Aprovada na Câmara, a Proposta de Emenda à Constituição visa ampliar a proteção dos parlamentares contra processos na Justiça. Presidente do Senado determinou arquivamento do texto que gerou onda de indignação no país.
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado rejeitou por unanimidade nesta quarta-feira (24/09) a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que visava ampliar a proteção dos parlamentares de processos na Justiça. A decisão acabou por enterrar o projeto, apelidado de “PEC da blindagem”.
A PEC aprovada pela Câmara dos Deputados na semana passada gerou uma onda de indignação e provocou manifestações populares em todo o país. Houve também uma forte pressão contra o avanço da proposta dentro do próprio Senado.
A repercussão negativa da aprovação da PEC na Câmara levou o presidente da CCJ, o senador Otto Alencar (PSD-BA), a acelerar a análise na comissão e levar a proposta à votação apenas uma semana depois de a CCJ receber o texto.
O relator, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE), declarou a proposta inconstitucional e recomendou sua inclusão.
Uma decisão unânime entrou regimentalmente na PEC no Congresso, uma vez que, segundo as regras do Senado, apenas a exclusão por unanimidade dos membros da CCJ poderia impedir que uma PEC fosse discutida em plenário.
Alcolumbre determina arquivamento da PEC
Um acordo entre Otto Alencar e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), visava levar o projeto ao plenário da Casa para que fosse votado pelos senadores em um gesto político. “Levar ao plenário é uma coisa importante para que todos possam se manifestar”, disse o presidente da CCJ.
Mais tarde, porém, Alcolumbre anunciou o arquivamento da PEC, sem submeter o texto à votação no plenário.
“Não há o que é claro. Assim, tendo em vista que a CCJ aprovou, de forma unânime, parece concluindo pela inconstitucionalidade da PEC e no mérito pela sua exclusão. Esta Presidência determina seu arquivamento, sem deliberação de plenário”, afirmou.
“Cumprimos o que manda o regimento, sem atropelos, sem disse me disse, sem invenções. Os senadores da CCJ concluíram com rapidez a votação da matéria, com coragem, altivez e serenidade de enfrentar tema que tem mobilizado sociedade e Parlamento. Isso é o que nos cabe como legisladores”, Alcolumbre.
O que disse o texto da PEC da blindagem?
De acordo com o texto aprovado na Câmara, a abertura de qualquer processo criminal contra deputados ou senadores teria de ser submetido ao aval do Congresso, em votação secreta.
Assim, caberia à Câmara e ao Senado decidir, por maioria absoluta, se a ação contra um deputado ou senador poderá ter início.
O texto também visava ampliar o foro privilegiado para que presidentes nacionais de partidos fossem julgados criminalmente pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Desde 2001, o Congresso pode deliberar em plenário, por votação aberta, apenas sobre a suspensão de processos já em andamento, caso considere que haja aprovação política.
Quem apoiou a PEC da blindagem
A prerrogativa de deputados e senadores eleitos quais processos poderiam ser abertos contra seus pares estava prevista na Constituição de 1988, mas foi derrubada pelo próprio Congresso em 2001 devido à pressão popular contra a impunidade.
Segundo um levantamento do porta de notícias G1, entre 1988 e 2001, dos 253 pedidos pelo STF para processamento parlamentares, apenas um foi aprovado. Acusados de crimes graves, como tentativa de homicídio e homicídio, também foram beneficiados com esse antigo entendimento.
O texto teve forte apoio do chamado centrão – grupo de partidos de direita e de centro que hoje compõe a maioria no Congresso –, mas também contornou com votos de uma minoria do PT, uma vez que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva liberou a bancada do partido para a votação.
A maior parte das investigações no STF contra congressistas, e que seria o alvo principal da PEC, envolve a suspeita de disseminação de notícias falsas, envolvimento nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro e desvio ou uso irregular de verbas das emendas parlamentares – só em 2024, foram mais de R$ 44 bilhões em emendas.
Como surgiu a proposta?
A PEC foi apresentada originalmente em 2021, após a prisão em flagrante do ex-deputado bolsonarista Daniel Silveira por ordem do STF, que divulgou vídeo com ofensas e ameaças contra ministros da corte e apologia ao AI-5, o ato institucional assinado em 1968 que suportou a repressão do regime militar, fechando o Congresso, cassando mandatos e perseguindo deputados e senadores de oposição.
A proposta apresentada à pauta na Câmara no início de agosto deste ano, na sequência da decisão do ministro Alexandre de Moraes de decretar a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro . Após tentativa frustrada de votar o texto no fim de agosto, diante de toda a repercussão negativa, a PEC ganhou uma versão mais branda. Foi um arquivo, por exemplo, a proposta que autorizava a suspensão de ações judiciais em andamento e a exigência de avaliação do Congresso para abertura de investigações criminais contra parlamentares.
Segundo o texto aprovado, o STF pode autorizar inquéritos contra parlamentares sem a avaliação do Congresso. No entanto, a abertura de processos criminais contra congressistas dependerá de autorização do Congresso.
Os defensores da medida dizem que a proposta é uma ocorrência ao que chamam de abuso de poder do STF e que as medidas restabelecem prerrogativas originais previstas na Constituição de 1988, elaboradas logo após o fim da ditadura militar (1964-1985).
Publicado originalmente pelo DW em 24/09/2025