O Ocidente trava, e a China vence sem disparar um tiro

A guerra comercial se transformou em uma disputa de modelos: o improviso neoliberal contra o planejamento do socialismo chinês.

Sob o ruído das sanções e das bravatas comerciais, a China consolida o poder real: o controle das cadeias produtivas que sustentam o capitalismo global


Enquanto Washington e Bruxelas se enredam em disputas tarifárias, retaliações tecnológicas e discursos de soberania econômica, Pequim segue vencendo — não com bravatas ou sanções, mas com uma arma muito mais eficaz: o controle das cadeias produtivas globais.

A chamada “guerra comercial” entre Estados Unidos e China, que começou sob Donald Trump e ganhou contornos mais sofisticados sob Joe Biden, é vendida ao público como uma defesa da “segurança nacional” e dos “valores democráticos”. Mas, por trás da retórica patriótica, o que se vê é uma tentativa desesperada do Ocidente de conter um país que, há décadas, se preparou para o embate — e que agora colhe os frutos de uma estratégia de longo prazo baseada na produção, no planejamento estatal e no domínio das matérias-primas estratégicas.

Pequim joga o jogo que o Ocidente inventou — e o vence

A administração Biden gostava de repetir a expressão “quintal pequeno, cerca alta” ao se referir às restrições à exportação de chips avançados. A ideia era proteger a tecnologia americana de ponta sem sufocar o comércio global. Mas, na prática, o “quintal” nunca foi pequeno, e a cerca se mostrou porosa. O centro nervoso da nova economia — semicondutores, inteligência artificial e minerais estratégicos — está profundamente enraizado em cadeias de suprimento que passam inevitavelmente pela China.

A resposta de Pequim foi calculada: impor restrições ao uso e exportação de terras raras, elementos essenciais para a fabricação de tudo — de turbinas eólicas a carros elétricos, de equipamentos médicos a sistemas de defesa. O resultado foi imediato: aumento de preços, gargalos na produção e indústrias inteiras da Europa e dos Estados Unidos de joelhos, à espera de licenças chinesas.

Longe de ser apenas uma manobra comercial, essa decisão expõe a fragilidade estrutural das economias ocidentais, que nas últimas décadas transferiram sua capacidade produtiva para a Ásia em nome do lucro rápido e do “livre mercado”. Agora, o feitiço virou contra o feiticeiro.

Europa no fogo cruzado da hipocrisia neoliberal

A União Europeia, sempre disposta a seguir a cartilha americana, acabou atingida em cheio. No início de outubro, o governo holandês assumiu o controle da fabricante de chips Nexperia, de propriedade chinesa, sob o pretexto de “deficiências de governança” e riscos à segurança tecnológica. Pequim reagiu suspendendo as exportações dos chips produzidos na China — essenciais para 49% das montadoras europeias, 86% das empresas médicas e 95% do setor de engenharia mecânica do continente.

Ou seja: em nome da “soberania tecnológica”, a Europa colocou em risco a própria base industrial que a sustenta. É o paradoxo do liberalismo europeu — um continente que defende o “livre comércio” apenas quando ele serve aos seus interesses, mas que agora depende de um país socialista para manter suas fábricas funcionando.

O planejamento vence o improviso

Enquanto o Ocidente se perde em ciclos eleitorais e agendas ditadas por lobbies empresariais, a China age com uma coerência rara no capitalismo contemporâneo. Desde 2020, o presidente Xi Jinping deixou claro que o objetivo do país era “reduzir a dependência das cadeias produtivas internacionais em relação à China”, ou seja, fortalecer sua autonomia sem abrir mão do controle sobre os fluxos globais de produção.

O resultado é que, hoje, Pequim não precisa travar guerras abertas ou impor sanções bilionárias. Basta apertar o fluxo das terras raras, retardar embarques, exigir licenças — e o mundo industrial entra em colapso. A China transformou a lógica do “just in time”, criada pelo Ocidente para maximizar lucros, em uma ferramenta de pressão geopolítica.

Enquanto multinacionais correm para adaptar suas cadeias de suprimento, Pequim fornece os recursos “a conta-gotas”, lembrando a todos quem é o verdadeiro dono das chaves da economia global.

O impasse das potências decadentes

Tanto Washington quanto Bruxelas ainda não compreenderam que não se trata apenas de uma disputa comercial, mas de um choque entre dois modelos de civilização econômica. De um lado, o capitalismo financeiro, movido por dividendos trimestrais e pela fé cega no mercado; do outro, um Estado que planeja, coordena e protege sua indústria nacional com objetivos de longo prazo.

O Ocidente tenta impor “custos assimétricos” à China, mas descobre que não há medidas sem retorno. Sanções que antes funcionavam contra países menores agora reverberam dentro de suas próprias fronteiras. A guerra econômica entre as três maiores potências — EUA, China e União Europeia — se transforma em uma disputa de quem consegue suportar melhor o dano. E, até agora, Pequim tem mostrado uma resiliência que nenhum outro consegue imitar.

Xi Jinping não precisa se preocupar com eleições de meio de mandato, com a volatilidade da bolsa de valores ou com a opinião de fundos de investimento. Já os líderes ocidentais governam sob o terror do mercado — o mesmo mercado que eles ajudaram a libertar de qualquer regulação.

A vitória silenciosa

A chamada “vitória da China” na guerra comercial não se dá em manchetes triunfalistas ou desfiles militares. Ela se manifesta na dependência invisível que paralisa fábricas, na escassez de insumos estratégicos e no pânico silencioso dos empresários ocidentais.

O Ocidente, ao tentar conter o avanço chinês, apenas evidenciou o quanto seu poder produtivo foi corroído por décadas de desindustrialização, privatizações e submissão aos interesses financeiros. A China, ao contrário, demonstrou que o controle estatal sobre os setores estratégicos — tão demonizado pelas elites neoliberais — é exatamente o que garante soberania em tempos de crise.

No fundo, o que está em disputa não é apenas quem produz chips ou quem controla as terras raras, mas qual modelo de sociedade será capaz de sustentar o século XXI. E, neste momento, o planejamento socialista de Pequim parece estar muito mais bem preparado do que o improviso liberal de Washington e Bruxelas.

A guerra comercial continua, mas a batalha ideológica está cada vez mais clara: entre um sistema que planeja o futuro e outro que vive do passado. E, ao menos por enquanto, o futuro fala mandarim.

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