Na COP, o mundo observará o Brasil como exemplo vivo de que a Amazônia pode ser salva ou perdida, dependendo de política e investimento
É uma ironia quase cruel: para descobrir como proteger as florestas tropicais do planeta, os olhos se voltam para o país que mais as destruiu no último ano — o Brasil. Em 2024, o país registrou a maior perda de floresta tropical do mundo, impulsionada por incêndios devastadores. No entanto, é justamente nesse território que uma estratégia complexa de combate ao desmatamento mostra que a reversão é possível. Um equilíbrio delicado entre sucesso e fracasso que será examinado na Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP), a ser realizada no país no próximo mês. As expectativas são enormes, assim como a tensão.
A urgência da situação é visível até do espaço. No ano passado, o planeta perdeu 67 mil km² de floresta tropical virgem — quase o tamanho da Irlanda e quase o dobro do que foi desmatado em 2023. A promessa global, firmada na COP de 2021, de zerar o desmatamento até 2030, parece cada vez mais distante. O ritmo da destruição, apesar de pequenas oscilações, manteve-se estagnado na última década.
Continuar a desmatar florestas tropicais é uma loucura econômica e social. Estudos de 2023 estimam que os custos sociais do desmatamento na Amazônia, incluindo o agravamento da crise climática, são 30 vezes maiores que os lucros obtidos com a criação de gado na mesma área.
O problema é um desequilíbrio perverso: os lucros ficam nas mãos de poucos, enquanto os impactos catastróficos atingem a população mundial inteira. Fazer a conservação valer economicamente é urgente — mas o mundo ainda luta para encontrar mecanismos eficazes.
As consequências dessa destruição são rápidas e graves. Somente em 2024, o desmatamento tropical liberou 3,1 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa na atmosfera — mais do que a Índia, país com 1,4 bilhão de habitantes, emitiu em combustíveis fósseis no mesmo período.
Essa devastação gera um ciclo vicioso: as emissões elevam as temperaturas, que ressecam a vegetação, tornando-a combustível para incêndios florestais, que geram ainda mais gases de efeito estufa.
Os impactos não são apenas globais; são locais e regionais. As florestas tropicais criam seus próprios sistemas climáticos. A evaporação da copa das árvores forma os chamados “rios voadores”, massas de umidade que irrigam terras agrícolas a milhares de quilômetros de distância. Ambientalistas alertam que a Amazônia se aproxima de um ponto de inflexão, quando esse ciclo vital de reciclagem de água pode entrar em colapso, acelerando o fim da floresta.
O paradoxo é evidente: embora o Brasil lidere em perdas devido aos incêndios de 2024, é também o laboratório que demonstra como políticas eficazes podem reduzir o desmatamento.
O contraste entre governos é nítido. Sob a gestão de Jair Bolsonaro (2019-2023), pouco se fez para conter a devastação. Já o sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, junto da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, retomou estratégias criteriosas que já haviam se mostrado eficazes.
Essa abordagem combina coerção e incentivos.
De um lado, agentes federais fortemente armados combatem madeireiros ilegais e desmantelam minas clandestinas. De outro, o governo aplica poder econômico: propriedades envolvidas em desmatamento ilegal têm acesso negado a crédito subsidiado.
Os resultados são históricos. Durante os primeiros mandatos de Lula (2003-2011), o ritmo do desmatamento caiu 80%. Em 2023, ao retornar ao poder, a queda foi retomada, antes que a fúria dos incêndios reversse parte dos ganhos.
A mudança de lógica política é significativa. Enquanto Bolsonaro via o ambientalismo como obstáculo ao desenvolvimento, o governo Lula reconhece que destruir a floresta seria um tiro no pé da própria agricultura, dependente do equilíbrio climático da Amazônia.
Hoje, a estratégia concentra-se em dois pontos críticos: proteger reservas indígenas, cujos habitantes tradicionalmente gerenciam bem a floresta, e organizar os complexos direitos de propriedade na região, um emaranhado de reivindicações sobrepostas e mal documentadas.
A lógica é simples: saber quem é dono de cada pedaço de terra permite punir quem degrada e, crucialmente, recompensar quem conserva.
A tecnologia tornou-se aliada indispensável. Com imagens de satélite e monitoramento digital, transgressões podem ser detectadas em dias, permitindo uma reação rápida antes impossível.
As lições do Brasil poderiam ser aplicadas imediatamente em outros países com florestas tropicais. Mas a realidade é mais dura.
Em lugares como a República Democrática do Congo (RDC), governos introduzem leis de proteção a povos indígenas, mas têm controle limitado sobre vastas áreas. Programas de financiamento de conservação existem, mas muitas vezes a proteção vem da falta de estradas, que impede a exploração rápida. Se a infraestrutura avançar antes do Estado, os madeireiros avançarão sem limites.
A preservação das florestas é um bem público global, e os países ricos deveriam financiar essa proteção. Mas, na prática, é difícil. Mercados de créditos de carbono não decolaram, em parte porque é quase impossível comprovar que o dinheiro destinado a um projeto salvou efetivamente árvores.
Um método mais direto seria pagar aos governos com base em resultados observáveis via satélite: se o desmatamento cessar, o dinheiro é liberado. O Brasil tem tentado impulsionar o interesse global nessa abordagem.
O problema é que, em governos corruptos ou repressivos, os doadores recuam. A luta para salvar os pulmões do mundo depende de uma combinação rara de criatividade, diplomacia e lucidez.
À medida que a COP se aproxima, o Brasil sobe ao palco não apenas como anfitrião, mas como prova viva de que a floresta pode ser salva — ou perdida. Com todas as suas contradições, o país será observado de perto pelo mundo inteiro, enquanto políticas, tecnologia e vontade política se entrelaçam na batalha pelo futuro das florestas tropicais.


Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!