Saiba o que já escreveu Jorge Messias, cogitado para o STF

AGU

Messias apresentou tese de doutorado na UnB, no ano passado: ‘ultraliberalismo’ de Bolsonaro, ‘autoritarismo’ da Corte e ‘monopólio’ das big techs

O Advogado-Geral da União (AGU), Jorge Rodrigo Araújo Messias, é um dos favoritos para preencher a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal (STF), com a saída do ministro Luís Roberto Barroso.

Cabe ao presidente Luiz Inácio da Silva (PT) indicar um nome para suceder Barroso — mas não há data para definição desse indicado.

O novo integrante da Corte deve ser brasileiro nato, ter mais de 35 anos e menos de 75, além “de notável saber jurídico” e “reputação ilibada”.

Após a indicação, o nome tem que de ser aprovado na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado e depois pelo plenário do Casa, onde precisará da maioria absoluta dos votos.

Outros cotados à cadeira no Supremo no momento são o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, e o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Analistas e pessoas ligadas ao governo têm dito que Messias seria o candidato com maior proximidade ao presidente Lula.

“Óbvio que Messias é com quem Lula tem mais convivência”, disse recentemente em entrevista ao jornal O Globo o líder do governo no Senado, Jacques Wagner (PT-BA).

Além de já ter ocupado diferentes cargos em governos petistas, como o de subchefe para assuntos jurídicos da Presidência no governo de Dilma Rousseff, sua produção acadêmica recente também defende uma versão da história em consonância com a esquerda.

Messias defendeu no ano passado, em sua tese de doutorado em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional, pela Universidade de Brasília (UnB), a ideia de que o Brasil passou por um período de “ultraliberalismo” do ex-presidente Jair Bolsonaro e avalia que há, agora, “possibilidades de reconstrução ensejadas” com a volta de Lula ao poder.

Também repercutiu críticas à própria Corte sobre o partido, embora reconheça a importância da instituição.

Afirmou que “multiplicaram-se críticas da esquerda sobre o conservadorismo e autoritarismo do Judiciário e do STF, que estariam atuando de maneira partidarizada em detrimento dos interesses do Partido dos Trabalhadores e dos próprios trabalhadores e movimentos sociais.” (veja abaixo mais detalhes).

Há ainda críticas explícitas ao que chama de monopólio das empresas que operam as redes sociais.

A leitura do trabalho pode dar pistas de como Messias poderia se posicionar em assuntos de interesse da Corte, caso venha a ocupar a vaga de Barroso.

Bruno Dantas, Rodrigo Pacheco e Jorge Messias estão cotados para vaga no STF | Agência Brasil

O que escreveu Jorge Messias sobre Lula, Bolsonaro, PT e o STF

Messias apresentou no ano passado sua tese de doutorado na UnB. O trabalho é centrado no papel da instituição por ele dirigida, a Advocacia-Geral da União (AGU). O título do trabalho é “O Centro do Governo e a AGU: estratégias de desenvolvimento do Brasil na sociedade de risco global.”

Evangélico, ele começa o trabalho com um agradecimento religioso: “Em primeiro lugar, expresso minha mais profunda gratidão a Deus, cuja presença constante em minha vida me concede a força e a coragem necessárias para enfrentar os desafios diários, culminando na conclusão deste projeto”.

Messias diz que a tese tenta responder à pergunta de como o núcleo do governo e a Advocacia-Geral da União “podem contribuir para a implementação de uma estratégia de desenvolvimento moderna, centrada não apenas na convergência econômica, mas também no enfrentamento e adaptação aos riscos globais”.

No trabalho, o conceito de “risco global” se refere a ameaças compartilhadas por todos os países, como mudanças climáticas, pandemias, crises financeiras, guerras e desigualdade tecnológica. Citando autores como o sociólogo Ulrich Beck, Messias defende a necessidade de um Estado forte, capaz de responder a esses desafios.

Em uma passagem autobiográfica, ele afirma que o período entre 2003 e 2016, durante os governos de Lula e Dilma Rousseff, “foi um tempo de planos generosos”, mas cuja “fantasia logo seria desfeita”. Messias escreve que “a necessidade de refletir sobre a dolorosa derrota daquele projeto político” o motivou a retornar à academia.

Nos capítulos voltados ao Brasil recente, a tese traz críticas aos governos pós-PT, especialmente ao “ultraliberalismo” e à “desestruturação institucional” dos anos seguintes, bem como à condução do governo Bolsonaro em relação à pandemia do coronavírus, quando foi “possível verificar, de maneira clara, os custos trazidos pelo negacionismo ambiental e sanitário.”

Ele faz também um diagnóstico das ações do terceiro mandato de Lula, apresentadas como esforços para “superar a armadilha da estagnação econômica e lidar com os riscos globais, até então ignorados pelo governo anterior.”

O papel do STF

“Entre 2012 e 2018, multiplicaram-se críticas da esquerda sobre o conservadorismo e autoritarismo do judiciário e do STF, que estariam atuando de maneira partidarizada em detrimento dos interesses do Partido dos Trabalhadores e dos próprios trabalhadores e movimentos sociais”, escreve Messias em um trecho sobre a Corte para a qual é cotado a ocupar um cargo agora.

“A própria prisão do ex-presidente Lula, bem como a negação do registro de sua candidatura em 2018 reforçaram as censuras.”

Messias avalia, no entanto, que, “na verdade”, a autoridade do STF estava sendo “solapada por movimentos sociais autoritários e por instâncias inferiores do Judiciário que, em última instância, buscavam reverter a própria ordem constitucional de 1988”.

Ele diz que a corte “logrou estancar os abusos da Lava Jato, reverter decisões injustas de instâncias inferiores e fazer frente às ameaças golpistas que ganharam ímpeto renovado com a chegada de Bolsonaro à Presidência.”

Messias prevê uma continuidade do protagonismo do Judiciário no país e diz que dada a polarização ideológica e o processo de judicialização, “é provável que as medidas mais importantes deverão ter sua legalidade/constitucionalidade questionadas perante o Judiciário, seja no STF ou em instâncias inferiores”.

Críticas às big techs e redes sociais

Quando avalia o que chama de riscos globais, Messias dedica um trecho sobre “riscos digitais” e cita a relação da sociedade com plataformas como Twitter (atual X), Google e Tiktok. Para ele, “a internet diminuiu também o custo da desinformação, o que facilitou o emprego sistemático da mentira como arma política”.

O autor diz que o engajamento nas redes se dá pelos afetos e pelo viés de confirmação, o que reforçou — ou até gerou — a polarização política.

“Google, Facebook, Instagram são monopólios que não só impedem a competição econômica, como empregam seus vastos recursos para financiar estratégias políticas a fim de manter suas posições privilegiadas”, escreveu ele.

Ele cita algumas iniciativas de regulamentação pelo mundo “para combater a concentração econômica do setor e o vale-tudo na internet.”

“Se não há acordo para responsabilizar as plataformas pela desinformação difundida, os Estados Unidos caminham rapidamente para fazer da internet mais um campo da competição estratégica com a China.”

O ‘ultraliberalismo’ de 2016 a 2022

Ao falar da história recente do país, Messias categorizou o período entre 2016 e 2022 como “ultraliberalismo”.

Ele avalia que o neoliberalismo ganhou densidade eleitoral “talvez pela primeira vez” e que governos “lograram desregular o mercado de trabalho, reformar de maneira profunda a previdência social (o que ele chamou de “reforma draconiana”), enfraquecer os sindicatos”, dentre outros.

Messias diz que o Estado brasileiro chegou a 2022 “com baixa capacidade fiscal, política e institucional para intervir na economia, seja para regular ou fomentar atividades mais promissoras, seja para transformá-la diretamente.”

Para ele, o período foi marcado por colocar a acumulação primitiva como eixo estruturador da economia do país.

“Atividades agropecuárias e mineradoras passaram a operar, com ainda mais intensidade, na lógica colonial, com a aceleração e/ou intensificação das taxas de desmatamento, do uso de agrotóxicos, da violação de direitos das populações tradicionais, de grandes acidentes ambientais e de desrespeito no encaminhamento de reparações.”

O trabalho usa, então, um diagnóstico feito pela equipe de transição, coordenado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, que trata do que chama de “desmonte do Estado brasileiro e das políticas públicas durante os quatro anos do governo Bolsonaro.”

Para o autor, “não há dúvidas de que a proposta do governo Lula traz mudanças significativas em relação à ação estatal que vinha sendo implementada desde 2016, e sobretudo a partir de 2019.”

Ministro anunciou sua saída antecipada da Corte | Reuters

Indicado ao STF pode defender interesses do governo na Corte?

Dentre os requisitos para ocupar uma cadeira no STF está que candidatos devem ter “notável saber jurídico e reputação ilibada”.

Mas o que se enquadra como notável saber jurídico — e como esses possíveis candidatos se encaixam na definição?

Embora tenham vínculos com a academia, os nomes agora cotados por Lula para o Supremo “não chegam à candidatura por sua trajetória acadêmica, como ocorreu, por exemplo, com o ministro Luís Roberto Barroso”, afirma Álvaro Palma de Jorge, professor fundador da FGV Direito Rio.

Segundo ele, o “notável saber jurídico” exigido para o cargo não deve ser confundido com títulos acadêmicos e nem tem sido adotado como critério decisivo nas nomeações.

“O conceito de notável saber jurídico é analisado de forma discricionária pelo presidente e pelo Senado. Ambos precisam fazer esse julgamento, e não há regra objetiva. Há ministros que são doutores e outros que não são. Vinculação acadêmica e publicações não são critérios definitivos para se reconhecer o saber jurídico.”

Jorge avalia que os atuais cotados “passam facilmente no teste” em razão das funções que exercem.

O professor discorda da ideia de que as indicações visam favorecer o governo na Corte.

“O nome precisa da indicação do presidente, mas também da aprovação do Senado. Isso já impõe um constrangimento à escolha. Um nome que não tenha adesão do Senado nem adianta indicar, porque não será aprovado.”

Ele lembra o episódio em que o ex-presidente Jair Bolsonaro cogitou nomear o filho, Eduardo Bolsonaro, para a embaixada do Brasil em Washington — cargo que também dependia da aprovação do Senado.

“O nome não foi nem levado adiante porque o presidente recebeu, de imediato, o feedback institucional de que não seria aprovado.”

Para o professor, o mesmo princípio vale para o Supremo:

“Não é qualquer escolha que é palatável. O critério usado pelo presidente precisa ter adesão do Senado, sob risco de a indicação não prosperar.”

Jorge reconhece que a proximidade pessoal do indicado tem sido apontada como um critério de Lula: “Tem sido muito comentada essa história da proximidade. O presidente Lula teve uma experiência pessoal. Foi preso, apresentou seguidos recursos, entre eles um habeas corpus que acabou no Supremo. E ministros de quem se esperava proximidade simplesmente aplicaram a jurisprudência da Corte contra os interesses do presidente.”

Ele pondera que essa busca por afinidade é natural.

“Naturalmente o presidente tenta indicar alguém que tem uma visão de mundo mais próxima à dele”, diz.

E conclui que a independência tende a prevalecer depois da nomeação:

“Há muitos exemplos de ministros do Supremo que tomam decisões contrárias aos interesses do presidente que os indicou. E é bom que isso aconteça. Ministro do Supremo não é empregado do presidente da República; recebe um conjunto de prerrogativas justamente para poder julgar de forma independente. No momento da campanha, seja qual for o critério, o candidato segue um script.”

“Mas depois que senta na cadeira, enfrenta outros constrangimentos institucionais e passa a conviver com seus pares.”

Publicado originalmente pela BBC News em 16/10/2025

Por Luiz Fernando Toledo – BBC News Brasil em Londres

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