés progressista.
Mesmo as gigantes do setor não saem ilesas. Embora consigam absorver parte dos custos, podem ter que rever suas estratégias. “Uma grande empresa como a Microsoft ou o Google, mesmo que não seja o ideal para elas, tem soluções alternativas”, analisou Exequiel Hernandez, da Wharton. “Elas podem terceirizar empregos ou são elas que podem fazer aquisições.”
No entanto, para empresas em estágio inicial, a medida é devastadora. Garry Tan, CEO da Y Combinator, foi direto em um post no LinkedIn: “ela prejudica as startups” e representa um “presente enorme” para polos tecnológicos fora dos Estados Unidos. Ele acrescentou: “No meio de uma corrida armamentista de IA, estamos dizendo às construtoras para construírem em outros lugares. Precisamos que a Pequena Tecnologia Americana vença — não pedágios de US$ 100 mil.”
Concorrência internacional ganha espaço
A mudança ocorre em um momento crítico: a corrida global pela inteligência artificial. Tanto gigantes quanto startups americanas disputam os mesmos profissionais altamente especializados que também estão na mira de Europa, Ásia e Canadá.
“O que isso faz é dar aos nossos concorrentes, outros países, lugares como Ásia, Canadá, Europa, a oportunidade de atrair esses funcionários para criar novas inovações”, explicou Steven Hubbard, cientista de dados do Conselho Americano de Imigração.
A China surge como o adversário mais agressivo. Há anos, o país busca rivalizar com os EUA em tecnologia, e recentemente ampliou a disputa na frente da IA. No início deste ano, a empresa chinesa DeepSeek mexeu com os mercados ao anunciar um chatbot avançado, construído por uma fração do custo dos modelos ocidentais. O feito levantou dúvidas sobre os bilhões que as companhias americanas vêm investindo para manter sua liderança no setor.
Especialistas alertam que restringir o acesso a talentos estrangeiros pode entregar a vitória à China — e também desestimular estudantes internacionais a se formarem nos EUA, já que as perspectivas de carreira pós-graduação ficariam nebulosas.
“Esses estudantes vão olhar para esse ambiente e ficar em casa”, disse Greg Morrisett, vice-reitor da Cornell Tech. “Isso está dando uma vantagem tanto para a China quanto para a Índia em termos de alimentar seus ecossistemas de startups.”
“Limitar talentos é ilógico”
Para muitos, a medida compromete a maior vantagem histórica dos Estados Unidos: sua capacidade de atrair cérebros do mundo inteiro. Bradley Tusk, CEO da Tusk Venture Partners, foi categórico: “terríveis”. É assim que ele define as mudanças.
“A vantagem competitiva dos Estados Unidos sempre foi a capacidade de atrair os melhores talentos do mundo todo”, reforçou Tusk. “Limitar nossa capacidade de recrutar e competir é ilógico.”
Entre startups que lutam por sobrevivência e países rivais prontos para aproveitar qualquer brecha, o futuro da inovação americana parece estar diante de um divisor de águas. O que está em jogo não é apenas o custo de um visto, mas o lugar dos Estados Unidos na próxima era tecnológica.


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