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Investidores apostam que a paz comercial

O mundo vibra com a “paz comercial”, mas o otimismo é privilégio de poucos — um alívio momentâneo que deixa o povo fora da festa Enquanto os índices acionários batem recordes históricos e os investidores celebram o “otimismo” com as negociações comerciais entre Estados Unidos e China, o mundo real — aquele das pessoas comuns, […]

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O índice Nikkei do Japão ultrapassa os 50.000 pontos enquanto Donald Trump se dirige a Tóquio para se encontrar com a primeira-ministra Sanae Takaichi.
As bolsas globais disparam com o clima de trégua entre EUA e China, mas a euforia financeira revela um sistema que protege lucros e abandona pessoas / Reprodução

O mundo vibra com a “paz comercial”, mas o otimismo é privilégio de poucos — um alívio momentâneo que deixa o povo fora da festa


Enquanto os índices acionários batem recordes históricos e os investidores celebram o “otimismo” com as negociações comerciais entre Estados Unidos e China, o mundo real — aquele das pessoas comuns, dos trabalhadores e das nações periféricas — continua preso na lógica cruel de um sistema que transforma diplomacia em espetáculo e política econômica em privilégio de poucos.

Os principais mercados globais registraram altas expressivas: o S&P 500 subiu 1,2%, o Nasdaq 1,8%, e o Nikkei japonês ultrapassou, pela primeira vez, a marca simbólica dos 50.000 pontos. A euforia se espalhou também pelo Kospi sul-coreano e pelos índices chineses CSI 300 e Hang Seng. Tudo motivado por uma promessa: Donald Trump e Xi Jinping, líderes das duas maiores potências econômicas do planeta, podem estender a trégua comercial durante um encontro na Coreia do Sul.

Mas o que realmente significa essa “boa notícia”? Para o sistema financeiro internacional, ela significa estabilidade para o capital especulativo. Significa que o comércio de semicondutores e inteligência artificial seguirá fluindo sem barreiras. Significa que as grandes corporações — especialmente as de tecnologia e armamentos — continuarão colhendo lucros recordes. Já para a maioria da população mundial, ela significa mais do mesmo: concentração de riqueza, dependência e vulnerabilidade.

O entusiasmo dos mercados é a celebração de um capitalismo que aprendeu a se blindar das crises que ele próprio causa. A queda do ouro em 3,1%, o recuo da busca por “ativos de refúgio”, e o salto de ações como as da Nvidia (2,8%) são sintomas de uma economia que respira confiança artificial. O “otimismo” é o combustível que alimenta o abismo entre o lucro corporativo e a vida concreta das pessoas.

No Japão, a euforia tem nome e rosto: Sanae Takaichi. A nova primeira-ministra é celebrada pelos investidores como o rosto de uma “nova era” para o país, especialmente após o Nikkei ultrapassar 50.000 pontos. Contudo, o que impulsiona essa alta não são políticas voltadas para o bem-estar social ou para a redistribuição de renda. Ao contrário — Takaichi anunciou planos de aumento dos gastos com defesa e estreitamento das relações militares e econômicas com os Estados Unidos. O mercado respondeu com entusiasmo: as ações da Kawasaki Heavy Industries, fabricante de armamentos, dispararam 7,1%.

Não é coincidência. O capital adora governos que transformam armas em oportunidades e alianças militares em estratégias de crescimento. A história mostra que cada ciclo de otimismo financeiro esconde uma sombra: quanto mais o dinheiro flui para a especulação e para o setor bélico, menos sobra para saúde, educação e políticas públicas.

Enquanto analistas como Neil Newman e Nicholas Smith falam em “novo espírito de época” e comparam o momento atual à euforia do Abenomics, o povo japonês — como o de tantos outros países — enfrenta o mesmo dilema de sempre: salários estagnados, precarização do trabalho e custo de vida crescente. O mercado celebra o avanço do Nikkei, mas ignora o fato de que esse índice é composto por empresas de elite, majoritariamente beneficiadas por investidores estrangeiros.

A suposta “recuperação” econômica global, portanto, é seletiva e desigual. Os números exuberantes das bolsas contrastam com a realidade de uma economia mundial que continua subordinando os direitos sociais às vontades do capital financeiro. O otimismo dos investidores com a “trégua comercial” entre EUA e China não é um alívio para o trabalhador americano, o operário chinês ou o agricultor latino-americano — é um alívio para Wall Street, para Tóquio e para os donos da riqueza que navegam entre essas praças financeiras.

Por trás da cortina de euforia, há também um elemento geopolítico que merece atenção: o reposicionamento militar e estratégico da Ásia. Takaichi, com seu discurso pró-defesa e sua busca por uma amizade estreita com Trump, representa a continuidade da lógica de dependência do Japão em relação aos Estados Unidos. A “valorização” do mercado japonês, portanto, é também o reflexo de um projeto de poder em que soberania e crescimento são negociados com base em armas e alianças militares, não em direitos sociais ou justiça econômica.

Os defensores do livre mercado dirão que o crescimento das bolsas é “bom para todos”, pois estimula a economia. Mas a experiência mostra o contrário: quando o capital financeiro sorri, os direitos trabalhistas choram. Quando os índices disparam, os preços também disparam — e os salários, quase nunca acompanham.

Em um mundo em que o Federal Reserve prepara novos cortes de juros mesmo sem recessão, e em que governos estimulam o crescimento via endividamento público e privatização, o “otimismo” global é, na verdade, um verniz sobre a desigualdade estrutural. O mercado não celebra a paz — celebra a trégua temporária que lhe permite continuar lucrando.

É preciso, portanto, olhar além das manchetes. A alta das bolsas não é um sinal de prosperidade, mas de concentração. Não é vitória da cooperação entre nações, mas da cumplicidade entre elites econômicas. Enquanto Trump e Xi Jinping negociam o futuro do comércio mundial, e Takaichi promete fortalecer a aliança militar nipônico-americana, a humanidade continua refém de um sistema em que o valor de uma ação importa mais do que o valor da vida.

O desafio de nosso tempo é romper com essa lógica. É compreender que o verdadeiro progresso não se mede em pontos do Nikkei, nem em recordes do Nasdaq — mede-se em justiça social, em igualdade, em dignidade. E, nesse sentido, não há trégua possível entre o capital e o povo: há apenas a urgência de escolher de que lado da história queremos estar.

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