Moscou reage a ameaças de Zelensky sobre “abrigos antibombas” e afirma que Ucrânia perde espaço na guerra
O clima de tensão entre Moscou e Kiev voltou a ganhar força neste domingo (28), após declarações incisivas do presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskiy. Em entrevista ao site norte-americano Axios, o líder ucraniano sugeriu que autoridades do Kremlin deveriam estar atentas e saber exatamente onde ficam os “abrigos antiaéreos”, insinuando que centros de poder da Rússia poderiam se tornar alvos de ataques.
A resposta russa veio de imediato. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, classificou a fala de Zelenskiy como uma tentativa de transmitir coragem aos países europeus que apoiam financeiramente e militarmente a Ucrânia. “Zelenskiy está tentando demonstrar aos europeus, que agora agem como provedores, que ele é um soldado muito corajoso”, declarou Peskov em entrevista à televisão estatal.
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Segundo o porta-voz, no entanto, a realidade do campo de batalha mostra um cenário desfavorável para Kiev. “A cada dia que passa, a situação da Ucrânia se deteriora inexoravelmente. E a cada dia as posições de negociação da Ucrânia se deterioram inexoravelmente”, afirmou.
Os números reforçam a visão russa. Atualmente, Moscou controla aproximadamente 114.918 km² do território ucraniano — o equivalente a 19% do país — e expandiu esse domínio em 4.729 km² somente no último ano, de acordo com dados do DeepState, projeto de mapeamento pró-ucraniano.
Questionado sobre como o Kremlin reagiria diante de um ataque direto contra seus centros de comando, como o próprio complexo do governo russo em Moscou, Peskov foi evasivo. “É melhor nem falar sobre isso”, respondeu, deixando no ar a gravidade de um possível cenário de escalada militar.
Não é a primeira vez que o Kremlin se vê diante de uma acusação desse tipo. Em maio de 2023, Moscou denunciou uma tentativa de ataque com drones contra sua sede. Na ocasião, o presidente Vladimir Putin não estava presente no edifício, mas o episódio acendeu o alerta sobre a vulnerabilidade da capital russa a ofensivas de longo alcance.
As falas de Zelenskiy, somadas à resposta dura do Kremlin, evidenciam que a guerra, já marcada por intensas perdas humanas e destruição em larga escala, continua se desdobrando também no campo simbólico e psicológico. Enquanto a Ucrânia busca reafirmar sua resistência e atrair ainda mais apoio internacional, a Rússia insiste em mostrar que avança no terreno e que, em sua narrativa, a balança de poder está cada vez mais inclinada a seu favor.
Ataque em larga escala
Na madrugada deste domingo, Moscou intensificou o conflito com uma ofensiva considerada uma das maiores da guerra. Segundo Zelenskiy, mais de 600 drones e mísseis foram lançados contra alvos em todo o território ucraniano. Pelo menos quatro pessoas morreram em Kiev, incluindo uma menina de 12 anos.
As autoridades locais informaram ainda que 42 pessoas ficaram feridas na capital e em sua região, enquanto outras 31 sofreram ferimentos em Zaporizhzhia, no sul do país. Parte dos drones seguia sendo abatida sobre Kiev já pela manhã, em meio a uma névoa de fumaça que encobria a cidade.
A Força Aérea da Ucrânia classificou o bombardeio como o terceiro maior desde fevereiro de 2022. O balanço aponta que a Rússia disparou 595 drones e 48 mísseis, entre eles dois balísticos e sofisticados mísseis de cruzeiro. As defesas ucranianas conseguiram neutralizar a maioria dos drones e interceptar 43 mísseis de cruzeiro.
O ataque deixou marcas profundas na capital. O Instituto de Cardiologia de Kiev foi atingido, resultando em duas mortes, segundo o governo. O chefe de gabinete presidencial, Andriy Yermak, chamou os bombardeios de “guerra contra civis”.
Escalada internacional
O impacto da ofensiva ultrapassou fronteiras. Na Polônia, caças foram enviados para proteger o espaço aéreo do país após os ataques, em uma medida considerada preventiva diante de recentes incursões de drones russos próximos à fronteira. “Essas medidas visam proteger o espaço aéreo e os cidadãos”, informou o exército polonês.
Zelenskiy, por sua vez, usou o episódio para reforçar seu apelo internacional. “Este ataque vil ocorreu praticamente no final da semana da Assembleia Geral da ONU, e é exatamente assim que a Rússia declara sua real posição”, afirmou.
A Ucrânia recebeu recentemente de Israel um sistema de defesa antimísseis Patriot e aguarda mais dois da Alemanha ainda este ano, considerados cruciais para a proteção de suas cidades.
Enquanto Moscou confirma que o alvo de seus ataques foram “indústrias militares e aeródromos”, Kiev aposta no fortalecimento de suas próprias capacidades ofensivas de longo alcance, direcionando esforços contra a infraestrutura energética russa.
Apoio dos EUA e promessa de “vitória”
Paralelamente, a diplomacia ucraniana se move em ritmo acelerado. Zelenskiy revelou neste sábado (27) que avançou em um “megaacordo” com os Estados Unidos para a compra de sistemas de armas, avaliado em US$ 90 bilhões. A negociação foi discutida em encontro recente com o presidente americano, Donald Trump.
“Discutimos as principais questões, concordamos com elas e agora estamos avançando para a implementação prática”, disse Zelenskiy. Após a reunião, Trump afirmou que Kiev agora está em condições de “lutar e VENCER” a guerra, incluindo a retomada de todos os territórios ocupados pela Rússia — um tom muito mais firme do que declarações anteriores em que cogitava concessões territoriais como parte de um cessar-fogo.
O impasse
A escalada deste fim de semana reforça o impasse do conflito, que já ultrapassa dois anos sem sinais concretos de trégua. Enquanto Moscou insiste em exibir superioridade territorial e militar, Kiev busca consolidar apoio internacional para resistir e contra-atacar.
Entre ameaças, bombardeios e negociações, a guerra na Ucrânia segue em um ponto crítico: cada novo ataque amplia o rastro de destruição e, ao mesmo tempo, alimenta a disputa de narrativas entre os dois lados.


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