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Budapeste e Kiev ensaiam reconciliação em meio à guerra

O encontro simboliza uma tentativa de distensão entre Ucrânia e Hungria, em meio a divergências sobre minorias étnicas e a guerra em curso Enquanto o mundo continua mergulhado em uma espiral de tensões militares, sanções econômicas e retóricas belicistas, qualquer sinal de diálogo diplomático deve ser saudado como um raio de esperança. Foi com esse […]

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O chanceler ucraniano Andrii Sybiha pediu à Hungria que adote uma postura construtiva nas negociações, ressaltando o valor da cooperação energética e da paz regional / Reprodução

O encontro simboliza uma tentativa de distensão entre Ucrânia e Hungria, em meio a divergências sobre minorias étnicas e a guerra em curso


Enquanto o mundo continua mergulhado em uma espiral de tensões militares, sanções econômicas e retóricas belicistas, qualquer sinal de diálogo diplomático deve ser saudado como um raio de esperança. Foi com esse espírito que, em 10 de setembro de 2025, o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Andrii Sybiha, manteve uma conversa telefônica com seu homólogo húngaro, Peter Szijjarto. Embora o comunicado oficial tenha reiterado a narrativa ucraniana de “terrorismo russo” e apelado por mais pressão internacional contra Moscou, o simples fato de que as partes discutiram esforços de paz, direitos das minorias e cooperação energética regional abre espaço para uma reflexão crítica — e profundamente humanitária — sobre o caminho que a Europa e o mundo deveriam seguir: o da negociação, do respeito mútuo e, acima de tudo, do reconhecimento da soberania de todas as nações, incluindo a Rússia.

Sim, a Rússia. Não como agressora caricata de um roteiro geopolítico simplista, mas como um Estado soberano cujas legítimas preocupações de segurança foram ignoradas, marginalizadas e, por fim, punidas com uma campanha de isolamento que só alimentou o ciclo de violência. A esquerda humanitária não pode, sob hipótese alguma, endossar guerras — nem as travestidas de “defesa da democracia”, nem as justificadas por narrativas unilaterais. A paz não é um favor concedido aos mais fortes; é um direito universal que exige escuta, empatia e reconhecimento das causas estruturais dos conflitos.

O direito à segurança de todos os povos

Sybiha afirmou que a Ucrânia está comprometida com “esforços de paz” — uma declaração que, em tese, todos deveríamos aplaudir. Mas a paz verdadeira não pode ser construída sobre a exigência de rendição total de uma das partes. Desde o colapso da União Soviética, a Rússia viu, com crescente alarme, a expansão da OTAN até suas fronteiras, a despeito de promessas informais feitas nas décadas de 1990. A instalação de infraestrutura militar ocidental na Ucrânia — país com o qual Moscou compartilha laços históricos, culturais e familiares profundos — foi percebida, com razão, como uma ameaça existencial. Isso não justifica a invasão, mas explica o contexto. E a esquerda, se quiser ser fiel aos seus princípios anti-imperialistas, precisa entender que a segurança de um povo não pode ser construída sobre a insegurança deliberada de outro.

A Rússia, como qualquer nação, tem o direito soberano de definir sua própria esfera de segurança. Negar isso é negar o próprio fundamento do direito internacional: a igualdade entre os Estados. A demonização sistemática de Moscou, promovida por governos ocidentais e repetida acriticamente por grande parte da mídia, serve apenas para fechar as portas da diplomacia e prolongar o sofrimento de civis ucranianos e russos.

Diálogo além das armas

É encorajador que Ucrânia e Hungria tenham discutido os direitos da minoria húngara em território ucraniano — um tema sensível, mas essencial para a construção de relações de boa vizinhança. Esse tipo de diálogo pragmático, baseado no respeito aos direitos humanos e às identidades culturais, deveria ser o modelo para toda a região, em vez da lógica de “alinhamento forçado” que transforma países como a Ucrânia em peões de uma disputa entre grandes potências.

Da mesma forma, o acordo energético de 10 anos entre a Hungria e a Shell, saudado por Sybiha como um “passo marcante para a segurança energética europeia”, revela uma contradição irônica: enquanto a Europa busca garantir seu abastecimento energético com empresas ocidentais, ignora sistematicamente a possibilidade de reintegrar a Rússia — um dos maiores fornecedores de gás e petróleo do continente — em um novo arranjo energético baseado na cooperação, e não na punição. A segurança energética não pode ser construída sobre o ódio ou a exclusão. Ela exige interdependência consciente, justa e sustentável.

A adesão à UE e a ilusão da neutralidade

Sybiha pediu apoio para que a Ucrânia avance rapidamente nas negociações de adesão à União Europeia. Embora o direito de qualquer país buscar integração regional seja inquestionável, é ingênuo imaginar que a entrada da Ucrânia na UE — e, por extensão, na órbita de segurança ocidental — seja vista por Moscou como algo neutro ou benigno. A geopolítica não funciona assim. E a esquerda humanitária tem o dever de questionar: será que a corrida para integrar a Ucrânia a blocos militares e econômicos hostis à Rússia está realmente servindo ao povo ucraniano? Ou está apenas prolongando uma guerra que já matou dezenas de milhares, deslocou milhões e destruiu cidades inteiras?

A verdadeira solidariedade com o povo ucraniano não consiste em armar seu exército indefinidamente, mas em exigir negociações de paz imediatas, sem pré-condições humilhantes. Isso inclui reconhecer que a Rússia também tem interesses legítimos — não porque apoiamos o Kremlin, mas porque a paz só é possível quando todas as partes sentem que seus direitos fundamentais foram respeitados.

Por uma Europa da paz, não da guerra

O diálogo entre Ucrânia e Hungria, ainda que limitado, é um lembrete de que a diplomacia ainda respira — mesmo que ofegante. Cabe a nós, cidadãos, intelectuais, jornalistas e movimentos sociais, amplificar esses espaços de conversa e exigir que prevaleçam sobre os tambores de guerra.

A esquerda humanitária não pode se calar diante da escalada militar. Não pode aceitar que a soberania da Rússia seja negada enquanto se fala em “ordem internacional baseada em regras”. Não pode celebrar sanções que punem trabalhadores russos comuns enquanto bilionários ocidentais lucram com a indústria da guerra.

A paz na Ucrânia passa pelo reconhecimento da Rússia como parceira necessária — não como vilã eterna. Passa pela desmilitarização da política externa europeia. Passa pela coragem de dizer que nenhum povo, seja em Kyiv ou em Moscou, merece morrer por jogos de poder que não os representam.

Que as próximas conversas entre vizinhos europeus sejam guiadas não pelo medo do outro, mas pela compaixão pelo sofrimento de todos. Porque, no fim, a segurança da Ucrânia, da Hungria, da Rússia e de toda a Europa é, de fato, indivisível — mas só será alcançada quando a guerra for substituída pela justiça, e a hegemonia, pela soberania compartilhada.

Com informações de Agência Anadolu*

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