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Por que a diplomacia entre EUA e China morreu

A competição tecnológica e o lucro exacerbado tornam impossível um diálogo racional entre países que decidem o futuro de todos Estamos assistindo a um espetáculo de pura patologia diplomática. A poucos dias de uma cúpula de alto risco entre Donald Trump e Xi Jinping na Coreia do Sul, as negociações comerciais entre as duas maiores […]

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Diplomacia bloqueada, bilhões em risco

A competição tecnológica e o lucro exacerbado tornam impossível um diálogo racional entre países que decidem o futuro de todos


Estamos assistindo a um espetáculo de pura patologia diplomática. A poucos dias de uma cúpula de alto risco entre Donald Trump e Xi Jinping na Coreia do Sul, as negociações comerciais entre as duas maiores economias do mundo não estão apenas paralisadas; elas estão imersas em um ciclo tóxico de “manipulação, obstrução, exageros e falta de clareza”.

Enquanto conversas preparatórias de fachada ocorrem na Malásia, a verdade é que o diálogo real ruiu. O que resta é um vácuo perigoso, preenchido por egos inflados, paranoia burocrática e a ganância de bilionários da tecnologia que se autoproclamaram intermediários.

O problema não é a falta de vontade de negociar. O problema é que a própria arquitetura da comunicação foi demolida, tanto em Washington quanto em Pequim.

Para entender o deserto de hoje, precisamos olhar para o caos feudal de ontem. No primeiro mandato de Trump, a diplomacia formal foi descartada em favor do “canal Kushner”. O genro do presidente, Jared Kushner, mantinha uma linha direta com Cui Tiankai, então embaixador chinês.

Esse arranjo, que frustrou e marginalizou as próprias agências de segurança e comércio dos EUA, era a antítese da governança institucional. Era um acordo neofeudal, de família para família, que, por um alinhamento temporário de interesses, conseguiu produzir duas cúpulas e o frágil acordo comercial de “fase um” em 2020.

Hoje, nem mesmo esse canal duvidoso existe. Kushner está focado no Oriente Médio. Em seu lugar, temos o canal oficial, liderado pelo secretário do Tesouro, Scott Bessent, e pelo vice-primeiro-ministro He Lifeng. E ele é um desastre.

Após quatro rodadas desde maio, as negociações estão estagnadas. Os dois lados não conseguem sequer concordar sobre o que foi discutido nas reuniões anteriores, muito menos definir uma agenda futura. A falta de entrosamento, que existia entre os negociadores anteriores (Lighthizer e Liu He), foi substituída por desprezo aberto. Bessent, um ex-chefe de fundo de hedge, chegou ao ponto de insultar publicamente o principal assessor de He, chamando-o de “desequilibrado”.

Não há experiência real de negociação entre eles. O resultado é um diálogo de surdos, onde a única coisa que avança é a desconfiança mútua.

Na ausência de canais estatais funcionais, quem assume o papel de diplomata? O capital.

Líderes empresariais como Elon Musk (Tesla), Jensen Huang (Nvidia) e Stephen Schwarzman (Blackstone) foram sondados. Mas isso não é diplomacia; é lobby de altíssimo nível. Nenhum deles tem a confiança de ambos os lados para mediar a geopolítica. O que eles têm é um interesse direto em proteger seus próprios mercados.

O caso de Jensen Huang é emblemático. Atuando como intermediário, ele conseguiu uma suspensão temporária das restrições à venda de chips de IA da Nvidia para a China. O interesse dele não é a segurança nacional dos EUA ou a estabilidade global; é o próximo balanço trimestral da Nvidia. Essa confusão entre o interesse corporativo e o interesse nacional gera reações previsíveis, como as críticas de Steve Bannon, expondo a guerra interna na própria administração.

Essa disfunção é agravada por um clima político macarthista. Em Washington, qualquer voz que defenda relações estáveis com Pequim é imediatamente rotulada de “traidor” ou “simpatizante do comunismo”, paralisando qualquer formulação de política racional.

O governo Trump 2.0 reflete essa desordem. O Conselho de Segurança Nacional (CSN) foi desmantelado, expurgando especialistas em China. A política é esquizofrênica: enquanto o Departamento de Comércio impõe restrições severas, a Casa Branca pressiona a China a comprar mais soja e aviões, cedendo a outros lobbies.

Como resumiu Da Wei, da Universidade Tsinghua, a equipe Trump 2.0 é “mais um clube de lealistas do que uma unidade coesa”. Ninguém sabe quem, de fato, fala em nome do presidente.

Se Washington é um caos de lealistas em conflito, Pequim é uma fortaleza de paranoia burocrática. A extrema concentração de poder em Xi Jinping criou um sistema onde nenhum funcionário ousa ter iniciativa.

O medo é palpável. As recentes e obscuras demissões de dois diplomatas com fortes conexões em Washington, Qin Gang e Liu Jianchao, serviram como um aviso brutal: qualquer um que pareça “próximo demais” do Ocidente arrisca a carreira.

Os antigos canais secaram. O novo embaixador chinês em Washington não tem os contatos de seus predecessores. A aposentadoria de Wang Qishan, o ex-vice-presidente que era a linha direta de Pequim com Wall Street, fechou outra porta crucial.

O resultado é que a China, assim como os EUA, não sabe com quem falar. A situação é tão desesperadora que Pequim teve que “reativar” Cui Tiankai, o embaixador aposentado do “canal Kushner”, enviando-o a Washington pelo menos duas vezes este ano numa tentativa de encontrar qualquer aliado próximo a Trump que possa ouvir.

É nesse vácuo que a cúpula Trump-Xi irá ocorrer. E ela está fadada ao fracasso por um choque fundamental de patologias de liderança.

Donald Trump despreza o processo. Ele aposta tudo em seu “magnetismo e habilidades de negociação” pessoais. Ele vê o encontro como um episódio dramático onde sua força de vontade dobrará o oponente.

Xi Jinping é o oposto. Ele valoriza “processos estruturados e agendas detalhadas”. Para o líder chinês, a cúpula não é a negociação; é a cerimônia de assinatura de acordos pré-definidos nos mínimos detalhes por subordinados.

Um quer um duelo de egos; o outro quer um roteiro.

Não se enganem com avanços pontuais, como a recente transferência negociada das operações do TikTok para mãos americanas. Isso não foi diplomacia; foi uma transação comercial forçada, uma expropriação.

Sem canais confiáveis, sem instituições fortalecidas (como um Departamento do Tesouro efetivo) e com duas potências reféns dos caprichos de seus líderes, o máximo que teremos são acordos menores e transitórios. A relação tóxica continuará, porque o circo de personalidades e os interesses corporativos substituíram o interesse público.

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