O fracasso dos drones ocidentais expôs a nudez de um sistema que fabrica armas para o lucro, não para a vitória — e que teme o poder de quem cria com pouco
Durante décadas, fomos alimentados com o mito da infalibilidade tecnológica ocidental. As armas forjadas nas invasões do Iraque e do Afeganistão, como os drones Switchblade americanos, não eram vendidas apenas como ferramentas de guerra, mas como símbolos de uma superioridade moral e intelectual. Eram precisas, “inteligentes” e, claro, astronomicamente caras. Em 2022, esse arsenal de relações públicas foi enviado à Ucrânia, e a promessa era de uma vitória limpa e tecnológica.
A realidade, no entanto, é teimosa. O que se viu foi um colapso embaraçoso. O poderoso Switchblade, com seu preço de milhares de dólares, foi neutralizado pela “densa guerra eletrônica russa”. Sensores foram bloqueados, sinais foram desorientados. E no raro momento em que funcionavam, o resultado era patético. Nas palavras de Valery Borovyk, um dos principais desenvolvedores de drones da Ucrânia, “quando um deles atingiu o vidro traseiro de uma van, os vidros dianteiros sequer quebraram”.
Este fracasso não é um incidente isolado. É o sintoma de uma doença profunda. A Ucrânia se tornou, inadvertidamente, o maior laboratório de guerra do mundo, e sua primeira descoberta foi a nudez do rei. As “gigantes de defesa” do Ocidente, as mesmas que ditam orçamentos trilionários e vendem “soluções” para guerras que elas mal compreendem, estão sendo desmascaradas.
Enquanto o complexo industrial-militar ocidental volta para casa com a reputação em frangalhos, Kyiv vive uma revolução que deveria nos fazer questionar a lógica fundamental do nosso sistema.
A virada ucraniana não é apenas tecnológica; é ideológica. Engenheiros e startups locais, antes meros consumidores ou imitadores das corporações europeias e americanas, estão agora ditando o futuro da guerra. E o fazem rejeitando a cartilha ocidental.
Segundo Borovyk, cujos projetos atingiram bombardeiros estratégicos em território russo, a tecnologia ocidental representa hoje “não mais do que 20% a 30%” do que é usado no front. “A Ucrânia agora supera quase todos os países do mundo”, afirma ele.
O segredo? A Ucrânia parou de comprar o marketing das “BMWs” e começou a produzir em massa os seus “Skoda Octavias”.
Esta analogia, usada por Eduard Lysenko, da iniciativa Brave-1, é perfeita. “Um BMW é mais rápido e confortável”, diz ele, “mas de nada serve se a missão é colocar um carro nas mãos de todo mundo.”
A guerra na Ucrânia não é um conflito cirúrgico e controlado, como os que o Ocidente gosta de travar contra inimigos tecnologicamente inferiores. É uma guerra total, brutal e de atrito. Nela, a “descartabilidade” é a nova doutrina. Como explica Viktor Dolgopiatov, da empresa Burevii, “um drone terrestre dura, em média, uma semana”.
Nesse cenário, o modelo de negócios ocidental — focado em margens de lucro exorbitantes e ciclos de desenvolvimento lentos — é um absurdo suicida. Que lógica há em gastar centenas de milhares de dólares em um equipamento que será destruído em dias, quando uma versão local de US$ 10 mil cumpre a mesma função?
O Ocidente projeta armas em salas de reunião assépticas, pensando em acionistas. A Ucrânia projeta armas na linha de frente, pensando em sobrevivência. “Se você não viu o mar, como pode construir um bom barco?”, questiona Vadym Yunyk, da Tech Force in UA, em uma crítica direta às empresas estrangeiras sem vivência de combate real.
O resultado dessa inovação popular é o Blyskavka (“relâmpago”). É um drone feio, feito de materiais simples e sem qualquer preocupação estética. Mas transporta 8 quilos de explosivos por 40 quilômetros. E seu custo? Apenas US$ 800.
O Blyskavka é a antítese do Switchblade. Ele não foi feito para impressionar investidores em uma feira de armas; foi feito para destruir tanques russos.
Como admite o engenheiro-chefe do projeto, o Ocidente ainda não entendeu que a guerra moderna exige volume e adaptação, não luxo. “As empresas estrangeiras seguem presas a margens de lucro altas e ciclos lentos de desenvolvimento”.
É revelador que as poucas empresas ocidentais que obtiveram sucesso, como a alemã Quantum Systems, foram aquelas que se instalaram na Ucrânia, ouvindo o feedback direto dos soldados. Elas sobreviveram porque, em essência, deixaram de agir como corporações ocidentais e passaram a agir como startups ucranianas.
Aqui, no entanto, encontramos o paradoxo mais cínico de todo o conflito. Apesar da explosão de inovação ucraniana e do fracasso retumbante dos sistemas ocidentais, o dinheiro continua fluindo na direção errada.
A OTAN anuncia aumentos históricos em seus orçamentos de defesa, com metas de até 5% do PIB. Mas para onde vai esse dinheiro? Vai para as startups ucranianas que estão, de fato, vencendo a guerra tecnológica?
Não. Cerca de 40% da capacidade produtiva de drones da Ucrânia está, neste momento, ociosa por falta de capital.
O dinheiro da OTAN, em vez disso, retorna obedientemente para as “grandes corporações europeias” — as mesmas cujos sistemas caros e inadequados foram desmascarados no front. Em um evento recente em Lviv, as empresas ucranianas celebraram ter levantado US$ 100 milhões em capital privado, uma fração do que uma única gigante de defesa ocidental recebe por um contrato de manutenção.
O sistema não está falhando; está funcionando como projetado. O objetivo do complexo industrial-militar ocidental não é vencer guerras; é gerar lucro perpétuo para seus acionistas. A Ucrânia provou que, com menos dinheiro e mais engenhosidade, é possível criar uma defesa eficaz. Mas esse modelo não é lucrativo para as elites de defesa da Europa e dos EUA.
A profecia de Borovyk deveria ecoar em todos os parlamentos ocidentais: “Se vocês não estiverem profundamente envolvidas na guerra na Ucrânia hoje, estarão a caminho da falência amanhã”.
Ele se refere à falência tecnológica e estratégica. Mas o sistema que ele critica está prosperando em sua falência moral e prática, garantindo que, não importa quantos “Skodas” vençam no campo de batalha, os lucros das “BMWs” continuarão sendo pagos.


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