De item lúdico a objeto de desejo, o personagem criado por Kasing Lung redefine o que significa exclusividade no universo fashion
O que antes era apenas um brinquedo de caixa surpresa de US$ 27 agora movimenta cifras de luxo. As bonecas Labubu, criadas pelo artista Kasing Lung, deixaram de ser simples colecionáveis para se tornarem um dos acessórios mais desejados no universo fashion — e as grandes maisons perceberam o potencial.
O monstrinho de aparência fofa e ao mesmo tempo desajeitada, com orelhas de coelho e dentes tortos, já se transformou em ícone de status. Celebridades como Lisa, integrante do Blackpink, exibem seus Labubus lado a lado com bolsas da Louis Vuitton e Hermès, provando que o boneco não é apenas um item lúdico, mas também uma extensão do estilo de luxo contemporâneo.
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O apelo do personagem ganhou tanta força que hoje movimenta valores muito acima de seu preço original. Em junho, uma coleção especial com 14 Labubus personalizados — incluindo colaborações da Carhartt e da marca japonesa Sacai — arrecadou US$ 337.500 em leilão, com uma única peça sendo arrematada por US$ 31.250. No universo dos acessórios, os chamados “Lablingblings”, versões incrustadas de cristais criadas pela A-Morir, podem custar cerca de US$ 500 e levam até seis semanas para chegar às mãos dos compradores, como revelou a campeã de tênis Naomi Osaka, fã declarada da peça.
E as novidades não param por aí. Em poucas semanas, a maison parisiense Moynat lançará uma coleção exclusiva com bolsas de lona monogramadas a partir de US$ 2.150, além de pingentes de bolsa de US$ 450. O projeto inclui ainda outros personagens do universo de Lung, reforçando a conexão da grife francesa de 176 anos com a cultura pop contemporânea.
Esse movimento não é isolado. O mercado de luxo tem abraçado personagens icônicos para dialogar com consumidores mais jovens e antenados. Marcas como Tiffany, Loewe e Omega já apostaram em figuras como Pikachu, Totoro e até Snoopy. Os resultados impressionam: o relógio Speedmaster “Silver Snoopy” de 2015, vendido originalmente por US$ 7.350, hoje pode atingir quase US$ 38.000 no mercado secundário, segundo a WatchCharts. Já as duas coleções da Jimmy Choo com Sailor Moon esgotaram em tempo recorde. Outras casas seguem criando seus próprios mascotes, como a Louis Vuitton, que lançou neste ano o “Louis Bear”, pingente de pelúcia para bolsas.
Segundo Jeff Lindquist, sócio do Boston Consulting Group, a tendência não é passageira. Ele explica que o apelo da fofura ultrapassa o óbvio. “Ser fofo não é trivial. É estratégico. Funciona incrivelmente bem em plataformas como o TikTok, onde viralidade e relevância cultural impulsionam a visibilidade e a desejabilidade das marcas”, afirmou à CNBC.
Na Moynat, a aposta vai além do hype. Bertrand Le Gall, diretora de imagem e comunicação da maison, acredita que colaborações como a com Lung ajudam a manter a tradição viva sem perder conexão com o presente. “Os elementos fofos, embora tenham um profundo valor artístico e de design, acho que estamos explorando o valor emocional de tudo. Esse valor é muito importante quando se trata de uma casa como a nossa, com um legado e um histórico tão longos.”
No fim, o Labubu mostra que luxo também pode ser divertido, lúdico e até excêntrico — desde que carregue consigo a aura de exclusividade. O monstrinho que nasceu como brinquedo de caixa surpresa hoje é protagonista de um fenômeno global que une cultura pop, moda e desejo.
O “elemento de fofura” que conquista a Geração Z

Mais do que um objeto de desejo, o Labubu tornou-se um reflexo de comportamento. Segundo Jeff Lindquist, do Boston Consulting Group, os jovens consumidores da Geração Z buscam valor emocional acima de tudo — e isso explica por que monstrinhos sorridentes podem hoje rivalizar em relevância com bolsas clássicas ou joias atemporais.
A inflação e a instabilidade econômica fizeram com que muitos reduzissem gastos em itens tradicionais de luxo. Mas, em vez de se afastarem do setor, eles passaram a procurar produtos que dialoguem diretamente com identidade, crenças e estilo de vida. “A Geração Z vê o luxo menos como artesanato, arte e status e mais como espelhos de suas identidades e crenças”, disse Lindquist.
Daniel Langer, professor de estratégia de luxo na Pepperdine University, compara o apelo dos personagens ao das próprias celebridades: eles carregam narrativas, simbolizam universos e atraem fãs fiéis. Para ele, parte da mágica está justamente na “emoção da caça”. O colecionador que encontra um Labubu raro ou consegue garantir uma peça de edição limitada tem uma história para contar — e essa experiência pessoal é tão valiosa quanto o objeto em si. Não por acaso, a coleção da Moynat não será vendida online e seguirá um cronograma exclusivo: de 11 de outubro até o início de 2026, apenas uma loja da grife por vez receberá os produtos.
Langer fala por experiência própria. Ele relembra a saga para conseguir um Labubu autêntico e acessível para presentear sua filha. “Foi uma grande empreitada”, descreveu.
Oportunidade ou risco?
Para especialistas, colaborações como essa oferecem às marcas um espaço para arriscar. Alexander Thiel, consultor e ex-líder do setor de bens de consumo da McKinsey na Suíça, explica: “As colaborações dão a você uma licença aos olhos do consumidor para fazer algo que, de outra forma, seria inesperado para sua marca e, portanto, abri-la para um novo público.”
Mas nem tudo é garantia de sucesso. Thomai Serdari, professora de marketing da Universidade de Nova York, alerta que nem todas as marcas podem se aventurar nesse terreno. A Loewe, por exemplo, acertou ao abraçar personagens do Studio Ghibli, como Totoro, em três coleções de grande sucesso. No entanto, uma marca com perfil mais tradicional provavelmente não teria a mesma recepção. “No caso da Loewe, fez todo o sentido, porque eles fizeram uma mudança intencional de algo muito discreto e muito tradicional, de luxo silencioso, antes da aquisição pela LVMH. Então, dentro do portfólio da LVMH, eles se tornaram a criança criativa, a marca menor que experimenta e é divertida”, disse Serdari.
Ela ainda faz um alerta: perseguir tendências pode ser perigoso. Fenômenos como a “Labubumania” podem desaparecer tão rápido quanto surgiram.
O impacto no mercado e o futuro incerto
A Pop Mart, fabricante oficial dos Labubus, já sente os efeitos dessa volatilidade. As ações da companhia caíram cerca de 21% desde o pico em agosto, refletindo preocupações de analistas sobre a possível perda de fôlego da febre. Apesar disso, os papéis ainda acumulam alta próxima a 200% no ano, e muitos analistas seguem otimistas. Para Lina Yan, do HSBC, ainda é cedo para falar em esgotamento. Ela lembra que as primeiras grandes colaborações internacionais — como a com a Coca-Cola, em 2024 — começaram há pouco tempo.
“A oferta e a demanda de Labubus não oscilarão 180 graus”, escreveu Yan em relatório. “Acreditamos que é muito cedo para prever um pico.”
O futuro do Labubu pode ser incerto, mas especialistas concordam que o fenômeno diz muito sobre os tempos atuais. Thiel acredita que o apelo do boneco, assim como de outros acessórios “fofos”, reflete um desejo coletivo por leveza diante das incertezas econômicas e sociais. “Vemos que há muita ansiedade e muita incerteza, não apenas nas camadas socioeconômicas que enfrentam dificuldades financeiras, mas em todos os níveis. Acho que não é surpreendente que haja um certo apego à integridade e a esse elemento de fofura. Acho que isso fala de algo mais profundo.”
No fim das contas, o Labubu vai além do modismo: ele representa um escape emocional, um símbolo cultural e, acima de tudo, um lembrete de que, até mesmo no universo do luxo, a fofura pode ser um ativo poderoso.


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