Existe um ditado popular que diz: as únicas certezas da vida são a morte e os impostos.
Poderíamos enriquecer essa máxima com um novo elemento: picos inflacionários derrubam governos, enquanto a estabilidade nos preços, em especial nos alimentos, os ajuda a se manter no poder.
O historiador Timothy Brook, em sua obra “O Preço do Colapso: A Pequena Era do Gelo e a Queda da China Ming”, documenta como a Dinastia Ming não caiu por invasão militar ou colapso político, mas porque os preços dos grãos explodiram no início do século XVII. O arroz, alimento fundamental da população chinesa, estava ficando cada vez mais caro. A inflação derrubou uma dinastia de quase 300 anos.
A história se repete. A Revolução Francesa eclodiu quando uma quebra de safra gerou uma alta desenfreada no preço do pão nas principais cidades do país em 1789. A ascensão de Hitler na Alemanha foi facilitada pela hiperinflação de 1923. Ronald Reagan venceu Jimmy Carter em 1980 porque a inflação nos EUA havia disparado para 12,7%.
Modernamente, vemos esse padrão se repetir na América Latina.
No México, sob a liderança de Claudia Sheinbaum, a inflação em 12 meses está em 3,8%, mantendo-se controlada. Essa inflação baixa é provavelmente uma das principais razões pelas quais Sheinbaum mantém uma aprovação de 74%, a maior de todo o continente americano.
Na Argentina, quando Javier Milei assumiu o poder em dezembro de 2023, a inflação estava em níveis astronômicos, acima de 200% em 12 meses. Hoje, após um ano de governo, a inflação ainda está elevada, mas em queda em relação ao passado recente. Apenas isso explica sua aprovação permanecer relativamente estável, mesmo com a devastação institucional promovida por seu governo. As feridas inflacionárias ainda não cicatrizaram no país.
No Brasil, a dinâmica não é diferente.
Quando o Lula assumiu seu terceiro mandato em janeiro de 2023, a inflação acumulada em 12 meses estava em 10,5%. Em novembro de 2025, segundo o IPCA, o principal indicador do IBGE, a inflação no Brasil ficou em 4,46%, abaixo do teto da meta de 4,5%.
Mais importante ainda é a inflação de alimentos em domicílio, ou seja, aqueles que compramos no supermercado. A inflação de alimentos em 12 meses está em 2,48%, abaixo da inflação geral. Isso significa que o trabalhador brasileiro consegue comprar mais comida com o mesmo dinheiro.
Alguns produtos alimentícios importantes, todavia, ainda mantêm inflação acumulada expressiva, o que explica a relativa dificuldade do governo de melhorar sua aprovação.
O café moído, por exemplo, mantém uma inflação acumulada de 42,79% em 12 meses. Mas é fato que vem caindo. O café chegou ao pico de 82% em maio, no acumulado de 12 meses. Desde julho vem caindo mês a mês. Em novembro, a inflação mensal do café foi de -1,36%.
Diversos produtos extremamente importantes para a dieta básica e segurança alimentar dos brasileiros apresentaram quedas de preço expressivas.
O feijão preto que tinha inflação acumulada de -1,52% em novembro de 2024 caiu para -32,94% em novembro de 2025. Para ter uma ideia da magnitude dessa queda, em julho de 2022 a inflação do feijão estava em 17,5%.
O arroz que tinha inflação acumulada de 8,24% em novembro de 2024 caiu para -25,90% em novembro de 2025. Em abril de 2022, a inflação do arroz havia atingido o pico de 12,13%.
A combinação de arroz e feijão é uma das mais importantes para a nutrição brasileira. O arroz fornece carboidratos complexos e energia, enquanto o feijão fornece proteína vegetal, fibra, ferro e outros minerais essenciais. Juntos, complementam-se nutricionalmente, oferecendo uma refeição equilibrada e acessível.
A batata-inglesa caiu 35% em novembro, no acumulado 12 meses, a maior queda entre os alimentos básicos.
Os preços das carnes também apresentaram quedas significativas nos últimos meses.
O acém que estava em 18,33% em novembro de 2024 agora está em 6,51% em novembro de 2025. Apenas alguns meses atrás, em julho de 2025, a inflação do acém havia atingido 29,64%.
A picanha que estava em 7,8% em novembro de 2024 agora está em 2,97% em novembro de 2025. Para contexto, em junho de 2021 a picanha tinha inflação de 33,69%.
O preço do frango que estava com inflação de 6,83% em novembro de 2024 agora está em 4,45%.
A tilápia, um dos peixees mais populares na dieta do brasileiro, apresentou deflacão de -4,03% no acumulado em 12 meses.
É possível correlacionar os picos de preço dos alimentos com a queda da aprovação do governo Lula entre o final do ano passado e os primeiros meses desse ano. Fevereiro e março foram os piores meses. Apesar de muitos analistas políticos observarem que a relação do eleitor com a economia já não é mais tão automática como antigamente, e que hoje fatores morais e ideológicos têm peso maior, me parece evidente que o ambiente econômico é o mais importante deles.
A inflação de alimentos e energia catalisa, para melhor ou para pior, todas as emoções populares. Se a economia vai mal, os fatores morais acabam se agravando. Se a economia vai bem, as pessoas tendem a ser mais tolerantes.
Hoje, segundo as últimas pesquisas de maior prestígio, como Datafolha, CNT/MDA, IPEC e QAES, Lula lidera as pesquisas de intenção de voto para as eleições presidenciais de 2026 com 15 a 20 pontos de vantagem no primeiro turno sobre seus principais adversários. Esse quadro poderia mudar caso a economia enfrentasse uma crise. Mas não há previsão de nada parecido. O Boletim Focus do Banco Central, que reúne entrevistas com operadores de mercado e instituições financeiras, prevê que a inflação de 2026 será ainda mais baixa que a de 2025.
Além dos alimentos, outros produtos também são muito sensíveis para as famílias brasileiras. Entre eles, os combustíveis. Eles afetam os alimentos porque aumentam o custo de transporte e distribuição. Se eventualmente víssemos o preço dos alimentos em baixa, mas o preço dos combustíveis em alta, seria possível prever que, em algum momento, o preço dos alimentos absorveria o aumento dos combustíveis. Não é o caso do Brasil. Os preços dos combustíveis estão em queda.
A gasolina que tinha inflação acumulada de 9,71% em novembro de 2024 caiu para 2,22% em novembro de 2025. O diesel que tinha inflação acumulada de 0,66% em novembro de 2024 caiu para 2,01% em novembro de 2025. O etanol que tinha inflação acumulada de 17,58% em novembro de 2024 caiu para 6,20% em novembro de 2025.
O gás de botijão que tinha inflação acumulada de 7,04% em novembro de 2024 caiu para 3,18% em novembro de 2025.
A energia elétrica residencial, por sua vez, que tinha inflação acumulada de -0,37% em novembro de 2024, subiu para 11,41% em novembro de 2025, ainda pressionando os orçamentos das famílias.
No contexto global, o Brasil está em posição intermediária. A inflação no Brasil em 12 meses está em 4,46%. A China mantém inflação de apenas 0,7%, contribuindo para a estabilidade política do governo. Nos Estados Unidos, a inflação está em 3% em 12 meses, praticamente igual à do Brasil, mas está causando desconforto e pressionando a aprovação do presidente Trump.
As pesquisas mostram que o presidente Lula hoje é muito mais aprovado entre os mais pobres do que entre as classes mais abastadas. Isso faz parte de sua mística. É um presidente cujo principal capital político é justamente sua ligação com os mais pobres.
Vale lembrar, por isso, um dos presidentes mais populares da história dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt. Em seu discurso de campanha de reeleição em 1936, no Madison Square Garden, Roosevelt mencionou os ataques que vinha recebendo das elites americanas. Ele disse: “Nunca antes em toda nossa história essas forças estiveram tão unidas contra um candidato como estão hoje […] Elas são unânimes em seu ódio por mim — e eu acolho seu ódio.” Roosevelt venceu com uma vitória esmagadora: 60,8% dos votos populares, uma das maiores da história presidencial americana.
Caso a inflação se mantenha controlada e caso o Banco Central solte um pouco as rédeas em 2026, permitindo um crescimento maior e redução do endividamento das famílias, o presidente Lula tem possibilidade de ganhar no primeiro turno, como apontam algumas pesquisas.