Mark Zuckerberg volta à cena com uma nova jogada: transformar a Meta — outrora símbolo do “metaverso” — em uma empresa guiada pela inteligência artificial. A nomeação de Vishal Shah, um dos executivos mais antigos e leais ao bilionário, para chefiar a integração de produtos de IA é o mais recente passo em uma corrida tecnológica que diz muito sobre o presente e o futuro do capitalismo digital.
Zuckerberg, o homem que prometeu um “novo mundo virtual”, agora parece ter desistido do sonho do metaverso como o grande motor de sua fortuna. Depois de despejar bilhões em um projeto que nunca decolou, ele muda de rota e tenta reposicionar a Meta como protagonista na inteligência artificial — uma área que se tornou a nova febre entre as grandes corporações do Vale do Silício. Mas por trás do discurso de inovação, há a mesma lógica de sempre: concentração de poder, precarização do trabalho e uma visão profundamente desigual sobre quem se beneficia da tecnologia.
Do metaverso à superinteligência: a metamorfose do poder corporativo
O movimento da Meta não é apenas técnico; é político e simbólico. Ao promover Shah e reorganizar toda a estrutura interna da empresa, Zuckerberg tenta reafirmar seu controle sobre uma companhia que vale quase US$ 2 trilhões e cuja influência se estende sobre bilhões de vidas — através do Facebook, Instagram, WhatsApp e agora, de forma cada vez mais intensa, por meio de sistemas de IA integrados em todos esses aplicativos.
A mudança vem após um tropeço: o lançamento apressado do Vibes, plataforma de vídeos gerados por IA, criada para competir com o Sora, da OpenAI. O resultado foi previsível: pressa, parcerias improvisadas com startups externas como a Midjourney e a alemã Black Forest Labs, e uma recepção morna. Quando o Sora surgiu com vídeos mais realistas, o “produto do futuro” da Meta virou, rapidamente, mais um fracasso bilionário.
Mas na lógica das big techs, os fracassos são apenas degraus no caminho da dominação. Shah, que antes liderou o metaverso, foi deslocado para o novo centro de poder: a IA. Sua missão é integrar as tecnologias inteligentes da Meta — o Meta AI, o Llama e as ferramentas experimentais de realidade aumentada — em uma única estrutura corporativa. O objetivo é claro: transformar cada produto da empresa em uma máquina de coleta de dados e geração de dependência.
Demissões e reestruturação: o custo humano da corrida tecnológica
Enquanto a mídia especializada exalta a “nova fase” da Meta, centenas de trabalhadores pagam o preço dessa reconfiguração. Apenas na última semana, 600 funcionários da área de inteligência artificial foram demitidos — um contraste gritante com o discurso de “otimismo e eficiência” repetido por executivos como Nat Friedman, o novo chefe da divisão de produtos de IA.
Essas demissões não são um acidente, mas parte da engrenagem do capitalismo de plataforma: cortar custos, eliminar vozes internas dissidentes e acelerar entregas a qualquer custo. Friedman, ex-CEO do GitHub e figura conhecida no Vale do Silício, é o retrato do novo tecnocrata corporativo — articulado, carismático, mas movido por metas de curto prazo e pela lógica do lucro máximo.
O episódio do Vibes mostra isso com clareza. Sob sua liderança, o projeto foi acelerado para ser lançado antes da concorrência, mesmo com falhas técnicas e dependência de tecnologias externas. Friedman teria pressionado equipes, imposto prazos irrealistas e negociado acordos bilionários com fornecedores — e tudo isso, ironicamente, para que o produto morresse em poucos dias, ofuscado por outro.
Enquanto os executivos acumulam bônus milionários e fundos pessoais — como os lucros que Friedman obteve com a venda de quase metade de seu fundo de investimento à própria Meta —, os trabalhadores enfrentam a instabilidade de um ambiente em que a criatividade é tratada como descartável.
A ilusão do progresso: IA como ferramenta de controle
Zuckerberg tenta vender a inteligência artificial como o próximo capítulo da “revolução digital”. Mas a pergunta que ninguém dentro das big techs quer responder é: revolução para quem?
A aposta em “superinteligência pessoal para bilhões de pessoas” soa como promessa de inclusão tecnológica, mas na prática significa um avanço brutal no controle sobre dados, comportamentos e desejos. Cada novo algoritmo que a Meta integra ao Instagram ou WhatsApp serve, antes de tudo, para reforçar sua capacidade de vigiar e manipular. A empresa não quer criar “inteligência” — quer moldar o comportamento humano em escala planetária, transformando cada interação em lucro.
Quando Zuckerberg fala em “não ser apenas uma equipe de IA, mas uma empresa de IA”, ele não está propondo inovação, mas colonização digital. A Meta já domina as comunicações pessoais e o entretenimento cotidiano; agora quer dominar a mediação entre seres humanos e suas próprias ideias.
Essa corrida pela inteligência artificial, conduzida por um punhado de bilionários e conselheiros de fundo de investimento, é a expressão mais recente de um capitalismo que se traveste de ciência, mas opera como política de dominação.
O metaverso renasce — sob outro nome
Curiosamente, o novo papel de Shah também envolve “integrar a IA ao Reality Labs”, o laboratório que deu origem ao metaverso. É uma jogada simbólica: o projeto que prometia reinventar o mundo digital virou o alicerce de uma estratégia de vigilância ainda mais sofisticada.
Agora, os óculos de realidade aumentada e os dispositivos de realidade virtual não serão apenas ferramentas de imersão — serão plataformas de coleta de dados sensoriais, alimentando os modelos de IA que a Meta usa para prever e influenciar comportamentos. O sonho de Zuckerberg, enfim, não é o metaverso nem a IA: é o controle total da experiência humana.
O império e seus paradoxos
A ascensão de Vishal Shah e o reposicionamento da Meta mostram a face moderna de um império digital que sobrevive trocando de pele. Quando o metaverso falha, a inteligência artificial aparece como nova promessa. Quando um projeto desmorona, outro é anunciado com o mesmo entusiasmo. Mas o que não muda é o centro de gravidade: o poder concentrado nas mãos de poucos homens brancos, bilionários, cercados de conselheiros que veem a tecnologia não como bem comum, mas como instrumento de dominação econômica.
Zuckerberg, que começou com a promessa de “conectar o mundo”, hoje conecta apenas capitais, dados e interesses corporativos. Ele não quer democratizar o conhecimento — quer monopolizar o futuro.
Um futuro para poucos
Enquanto isso, governos e sociedades continuam a reboque, incapazes de regular o avanço das big techs e de garantir que a revolução digital sirva ao público, não aos acionistas. A inteligência artificial da Meta, assim como a do Google, da OpenAI e de tantas outras, se constrói sobre uma base de trabalho invisível: programadores mal pagos, moderadores terceirizados e bilhões de usuários que fornecem dados gratuitamente, sem saber que estão alimentando o próximo algoritmo que os controlará.
Zuckerberg fala em “superinteligência pessoal”. Mas, no fundo, o que está em jogo é uma superdependência coletiva. A tecnologia, que poderia ser instrumento de emancipação, segue sendo moldada para perpetuar as hierarquias do capital.
No fim, a nova aposta da Meta não é sobre inovação — é sobre poder. Vishal Shah pode até ser o homem certo para executar o plano, mas o projeto é o mesmo de sempre: um futuro digital desenhado pelos de cima, para os de cima, enquanto o resto do mundo observa, curvado diante da tela, acreditando que participa da história quando, na verdade, apenas a alimenta.


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