A Reag Investimentos, uma das maiores gestoras de recursos do país, foi acusada pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) de ter participado da estruturação de fundos e empresas utilizados pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) para lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio.
A denúncia, apresentada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e revelada por O Estado de S. Paulo, integra a Operação Carbono Oculto, que expôs um esquema sofisticado de movimentação de capitais ilícitos no sistema financeiro formal.
De acordo com o Gaeco, a Reag, a Altinvest e pessoas ligadas às duas gestoras atuaram na criação de estruturas societárias e jurídicas que tinham como finalidade dificultar a identificação dos verdadeiros proprietários dos ativos. As investigações apontam que os recursos de origem criminosa foram aplicados em operações financeiras e aquisições que, em alguns casos, superaram R$ 50 milhões.
O Ministério Público afirma que as gestoras representaram legalmente fundos e empresas controladas por integrantes do PCC, permitindo o trânsito de valores ilícitos por meio de mecanismos legais de investimento.
Envolvimento com a Usina Itajobi e o grupo Mourad
Um dos casos centrais da denúncia envolve a compra da Usina Itajobi, localizada em Catanduva (SP). Segundo o Gaeco, a aquisição foi feita por meio do Fundo Mabruk II, gerido pela Reag, que teria sido abastecido com recursos provenientes de Mohamad Houssein Mourad, conhecido como Primo, apontado como principal operador financeiro do PCC.
O documento descreve Mourad como o “epicentro das operações”, responsável por coordenar uma rede de empresas de fachada e laranjas em setores como etanol, combustíveis, imóveis, logística e portos. Segundo o Gaeco, ele contava com o apoio de familiares, sócios e profissionais cooptados para movimentar grandes somas de dinheiro do crime organizado. Mourad está foragido desde que teve a prisão decretada.
Em nota, a defesa de Mohamad Mourad negou as acusações, afirmando que ele “tem sido alvo de ilações e conjecturas injustas”. Os advogados sustentaram que “não há nenhum indício que comprove qualquer ligação com as atividades ilícitas do PCC”.
Executivos da Reag sob suspeita
O Gaeco também identificou a participação direta de executivos da Reag nas operações investigadas. Entre eles estão Walter Martins Ferreira III, Ramon Dantas e Silvano Gersztel.
Ferreira III, que foi sócio e diretor de compliance da gestora até junho de 2025, figura como diretor administrativo, financeiro e comercial da Usina Itajobi — empresa adquirida com recursos do fundo sob investigação.
Já Ramon Dantas, diretor-executivo da Reag DTVM, e Gersztel, outro sócio, assinaram documentos de transações realizadas em nome da gestora. Segundo o Gaeco, ambos “atuaram em circunstâncias absolutamente imprescindíveis para a operacionalização dos fundos de investimento voltados aos propósitos do grupo Mourad”.
A Reag, em resposta, negou qualquer envolvimento com atividades ilícitas, classificando as acusações como “infundadas”. A gestora afirmou que suas operações seguem estritamente a legislação brasileira, especialmente a Resolução CVM nº 175/2022 e a Lei nº 8.668/1993, que regulam os fundos de investimento.
“Os atos de nossos diretores foram realizados exclusivamente na condição de representantes legais dos fundos administrados, e nunca em nome próprio”, afirmou a empresa em nota.
Esquema de empresas de fachada e triangulação de operações
As investigações apontam que a Reag e seus executivos mantinham vínculos com a RPN Partners Participações, uma holding que compartilha endereço com outras sete empresas associadas a Mourad, todas situadas na Rua Conselheiro Saraiva, zona norte de São Paulo.
O Ministério Público afirma que o compartilhamento de endereços era parte de uma estratégia para simular operações comerciais e triangulações fiscais, criando rotas artificiais de transações e facilitando a lavagem de capitais.
Entre as empresas envolvidas estão distribuidoras e postos de combustíveis que, segundo o Gaeco, movimentaram bilhões de reais sem lastro financeiro, muitas vezes com intermediação de fundos administrados pela Reag.
Os promotores também encontraram inconsistências contábeis e operações simuladas de compra e venda entre as companhias controladas pelo grupo, com o objetivo de gerar aparência de legalidade para o dinheiro proveniente do tráfico de drogas e de outras atividades criminosas do PCC.
Altinvest também é citada nas investigações
A denúncia inclui ainda a Altinvest, outra gestora de recursos mencionada na Operação Carbono Oculto. Um de seus sócios, Rogério Garcia Peres, aparece como membro do conselho de administração da Rede Sol Fuel, uma distribuidora de combustíveis vinculada a empresas associadas ao grupo Mourad.
Em nota, a Altinvest repudiou “qualquer tentativa de associação ao crime organizado” e alegou que Peres jamais atuou na operação de postos de combustíveis. Segundo a empresa, o executivo apenas adquiriu imóveis da antiga BR Distribuidora como investimento imobiliário, “dentro da legalidade e de forma devidamente declarada”.
O próprio Peres declarou estar colaborando integralmente com as autoridades competentes e afirmou confiar que “todos os fatos serão esclarecidos pelas instâncias responsáveis”.
Lavagem de dinheiro e impacto no sistema financeiro
A Operação Carbono Oculto revelou que o esquema de lavagem de dinheiro do PCC utilizava fundos de investimento e holdings para inserir recursos ilícitos no sistema financeiro formal, aproveitando a complexidade das estruturas reguladas.
De acordo com o MPSP, as gestoras teriam criado instrumentos legais sofisticados que permitiram disfarçar a origem do capital e dificultar o rastreamento das operações. O grupo criminoso teria usado essas estruturas para ocultar patrimônio e adquirir ativos reais, como usinas, imóveis e empresas logísticas, com aparência de legalidade.
As denúncias marcam um dos maiores casos de infiltração de capital ilícito no mercado financeiro brasileiro, envolvendo gestoras com autorização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e empresas com presença no mercado institucional.
O MPSP solicitou o bloqueio de bens e valores de todos os investigados e o aprofundamento das investigações para identificar eventuais falhas de supervisão regulatória.
Se confirmadas as acusações, o caso poderá redefinir os mecanismos de controle e compliance aplicados a gestoras de investimento no país, levantando um debate sobre a vulnerabilidade do mercado financeiro à infiltração do crime organizado.


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