O presidente turco rejeita acusações exclusivas contra o Hamas e denuncia ataques indiscriminados contra mulheres, crianças e idosos no enclave palestino
Em uma entrevista avassaladora que rompeu o silêncio complacente da diplomacia ocidental, o presidente turco Recep Tayyip Erdoğan acusou Israel de cometer um “genocídio completo” em Gaza, nomeou o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu como o principal arquiteto do massacre e defendeu o Hamas não como um grupo terrorista, mas como um movimento de resistência. Suas palavras, ditas à margem da Assembleia Geral da ONU, foram um manifesto de desafio a uma ordem mundial que, segundo ele, opera sob a lei da hipocrisia e dos duplos padrões.
“Não creio que possamos explicar de outra forma. Isto é um completo genocídio. E este genocídio é causado por Netanyahu”, declarou Erdoğan sem rodeios à Fox News, recusando-se a aceitar a narrativa ocidental que culpa exclusivamente a resistência palestina pela violência. “Seria errado acusar apenas o Hamas por isso. Ao mesmo tempo, como podemos deixar de lado o que Netanyahu fez?”, questionou, apontando para a desproporcionalidade brutal da resposta israelense.
Com a frieza dos fatos, ele pintou o quadro do horror: mais de 64.000 palestinos mortos, 120.000 feridos e um enclave devastado pela fome. “Israel está usando esse poder sem piedade, com crianças, mulheres e idosos de sete a 70 anos. Eles não têm piedade”, afirmou, lembrando que a Turquia abriu suas portas para tratar muitos dos feridos. Sua acusação ecoa as dos mais altos tribunais do mundo: o Tribunal Penal Internacional, que emitiu mandados de prisão contra Netanyahu, e o Tribunal Internacional de Justiça, onde Israel enfrenta um processo por genocídio.
Quando questionado diretamente sobre o Hamas, Erdoğan desafiou frontalmente a designação imposta pelos EUA e pela Europa. “Não vejo o Hamas como uma organização terrorista. Pelo contrário, vejo-o como um grupo de resistência… Eles estão usando o que têm para tentar se defender”, disse ele, uma declaração que redefine o conflito como uma luta anticolonial, e não uma “guerra ao terror”.
A contundência de Erdoğan não se limitou ao Oriente Médio. Ele expôs o que considera a hipocrisia das relações da Turquia com seus próprios aliados ocidentais. Com uma reunião marcada com o presidente Donald Trump, ele trouxe à tona o impasse dos caças F-35. “Somos parceiros no projeto F-35”, lembrou, detalhando que a Turquia pagou US$ 1,4 bilhão, apenas para ter a entrega das aeronaves bloqueada por Washington devido à compra de sistemas de defesa russos. “Não acho que seja muito apropriado para uma parceria estratégica”, alfinetou.
A Europa também não escapou de suas críticas. Erdoğan lamentou a injustiça de a Turquia ser um membro da OTAN há mais de 50 anos e, ainda assim, ser perpetuamente deixada de fora da União Europeia, um tratamento que expõe o caráter exclusivo e discriminatório do “clube europeu”.
Até mesmo na guerra da Ucrânia, ele se posicionou de forma independente, contrastando a abordagem equilibrada de Ancara, que dialoga com ambos os lados, com a postura beligerante da OTAN. Ele sugeriu que a aliança ocidental poderia aprender com o modelo turco para reduzir as tensões, em vez de alimentá-las.
A entrevista de Erdoğan foi mais do que uma série de respostas. Foi a articulação de uma visão de mundo multipolar, na qual a Turquia se recusa a ser um peão. Foi a voz de um líder do Sul Global denunciando o genocídio em Gaza, expondo a hipocrisia de seus aliados e traçando um caminho independente na arena mundial, um caminho que o Ocidente, querendo ou não, terá que começar a levar a sério.


Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!