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Brasil prova que vontade política podem reduzir o desmatamento tropical

Incêndios, grilagem e desmatamento desafiam o país, enquanto estratégias de coerção e incentivos mostram caminhos para a conservação Há uma ironia sombria, quase cruel, em ver o mundo voltar seus olhos para o Brasil em busca de respostas para a crise climática. No exato momento em que o país se prepara para sediar a Conferência […]

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O Paradoxo da Amazônia: Como o Brasil, Maior Desmatador de 2024, Pode Ensinar ao Mundo a Salvar as Florestas Tropicais
O Brasil que destrói e ainda pode salvar o planeta

Incêndios, grilagem e desmatamento desafiam o país, enquanto estratégias de coerção e incentivos mostram caminhos para a conservação


Há uma ironia sombria, quase cruel, em ver o mundo voltar seus olhos para o Brasil em busca de respostas para a crise climática. No exato momento em que o país se prepara para sediar a Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP), ele também ostenta o título vergonhoso de campeão mundial em perda de floresta tropical em 2024, graças a incêndios de proporções apocalípticas.

O Brasil que receberá os diplomatas no próximo mês não é um anfitrião sereno; é um laboratório vivo, um campo de batalha onde o sucesso e o fracasso coexistem de forma explosiva. A tensão é palpável, pois o que está em jogo não é apenas a reputação de um país, mas a viabilidade de uma promessa global – a de zerar o desmatamento até 2030 – que hoje parece uma piada de mau gosto.

A realidade, vista do espaço, é assustadora. No último ano, o planeta perdeu 67 mil km² de floresta tropical virgem. É quase o tamanho da Irlanda desaparecendo em doze meses, quase o dobro do que foi perdido em 2023. A estagnação da última década é, na verdade, uma aceitação tácita da destruição.

Continuar a derrubar florestas tropicais não é uma política de desenvolvimento; é um ato de “loucura econômica e social”.

Estudos recentes são inequívocos: os custos sociais da devastação na Amazônia, incluindo o caos climático que ela gera, são 30 vezes maiores que os lucros obtidos com a pecuária, a principal vetor da motosserra.

Aqui reside o cerne da injustiça capitalista: os lucros são privatizados, embolsados por um punhado de ruralistas e mineradoras. Os custos, por outro lado, são brutalmente socializados, pagos por toda a população mundial.

Esse desequilíbrio perverso é a engrenagem do sistema. Não é um acidente; é um projeto. A destruição gera 3,1 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa por ano – mais do que toda a queima de combustíveis fósseis da Índia, uma nação de 1,4 bilhão de pessoas.

Esse carbono alimenta um ciclo vicioso de morte: as emissões aquecem o planeta, o calor resseca a vegetação, a vegetação seca vira combustível para mais incêndios, e os incêndios liberam mais carbono.

O impacto não é uma abstração distante. As florestas tropicais são as criadoras de seus próprios sistemas climáticos. Os “rios voadores” que nascem da evaporação da Amazônia irrigam a agricultura a milhares de quilômetros. O governo Lula, ao contrário de seu antecessor, compreendeu o óbvio: destruir a floresta é um “tiro no pé” da própria agricultura que, ironicamente, tenta justificá-la.

Ambientalistas alertam: estamos à beira do ponto de inflexão. O colapso do ciclo de reciclagem de água não será gradual; será um abismo, acelerando o fim da floresta.

É neste cenário de colapso iminente que o paradoxo brasileiro se torna uma lição global. O país que lidera a perda por incêndios é, simultaneamente, o único lugar que provou que o desmatamento pode ser contido com vontade política.

O contraste entre governos é a prova material dessa tese.

Sob Jair Bolsonaro (2019-2023), o Estado foi desmantelado. O ambientalismo foi tratado como um “obstáculo ao desenvolvimento”, um eufemismo para “obstáculo ao lucro fácil”. A inércia oficial foi um sinal verde para madeireiros, garimpeiros e grileiros.

Com o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra Marina Silva, vimos a retomada de um Estado presente, que entende a proteção ambiental como estratégica. E a estratégia é dupla, combinando coerção e poder econômico.

De um lado, a face coercitiva: agentes federais fortemente armados combatendo ativamente madeireiros ilegais e desmantelando a infraestrutura do garimpo clandestino. É o Estado retomando territórios dominados pelo crime.

Do outro, a força do capital usada contra os destruidores: propriedades flagradas com desmatamento ilegal perdem sumariamente o acesso a crédito subsidiado.

Não é teoria. Isso já foi feito. Durante os primeiros mandatos de Lula (2003-2011), essa abordagem derrubou o desmatamento em 80%. Ao retornar em 2023, a queda foi imediatamente retomada, antes que a fúria climática dos incêndios (consequência do aquecimento já contratado) revertesse parte do esforço.

A estratégia atual vai além da simples repressão. O governo Lula foca agora na raiz do problema: a caótica situação fundiária da Amazônia.

A região é um emaranhado de reivindicações sobrepostas, grilagem e documentação fraudulenta. A lógica é simples: sem saber quem é o dono da terra, é impossível punir quem degrada.

Mas o inverso é o que realmente importa: organizar os direitos de propriedade é a única forma de recompensar quem conserva.

Isso significa, antes de tudo, proteger as reservas indígenas. São os povos tradicionais os verdadeiros e mais eficientes gestores da floresta. E, com o auxílio vital da tecnologia – imagens de satélite que detectam transgressões em dias –, a reação do Estado pode finalmente deixar de ser reativa e se tornar preventiva.

As lições do Brasil poderiam ser replicadas. Mas a realidade global é sombria.

Na República Democrática do Congo (RDC), o governo até tenta criar leis de proteção indígena, mas seu controle sobre o território é quase nulo. A floresta ali é protegida não pela lei, mas pela falta de estradas. O dia em que a infraestrutura (financiada, muitas vezes, por capital internacional) chegar antes do Estado, a devastação será instantânea.

A preservação das florestas é um bem público global. Os países ricos, que historicamente mais poluíram para construir suas fortunas, deveriam financiar essa proteção. É uma dívida, não caridade.

Mas os mecanismos criados pelo capitalismo para isso são um fracasso. Os mercados de créditos de carbono, a grande aposta neoliberal, não decolaram. E não foi por acaso: é quase impossível comprovar que o dinheiro de um “crédito” realmente salvou uma árvore que não seria cortada de qualquer maneira. É um mercado de indulgências.

O método direto – pagar governos por resultados verificados por satélite, como o Brasil defende – seria mais eficaz. Mas ele esbarra na hipocrisia dos doadores, que recuam ao primeiro sinal de “corrupção” (enquanto fazem vista grossa para a corrupção em seus próprios sistemas financeiros).

Quando a COP começar, o Brasil estará no palco não como um modelo, mas como um espelho partido. Ele refletirá nossa maior falha – a ganância que coloca o lucro de 30 anos acima da sobrevivência do planeta – mas também nossa única esperança: a de que a ação política, a justiça social e a lucidez ainda podem vencer essa guerra.

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