Pinheirinho, nova fronteira da luta política

Pinheirinho saiu das manchetes e o núcleo duro da grande imprensa continua tentando aliviar a barra do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, mas a injustiça fala mais alto. As denúncias vem caindo sobre o colo dos repórteres. E não estão no Portal da Transparência. Por exemplo, confiram esse vídeo. Não é o repórter que aborda a moradora, e sim esta que parte para cima dos jornalistas, desesperada, chorando muito:

Hoje o Elio Gaspari publica um texto lamentável, culpando as lideranças do Pinheirinho pela violência sofrida pelos moradores. Também culpa o governo federal, omitindo que autoridades locais atropelaram acordos que vinham sendo discutidos com a União, sem contar que a ação foi deliberadamente ocultada de todos os envolvidos, justamente para que houvesse o “ato consumado”.  A PM temia inclusive um choque com forças federais, então tudo foi feito para que não houvesse chance de defesa.

Não estou dizendo que o governo federal não tem culpa no cartório. A União tem sempre culpa também, por tudo. Mas a dispersão de responsabilidades apenas beneficia o principal responsável, o responsável direto: o governador Geraldo Alckmin.

Na blogosfera, o comentário que mais chamou atenção veio de Ricardo Boechat, âncora da Band, que faz acusações duríssimas contra o governador Geraldo Alckmin pela falta de sensibilidade social. Boechat lembrou a Alckmin que não adianta ir à Igreja, ler a Bíblia, e depois permitir que sua PM pratique uma barbárie contra pessoas pobres e indefesas. O jornalista também rechaçou a ideia de que havia “espertos” em Pinheirinho. “Quem é esperto não iria morar em Pinheiro. Isso é balela. Lá pode ter um esperto ou outro, como em qualquer lugar, mas a maioria é gente pobre e trabalhadora”.

A truculência é tanta que o governo se apressou em demolir as casas sem mesmo esperar que os moradores retirassem seus pertences.

E como prevíamos, o PSDB como um todo abraçou a ação tucana em Pinheirinho. É bom porque as coisas agora ficam mais claras.

Alguns setores da esquerda, no entanto, estão jogando um pouco de fumaça no episódio, ao fazer uma crítica generalizada às desocupações que ocorrem no Brasil, como um todo. Não é bem assim. Desocupar terrenos para construção de uma estrada, uma hidrelétrica, uma estação de metrô, um estádio de futebol, atende a uma função social maior, e na maioria dos casos há pagamento de indenizações e exaustivas negociações para que as famílias deixem o local. Chegou-se ao cúmulo de comparar Pinheirinho a Belo Monte, o que é uma estupidez. Belo Monte vai gerar bem mais emprego do que a quantidade de índios que moravam nas proximidades; haverá indenização em dinheiro, programas sociais, e não há policiais adentrando a aldeia pela madrugada, espancando gente, nem tratores derrubando as casas com tudo dentro. A desocupação é feita de maneira ordenada, pacífica, lenta, ao longo de meses. Não é uma ação militar de “Choque e Terror”, como se Pinheirinho fosse um amontoado de talibãs terroristas.

Por falar em Belo Monte, uma amiga me perguntou se os atores da Globo irão fazer um vídeo de protesto à violência em Pinheirinho… Cade o pessoal da Gota?

Nenhuma cidade teria metrôs, museus, avenidas, viadutos, trens de superfície, estádios, sem promover desocupações. O problema não é desocupar, é como a ação é realizada. No caso de Pinheiro, além de truculência, falta de planejamento,  artimanhas para ludibriar acordos, açodamento, há um vazio aterrador no próprio sentido da ação. Para quê?

O caso de Pinheiro é um absurdo porque a desocupação não teve nenhuma finalidade urbanística, industrial ou pública. Tratou-se apenas de restituir o terreno à massa falida de um especulador condenado, Naji Nahas. O sujeito quebrou a bolsa do Rio, foi preso na Satiagraha por envolvimentos nos esquemas de lavagem do dinheiro da corrupção, e mesmo assim o governo de SP e sua Justiça se dão ao trabalho de pôr seus interesses acima de qualquer ponderação humanitária ou social.

Outra crítica que tenho lido é sobre a exploração política do caso. Isso existe mesmo. Mas essa não é uma característica da democracia? Alguns setores acham que vivemos ainda numa ditadura, e que se pode brutalizar seis mil pessoas, jogá-las em abrigos infectos, sem banheiros, sem água, sem colchões, demolir suas casas com tudo dentro, e ainda assim não se pode protestar? E qual a melhor forma de protesto que não o protesto político? O que é mais democrático e pacífico do que pressionar um governador truculento e autoritário através de uma confrontação política?

A mídia e segmentos da direita tentam continuamente criminalizar a política, com isso deixam transparecer os vícios adquiridos na ditadura, quando qualquer protesto social era considerado subversivo, ou a serviço do “partidão”.

É interessante acompanhar o comportamento dos repórteres. Quando há uma “crise política”, eles perseguem ministros e a própria presidente da república em toda parte, acuando-lhes com as mesmas perguntas. Não fazem a mesma coisa com Alckmin, ou com qualquer político tucano.

As manifestações da OAB, duríssimas, contra a desocupação de Pinheirinho, são registradas em notinhas. Se fossem contra o PT, converter-se-iam em manchetes garrafais.

Pinheirinho tornou-se um marco da luta política no Brasil, uma chance de estabelecer um confronto de visões de mundo, entre aqueles que ainda consideram o problema social uma questão de polícia, e os que  almejam construir soluções através do diálogo e da ação política concreta.

A oposição vive acusando o lulopetismo de ter “cooptado” os movimentos sociais. Eles tem ódio do governo ter ouvido os movimentos, atendido alguns de seus pleitos.  Agora sabemos (ou melhor, lembramos) a sua verdadeira opinião sobre a maneira como esses movimentos devem ser tratados. Na base de porrete, gás lacrimogênico, tratores. Podemos ter a certeza que governos tucanos jamais “cooptarão” os movimentos sociais. Eles preferem “a solução final”.

Atualização: Matéria recente do site Espresso SP sobre a situação no Pinheiro.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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