Apesar da guerra comercial e dos temores de IA, a economia global cresce, mas os lucros beneficiam poucos e deixam milhões em vulnerabilidade
Há nove meses, quando o então presidente Donald Trump anunciou uma guerra comercial de ferocidade sem precedentes, mercados e investidores se prepararam para o pior. Esperava-se que uma recessão devastasse a economia global, derrubando bolsas e abalando a confiança dos consumidores americanos. No entanto, quase um ano depois, os efeitos da chamada “guerra tarifária” foram muito menos intensos do que se temia. A economia mundial segue crescendo, quase como se nada tivesse acontecido, e indicadores como o PMI composto global do JPMorgan ou estimativas do PIB americano pelo Banco da Reserva Federal de Atlanta demonstram um vigor surpreendente: 3,9% de crescimento anualizado no terceiro trimestre de 2025.
O que os dados não mostram — e que uma análise crítica de esquerda não pode ignorar — é que esse crescimento aparentemente robusto não significa justiça social nem sustentabilidade econômica. O chamado “bom momento” global é impulsionado, em grande parte, por políticas fiscais agressivas e pelo aumento da demanda nos Estados Unidos. Empresas e investidores lucram com o crescimento cíclico do consumo, enquanto a desigualdade social se aprofunda.
O fortalecimento do mercado financeiro e os recordes de índices como o MSCI ACWI contrastam violentamente com o sofrimento de milhões que permanecem vulneráveis a crises econômicas, desemprego estrutural e cortes em serviços públicos essenciais.
A narrativa otimista de resiliência econômica também ignora riscos estruturais que não se resolvem apenas com números. A guerra comercial, embora temporariamente mitigada, permanece como uma espada de Dâmocles sobre o comércio global. Novas tarifas podem ser impostas a qualquer momento, e governos podem se ver obrigados a apertar os cintos em momentos de déficit, penalizando ainda mais a população comum.
Enquanto isso, os lucros corporativos seguem crescendo: 7% no segundo trimestre em relação ao ano anterior, acima da média histórica. Mas quem realmente se beneficia desse crescimento? As estatísticas globais escondem o fato de que o trabalho humano continua subvalorizado e precarizado, enquanto o capital desfruta de vantagens sem contrapartida social.
O entusiasmo em torno da inteligência artificial (IA) é outro exemplo de uma economia que ignora as consequências sociais em nome do progresso tecnológico. Alguns temem que o crescimento econômico recente dependa quase exclusivamente dos investimentos em IA — uma narrativa que, à primeira vista, poderia soar como inovação inabalável.
Mas os dados indicam que, fora dos Estados Unidos, a tecnologia da informação não está impulsionando o crescimento, e grande parte do investimento em equipamentos e softwares de processamento de informações sequer está relacionada à IA.
Ainda assim, a preocupação com empregos permanece, especialmente nos EUA, onde a desaceleração do crescimento do emprego é atribuída mais a políticas de repressão à imigração do que a uma revolução tecnológica. A precarização do trabalho e a insegurança econômica não são acidentes; são resultado de escolhas políticas que priorizam lucros sobre pessoas.
Mesmo a confiança do consumidor, frequentemente citada como indicador de saúde econômica, permanece baixa.
Nos Estados Unidos, recuperou-se parcialmente das mínimas de abril e maio, mas ainda está muito abaixo do nível pré-pandemia. Globalmente, a incerteza econômica e política continua elevada, alimentada pelas tensões comerciais e pela percepção de instabilidade.
Pesquisas sobre “tarifas” no Google e outros sinais de ansiedade mostram que a população sente os efeitos das políticas, mesmo quando os números macroeconômicos apontam crescimento.
O que esse cenário revela é uma economia mundial resiliente não por mérito próprio, mas porque seus riscos e desigualdades foram externalizados. A narrativa dominante — a de que o crescimento econômico segue firme e insensível a crises — mascara a realidade de que milhões de trabalhadores, imigrantes e populações vulneráveis suportam os custos de decisões políticas e financeiras.
A resiliência do sistema, nesse sentido, não é motivo de celebração: é um alerta. O crescimento econômico medido em percentuais e índices financeiros não é sinônimo de progresso social.
A pergunta que permanece é inevitável: será que algo consegue derrubar esse sistema, ou ele seguirá ignorando tensões sociais, crises humanitárias e desigualdades estruturais enquanto cresce em números frios?
Uma economia que sobrevive a guerras comerciais e temores de IA pode parecer impressionante, mas a verdadeira medida de resiliência deveria ser a capacidade de proteger e elevar as condições de vida de todos, não apenas de sustentar lucros e mercados.
Até que isso ocorra, o suposto “boom global” continuará sendo uma fachada, e o mundo seguirá celebrando números enquanto milhões enfrentam precariedade.
O desafio é claro: construir uma economia que não apenas resista a choques, mas que distribua riqueza, dignidade e segurança de forma justa. Crescimento que não transforma vidas é crescimento que não vale nada.


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