Menu

Soberania digital e o novo manifesto de Pequim

Ao investir bilhões em inteligência artificial e chips próprios, a China transforma tecnologia em soberania e desafia o domínio digital das potências ocidentais Em um mundo cada vez mais marcado por disputas geopolíticas, sanções unilaterais e tentativas de contenção tecnológica, a trajetória da China emerge como um exemplo contundente de como um país pode buscar, […]

sem comentários
Apoie o Cafezinho
Siga-nos no Siga-nos no Google News
O aumento ocorreu depois que o CEO Eddie Wu disse que a empresa planejava aumentar os gastos em seus negócios de inteligência artificial.
As ações da Alibaba listadas em Hong Kong subiram mais de 6% na quarta-feira, enquanto nos EUA, as ações subiram 9,2% no pré-mercado / Reprodução

Ao investir bilhões em inteligência artificial e chips próprios, a China transforma tecnologia em soberania e desafia o domínio digital das potências ocidentais


Em um mundo cada vez mais marcado por disputas geopolíticas, sanções unilaterais e tentativas de contenção tecnológica, a trajetória da China emerge como um exemplo contundente de como um país pode buscar, com determinação e planejamento estratégico, sua soberania tecnológica — não apenas como questão de segurança nacional, mas como pilar de um desenvolvimento autônomo e inclusivo. O recente anúncio da Alibaba, uma das gigantes do setor tecnológico chinês, de intensificar seus investimentos em inteligência artificial (IA), com um plano de gastos de 380 bilhões de yuans (cerca de US$ 53 bilhões) ao longo de três anos, não é apenas um sinal de vigor corporativo. É, sobretudo, uma demonstração concreta de como a China está construindo sua própria arquitetura de inovação, longe da lógica de dependência que historicamente subordinou países do Sul Global às cadeias de valor dominadas pelo Ocidente.

A ascensão meteórica das ações da Alibaba — com ganhos superiores a 6% em Hong Kong e quase 10% no pré-mercado dos EUA — após o CEO Eddie Wu revelar os planos de expansão em IA, reflete a confiança dos mercados na capacidade chinesa de se posicionar na vanguarda de uma das revoluções tecnológicas mais decisivas do século XXI. Mas mais do que um indicador financeiro, esse movimento simboliza algo mais profundo: a consolidação de um ecossistema tecnológico nacional que busca não apenas competir, mas definir seus próprios parâmetros de inovação. Ao lançar o Qwen3-Max, sua mais recente geração de modelos de linguagem grande, e ao expandir sua infraestrutura de data centers para regiões como América Latina, Europa e Oriente Médio, o Alibaba Cloud não está apenas exportando tecnologia — está oferecendo uma alternativa multipolar ao monopólio ocidental sobre a infraestrutura digital global.

Leia também:
Criminosos invadem hospital do Rio em busca de testemunha
Aliança Brasil-China mira soberania econômica e fim do dólar
Relatoria da anistia golpista cai nas mãos de Paulinho da Força

Essa estratégia não surge do vácuo. Ela é fruto de uma visão de Estado que entende a tecnologia como bem público estratégico, e não apenas como mercadoria submetida às flutuações do mercado. Diante das crescentes restrições impostas pelos Estados Unidos ao acesso chinês a semicondutores avançados e tecnologias críticas, Pequim e suas empresas não optaram pela submissão ou pela estagnação. Pelo contrário, intensificaram esforços rumo à autossuficiência. O acordo recente entre Alibaba e a Unicom para implementar aceleradores de IA desenvolvidos internamente pela unidade de semicondutores da gigante chinesa é um exemplo claro dessa virada: em vez de depender de fornecedores estrangeiros, a China está construindo sua própria cadeia de valor em IA, desde o chip até a nuvem.

Do ponto de vista de uma perspectiva progressista e internacionalista, essa busca por soberania tecnológica não deve ser vista com desconfiança, como frequentemente ocorre em certos discursos hegemônicos que equiparam autonomia com autoritarismo. Pelo contrário, ela representa uma possibilidade concreta de romper com a lógica neocolonial que concentra o poder digital nas mãos de poucas corporações norte-americanas. A expansão dos data centers do Alibaba para o Brasil, por exemplo, pode significar não apenas maior acesso à infraestrutura de IA para países em desenvolvimento, mas também a oportunidade de moldar essa tecnologia com base em necessidades locais, e não sob a égide de interesses geopolíticos ou comerciais alheios.

Além disso, o investimento massivo em IA pela China — que, segundo projeções citadas por Wu, deverá ultrapassar US$ 4 trilhões globalmente nos próximos cinco anos — tem o potencial de impulsionar avanços em áreas essenciais como saúde, educação, agricultura e energia limpa. Se orientado por políticas públicas que priorizem o bem-estar coletivo e a redução das desigualdades, o desenvolvimento da “superinteligência artificial” pode ser um instrumento de emancipação social, e não apenas de acumulação privada. A China, com seu modelo de capitalismo de Estado e sua forte capacidade de planejamento centralizado, está em posição única para testar essa possibilidade — e o mundo deveria observar com atenção, sem preconceitos ideológicos.

É claro que nenhum modelo é perfeito, e críticas legítimas sobre direitos humanos, liberdade de expressão e transparência devem ser mantidas. No entanto, é fundamental distinguir entre crítica construtiva e narrativas que buscam deslegitimar qualquer alternativa ao modelo liberal ocidental. A soberania tecnológica da China não é uma ameaça à democracia global; é, antes de tudo, uma afirmação de que os povos têm o direito de escolher seus próprios caminhos de desenvolvimento, inclusive no campo da inovação.

Enquanto o Ocidente insiste em enxergar a tecnologia como um campo de batalha zero-soma — onde o avanço de um é a derrota do outro —, a China demonstra que é possível construir capacidades próprias sem necessariamente adotar uma postura expansionista ou hostil. Ao contrário, ao abrir sua infraestrutura de IA para outros países do Sul Global, Pequim contribui para a diversificação do ecossistema digital mundial, fortalecendo a multipolaridade e, por consequência, a soberania de nações historicamente marginalizadas nas decisões globais.

Em tempos de fragmentação tecnológica e crescente protecionismo, a aposta chinesa na autonomia não é um retrocesso, mas uma resposta necessária às contradições do capitalismo globalizado. E para aqueles que defendem um mundo mais justo, equilibrado e plural, essa soberania não deve ser temida — deve ser compreendida, debatida e, em muitos aspectos, inspiradora. Afinal, a tecnologia do futuro não precisa ser escrita apenas em inglês, nem depender exclusivamente de Silicon Valley. Ela também pode ser pensada, desenvolvida e compartilhada a partir de Xangai, Shenzhen — e agora, talvez, até de São Paulo.

Com informações da CNBC*

, , , ,
Apoie o Cafezinho
Siga-nos no Siga-nos no Google News

Comentários

Os comentários aqui postados são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do site O CAFEZINHO. Todos as mensagens são moderadas. Não serão aceitos comentários com ofensas, com links externos ao site, e em letras maiúsculas. Em casos de ofensas pessoais, preconceituosas, ou que incitem o ódio e a violência, denuncie.

Escrever comentário

Escreva seu comentário

Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!


Leia mais

Recentes

Recentes