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Índia desafia Trump e traça seus próprios caminhos

Índia mantém firmeza diante de ameaças tarifárias dos EUA e negocia com autonomia; Índia mostra que soberania não se negocia sob ameaça, mantendo o foco na proteção de pequenos produtores e da autonomia econômica Com a promessa de tarifas pesadas sobre produtos indianos, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem tentado forçar a Índia […]

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Trump impôs tarifas pesadas à Índia. Eis por que Nova Déli não se apressou em fechar um acordo com Washington
A Índia também está buscando acordos comerciais com outros países para obter vantagem, tanto na mesa de negociações quanto na enfrentamento de choques econômicos globais / AFP

Índia mantém firmeza diante de ameaças tarifárias dos EUA e negocia com autonomia; Índia mostra que soberania não se negocia sob ameaça, mantendo o foco na proteção de pequenos produtores e da autonomia econômica


Com a promessa de tarifas pesadas sobre produtos indianos, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem tentado forçar a Índia a acelerar as negociações para um acordo comercial bilateral. No entanto, até o momento, o governo indiano demonstra que não está disposto a ceder pressa por pressa — e nem parece intimidado com as ameaças.

Na quarta-feira (23), Trump anunciou uma tarifa de 25% sobre importações da Índia, além de uma “penalidade” ainda não detalhada. A medida, segundo especialistas, faz parte de uma estratégia mais ampla do governo americano para pressionar parceiros estratégicos, como a Índia, a abriram seus mercados em troca de acesso privilegiado ao mercado norte-americano.

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Apesar disso, a Índia segue firme em suas posições. Um dos principais motivos é a necessidade de proteger setores sensíveis da economia, especialmente o agrícola, que sustenta milhões de famílias rurais e é um pilar do eleitorado do primeiro-ministro Narendra Modi.

“A Índia não vai recuar porque suas exportações para os EUA representam apenas uma parcela pequena de sua economia”, afirma Carlos Casanova, economista sênior do UBP. Em 2024, os Estados Unidos importaram US$ 87,4 bilhões em bens indianos — um volume significativo, mas que não compromete diretamente o crescimento econômico do país asiático.

O ministro do Comércio e Indústria da Índia, Piyush Goyal, reforçou essa postura em entrevista à CNBC na semana passada. Ele destacou que a abertura do mercado agrícola poderia gerar impactos negativos para os pequenos produtores locais. “Estamos sempre muito sensíveis aos interesses dos nossos agricultores, aos interesses das nossas [Micro, Pequenas e Médias Empresas] e garantiremos que as nossas áreas de preocupação estejam bem protegidas”, declarou.

Goyal também ressaltou que a Índia não negocia com base em prazos impostos por terceiros. Mesmo assim, ele afirmou estar confiante de que um acordo com os EUA será selado até outubro ou novembro deste ano.

A cautela indiana tem motivos práticos. Analistas apontam que as chamadas “linhas vermelhas” — como a resistência a concessões sobre alimentos geneticamente modificados e produtos lácteos — são claras e dificilmente serão revistas. “A Índia pode ceder um pouco, mas as chances disso não são muito grandes”, comentou Jayant Dasgupta, ex-embaixador da Índia na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Apesar das tensões, há expectativa de que as relações comerciais entre os dois países evoluam. Harsha Vardhan Agarwal, presidente da Federação das Câmaras de Comércio e Indústria da Índia, disse que espera que as tarifas impostas pelos EUA sejam uma medida de curto prazo. “Acreditamos que um acordo comercial permanente entre os dois lados será finalizado em breve”, afirmou.

Estratégia econômica de Trump: conter a China e buscar aliados

O foco de Trump em frear o avanço econômico chinês tem levado seu governo a buscar novos parceiros comerciais na Ásia. Nesse contexto, a Índia aparece como uma alternativa viável à China no setor industrial. A ideia é que o país asiático possa absorver parte da produção que atualmente está concentrada na China, ajudando os EUA a reconfigurar suas cadeias de suprimento globais.

“Os EUA têm pouco interesse em alienar a Índia. Eles veem a Índia como um parceiro forte que pode moldar o cenário Indo-Pacífico”, destacou Harsh V. Pant, vice-presidente de Estudos e Política Externa da Observer Research Foundation.

Vishnu Varathan, chefe de economia e estratégia do Mizuho Bank, complementa que a Índia pode atuar como uma ponte estratégica entre os EUA e a Ásia. “Os EUA podem controlar os segmentos mais tecnológicos da cadeia produtiva, enquanto a Índia contribui com mão de obra mais barata e qualificada”, explica.

Essa divisão de papéis pode ajudar os Estados Unidos a reduzirem a dependência da China, ao mesmo tempo em que fortalecem sua influência na região.

BRICS: balança diplomática e poder de barganha

A Índia também tem se beneficiado de sua posição dentro do BRICS — bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, com o objetivo de desafiar o domínio ocidental nas instituições econômicas globais. A participação no grupo dá a Nova Déli uma certa margem de manobra nas negociações com os EUA.

Em julho, Trump ameaçou aplicar tarifas adicionais de 10% a países que apoiassem o que chamou de “políticas antiamericanas do BRICS”. A declaração coincidiu com a visita oficial de Narendra Modi ao Brasil para a cúpula do bloco.

Mais tarde, em 18 de julho, o presidente americano reafirmou sua postura: “Se o BRICS se formar de uma forma significativa, nós vamos atacá-lo muito, muito duramente”, disse ele, reforçando que “nunca podemos deixar ninguém brincar conosco”.

Apesar das críticas, membros do BRICS negam que o grupo esteja planejando criar uma moeda de reserva alternativa ao dólar. No entanto, essa possibilidade tem sido usada como uma moeda de troca nas negociações. Vishnu Varathan sugere que a Índia poderia usar essa narrativa a seu favor, convencendo Trump de que não apoia tal iniciativa. “Isso pode fazer com que os EUA tratem a Índia de forma mais favorável, por vê-la como aliada”, afirma.

Plano B: diversificação comercial como estratégia

Enquanto as conversas com os EUA seguem em andamento, a Índia tem investido em uma estratégia de múltiplos alinhamentos. Recentemente, selou um acordo comercial com o Reino Unido, que serviu como modelo de negociação assertiva e protecionista. O texto do acordo prevê proteção às áreas mais sensíveis da economia indiana, especialmente no setor agrícola.

“O acordo com o Reino Unido deu o tom para todas as potências ocidentais de que a Índia está pronta para negociar em seus próprios termos”, avalia Sameep Shastri, vice-presidente da Câmara de Comércio e Indústria do BRICS.

Além disso, a Índia está em negociações avançadas com a União Europeia, as Maldivas e outros parceiros estratégicos. Sarang Shidore, diretor do programa do Sul Global no Instituto Quincy, destaca que essa abordagem vai além de uma simples tática defensiva. “A Índia está se posicionando como uma potência global que defende o multilateralismo e o Sul Global”, afirma.

Essa estratégia de diversificação não apenas fortalece a posição da Índia nas negociações com os EUA, mas também reduz os impactos de choques econômicos globais. Tarifas mais altas ou exigências excessivas dos americanos podem ser compensadas com acordos mais favoráveis em outros mercados.

Diante de ameaças e pressões, a Índia tem mostrado que não está disposta a abrir mão de seus interesses nacionais em troca de um acordo comercial apressado. Com uma economia em ascensão, uma posição estratégica no Indo-Pacífico e uma diplomacia cada vez mais assertiva, o país asiático tem condições de negociar com firmeza — e em seus próprios termos. E, para os Estados Unidos, a parceria com a Índia pode ser mais valiosa do que qualquer tarifa.

Acordo “histórico” entre Reino Unido e Índia deve impulsionar comércio bilateral em mais de US$ 34 bi por ano

Londres – Em um momento marcado por tensões comerciais globais e ameaças tarifárias vindas dos Estados Unidos, Índia e Reino Unido deram um passo decisivo rumo a uma nova era de parceria econômica. Na quinta-feira (24), os líderes dos dois países assinaram um acordo de livre comércio considerado “histórico”, com potencial para aumentar o comércio bilateral em mais de US$ 34 bilhões por ano até 2040.

O encontro ocorreu na residência oficial do primeiro-ministro britânico, em Chequers, localizada em Aylesbury, Inglaterra. O primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, e o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, caminharam lado a lado pelos jardins históricos da propriedade antes da cerimônia oficial de assinatura do pacto.

Tratado como o acordo comercial mais significativo assinado pelo Reino Unido desde o Brexit, o FTA (Free Trade Agreement, em inglês) encerra três anos de negociações intensas e cheias de desafios. As partes tiveram de lidar com questões complexas, como acesso a vistos, tarifas e incentivos fiscais, especialmente em um cenário internacional cada vez mais instável.

Benefícios para ambos os lados

Segundo estimativas oficiais, o acordo deve aumentar o comércio bilateral em 25,5 bilhões de libras (cerca de US$ 34 bilhões) ao ano até 2040. Em 2024, o intercâmbio comercial entre os dois países já havia ultrapassado a marca de 40 bilhões de libras.

“Este é um acordo que trará enormes benefícios para ambos os países, aumentando salários, elevando os padrões de vida e reduzindo os preços para os consumidores”, afirmou Starmer durante o evento.

Modi, por sua vez, elogiou o pacto como “um modelo para nossa prosperidade compartilhada”. Ele destacou que produtos indianos como têxteis, joias, itens agrícolas e produtos de engenharia terão acesso facilitado ao mercado britânico, um dos mais importantes do mundo.

O acordo prevê que até 99% dos produtos indianos exportados para o Reino Unido fiquem isentos de tarifas. Do outro lado, 92% dos produtos britânicos enviados à Índia terão tarifas reduzidas ou eliminadas. Atualmente, os produtos do Reino Unido pagam uma taxa média de 14,6% ao entrar na Índia, enquanto os indianos enfrentam uma tarifa média de 4,2% ao exportar para o Reino Unido.

Setores estratégicos em foco

Entre os setores que mais se beneficiarão do acordo estão o têxtil, automobilístico, de bebidas alcoólicas e de joias. Tarifas sobre o uísque escocês e o gin britânico serão reduzidas pela metade, passando de 150% para 75%, e devem cair ainda mais, chegando a 40% na próxima década. Já as tarifas sobre conhaque e rum britânicos serão reduzidas de 150% para 110% inicialmente, e depois para 75%.

No setor automobilístico, os impostos sobre veículos britânicos serão reduzidos para 10% dentro de cinco anos, sob um sistema de cotas. Atualmente, esses produtos enfrentam tarifas que chegam a 110%.

“O acordo oferece benefícios específicos aos produtos indianos que antes enfrentavam altas tarifas ou barreiras regulatórias”, afirmou Dhiraj Nim, economista do ANZ Bank. Segundo ele, o pacto representa uma “vitória estratégica” para a diplomacia comercial de Nova Déli.

Incentivos além das tarifas

Além da redução de impostos, o acordo inclui medidas que beneficiam trabalhadores indianos temporários no Reino Unido. Por três anos, eles e seus empregadores estarão isentos do pagamento de contribuições previdenciárias — uma medida que deve facilitar a contratação de profissionais indianos em setores como tecnologia, saúde e educação.

Essa flexibilização visa também fortalecer os laços entre os dois países, que compartilham uma história comum e uma forte conexão cultural, especialmente pela diáspora indiana no Reino Unido.

Impulso para a economia britânica

O impacto econômico do acordo também será sentido no Reino Unido. O governo britânico estima que o FTA aumentará a produção econômica do país em 4,8 bilhões de libras (US$ 6,5 bilhões) por ano. Em 2024, o PIB do Reino Unido foi de 2,85 trilhões de libras.

O superávit comercial da Índia com o Reino Unido cresceu significativamente nos últimos dois anos e pode aumentar ainda mais no curto prazo, à medida que as barreiras comerciais forem derrubadas. No entanto, economistas acreditam que, com o tempo, o aumento nas exportações britânicas — especialmente de automóveis, bebidas alcoólicas e máquinas — ajudará a equilibrar a balança comercial entre os países.

“É difícil dizer exatamente em que direção o superávit irá, mas o volume geral de comércio certamente aumentará”, afirmou Dhiraj Nim.

Um modelo para outras negociações

O acordo com o Reino Unido serve como um modelo para as futuras negociações da Índia com outros parceiros estratégicos, incluindo os Estados Unidos. Especialistas destacam que o FTA demonstra a disposição de Nova Déli para negociar com firmeza, protegendo seus interesses enquanto abre espaço para benefícios mútuos.

“Este acordo dará um tom a todas as potências ocidentais de que a Índia está pronta para negociar em seus próprios termos. E este pacto representa uma grande voz, um grande apoio”, disse Sameep Shastri, vice-presidente da Câmara de Comércio e Indústria do BRICS, em entrevista ao programa Inside India da CNBC.

A pressão está ligada. A Índia corre contra o tempo para selar um acordo com os EUA antes de 1º de agosto, quando tarifas adicionais de 26% sobre produtos indianos devem entrar em vigor, como parte da estratégia comercial do presidente Donald Trump.

Um novo capítulo nas relações internacionais

Com esse acordo, a Índia reforça sua posição como parceira comercial estratégica para as principais economias do mundo. Para o Reino Unido, o FTA é uma vitória diplomática em um momento crucial pós-Brexit, quando o país busca novos aliados comerciais fora da União Europeia.

Já para os Estados Unidos, o movimento indiano pode funcionar como uma alavanca nas negociações. “O acordo com a Índia ofereceu uma alavancagem substancial em relação aos EUA”, afirmou Alicia Garcia Herrero, economista-chefe do Natixis Bank.

Em meio a ameaças tarifárias e disputas comerciais globais, o FTA entre Índia e Reino Unido demonstra que, com diálogo e compromisso, é possível construir parcerias vantajosas para todos os lados — mesmo em tempos de incerteza.

Com informações da CNBC*

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