No Reino Unido, Sadiq Khan e Zack Polanski desafiam o medo coletivo e defendem novas abordagens para enfrentar o tráfico e as overdoses
O debate público sobre políticas de drogas opera, há décadas, sob uma cortina de fumaça moralista, onde a repetição de mantras falidos tenta encobrir um fracasso retumbante. Recentemente, vimos figuras como Sadiq Khan, o prefeito de Londres, tatearem timidamente em direção à descriminalização. É um passo, sem dúvida, mas um passo que ainda teme a própria sombra, rapidamente rechaçado pelas forças da ordem estabelecida. Contudo, enquanto a política tradicional hesita, a realidade se impõe com uma brutalidade que não pode mais ser ignorada.
O epicentro dessa falência tem nome e ideologia: a “Guerra às Drogas”. Em sua encarnação mais recente e grotesca, vimos um líder como Donald Trump apostar naquilo que a direita sempre oferece como solução: “força militar e violência sem precedentes”. É a doutrina do porrete, a crença de que um problema social complexo pode ser resolvido com bombardeios no Caribe e repressão policial. Como era de se esperar, essa abordagem é, além de “quase certamente ilegal”, espetacularmente ineficaz.
A revista The Economist, dificilmente um panfleto esquerdista, publicou na semana passada um editorial que deveria abalar as fundações dessa hipocrisia. Sob o título “A força bruta não é páreo para os traficantes de drogas de alta tecnologia de hoje”, a publicação expõe o óbvio: a máquina de guerra de Trump é inútil contra uma “indústria narcótica cada vez mais sofisticada e inovadora”.
Por que os traficantes são tão sofisticados? Porque a proibição lhes garante um mercado trilionário. A ilegalidade é o que financia a inovação tecnológica do crime.
Enquanto a política se ocupa de sua performance militarista, o custo humano da proibição se acumula. Os números são um atestado de óbito de todo o sistema: drogas ilegais matam cerca de 600 mil pessoas por ano. Nos Estados Unidos, a locomotiva dessa política repressiva, as overdoses de opioides e o aumento do tráfico de cocaína e sintéticos pintam um cenário de calamidade pública.
É crucial entender: essas pessoas não morrem porque as drogas existem. Elas morrem porque a proibição as empurra para a clandestinidade. Elas morrem porque o mercado ilegal não tem controle de qualidade, não tem dosagem segura e ativamente incentiva “misturas ilegais perigosas”.
É neste ponto que a análise da The Economist se torna revolucionária, não por ser original, mas por vir de onde vem. A revista propõe o que a maioria dos políticos teme sequer sussurrar: legalizar a cocaína.
A lógica é irrefutável e alinha-se perfeitamente com uma visão de saúde pública e justiça social. Segundo a revista, a legalização “eliminaria o preço premium que motiva os criminosos mais violentos do mundo”. Sem o lucro absurdo da proibição, os cartéis perdem seu poder de fogo e sua razão de existir.
Mais importante: “Os consumidores teriam certeza da dosagem e da qualidade”. Isso não é sobre incentivar o uso; é sobre parar as mortes. É tratar o usuário como um cidadão com direito à saúde, e não como um inimigo a ser abatido ou encarcerado. A legalização permitiria que “o sistema de justiça criminal pudesse se concentrar em sintéticos mais letais”, em vez de lotar prisões com pequenos usuários, uma política que historicamente penaliza os mais pobres e vulneráveis.
Infelizmente, como a própria revista lamenta, “nem os eleitores nem os políticos estão interessados”. E por que estariam? O medo é uma ferramenta política poderosa.
Vemos isso claramente no Reino Unido. A cocaína é a segunda droga mais consumida, atrás apenas da cannabis, com 2,1% da população entre 16 e 64 anos relatando o uso em 2024. A proibição, evidentemente, não impede o consumo.
Quando Sadiq Khan sugere um debate mínimo sobre a descriminalização de pequenas quantidades – uma proposta que meramente arranha a superfície do problema –, a reação é imediata. O debate acalorado no Spectator é sintomático, mas a resposta final é dada pela instituição: Sir Mark Rowley, da Polícia Metropolitana, rejeita a ideia. A polícia, afinal, é a executora da Guerra às Drogas; admitir a descriminalização é admitir a inutilidade de seu próprio aparato repressivo.
Enquanto o establishment se agarra a um modelo falido, vozes mais corajosas apontam para a única conclusão lógica. Zack Polanski, novo líder do Partido Verde, não teme o tabu e declara à BBC o que a The Economist apenas insinuou em seu escopo total: ele deseja legalizar todas as drogas, incluindo as de classe A, como heroína e crack.
Essa não é uma proposta de caos; é uma proposta de controle. É a compreensão de que a única forma de gerir os riscos associados a substâncias perigosas é trazê-las para a esfera da regulação estatal, da saúde pública e da redução de danos.
A barreira final, como apontam as pesquisas da YouGov, é o próprio público. A maioria teme que a descriminalização aumente o consumo, a criminalidade e os impactos à saúde.
É um medo compreensível, mas tragicamente equivocado. É a proibição que gera a criminalidade, ao entregar o mercado a criminosos. É a proibição que gera os impactos à saúde, ao garantir que o consumo seja inseguro e não regulamentado. E é a proibição que, ao falhar em reduzir o consumo, sobrecarrega o sistema judicial com casos que deveriam estar em clínicas.
O debate, antes impensável, tornou-se inevitável. A realidade das mortes por overdose, da violência endêmica financiada pelo tráfico e de um sistema de justiça abarrotado exige uma resposta que vá além da força bruta.
A Economist está correta: “Sem a legalização, a luta contra as drogas ilícitas é árdua”. É árdua, sangrenta, cara e inútil. A Guerra às Drogas fracassou. A questão não é mais se devemos mudar de rumo, mas quanto tempo mais levaremos – e quantas vidas mais sacrificaremos – até que tenhamos a coragem de adotar a única solução sensata: legalizar, regulamentar e tratar.
Com informações de The Economist*


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