O embate ideológico por trás de Pinheirinho

O principal argumento que tenho escutado para justificar a violenta reintegração de posse da comunidade de Pinheirinho é o de que a polícia tinha de cumprir uma determinação judicial. É a lei, estúpidos. Outro argumento, ligado a este, atribui a culpa à propriedade privada. É o capitalismo, estúpidos.

Não concordo com nenhum dos dois.

A questão judicial encontrava-se absolutamente confusa. Havia uma determinação da Justiça Federal para que a ordem não fosse cumprida. Enfim, o governador deveria pôr-se como o representante do povo e entrar com um recurso contra a reintegração.

A culpa é do governador, do prefeito de São José dos Campos e do PSDB de uma forma geral, por ter se tornado um partido de extrema-direita.

O governo federal tem culpa também, porque não impediu o desastre. Deveria ter feito alguma coisa mais enfática. É uma culpa secundária, porém, porque há informações de que havia um acordo em curso, que foi rompido unilateralmente pelo governo do estado, que usou inclusive artimanhas para enganar os negociadores.

O mais incrível é a urgência com que o governador mandou demolir todas as casas. Tanta, que sequer aguardaram alguns moradores tirarem seus pertences. Casas foram derrubadas com móveis e tudo. Um dos observadores da ONU disse estar tentando reverter a decisão judicial (o que duvido que aconteça), e se conseguir, quem pagará pelo patrimônio destruído?

A falta de sensibilidade é aterradora. As pessoas enfeitam suas casas com quadros, gravuras, fotografias. Trocam pias. Instalam chuveirinho. Fazem armários embutidos. Destruir casas é destruir uma propriedade privada.

O que vimos aqui foi um crime contra a propriedade privada de trabalhadores. O terreno em questão não era deles, mas poderia vir a ser, se houvesse vontade política das autoridades. Mas os imóveis construídos sobre os terrenos, estes lhes pertenciam por direito. Por isso, eles tem direito à uma indenização do Estado.

O anúncio de aluguel social, por parte do senhor Geraldo Alckmin, governador, é uma confissão de incompetência, falta de noção, desfaçatez e oportunismo. Se a remoção tivesse sido planejada com um mínimo de humanismo, os moradores deveriam ter saído pacificamente já com um contrato de aluguel social em mãos, para que não houvesse necessidade de passarem os próximos dias em acampamentos infectos. E o estado deveria se encarregar de translado dos pertences para um conjunto habitacional novo.

O prefeito de São José dos Campos persegue a comunidade do Pinheirinho há tempos. O blog do Nassif, que é na verdade uma extraordinária comunidade de leitores, trouxe informações aterradoras sobre decisões da prefeitura de cortar qualquer assistência social à Pinheirinho.

Soubemos também que SJC é uma das cidades mais ricas e prósperas do país, o que somente agrava o egoísmo de sua prefeitura e das forças políticas que a lideram.

Nem o capitalismo nem a lei justificam a violência em Pinheirinho. Países capitalistas como EUA, França, Suécia, Japão, jamais fariam algo assim. Nem contra imigrantes ilegais, que dirá contra seus próprios cidadãos.

A nossa Constituição tem dispositivos que impedem o Estado de executar esse tipo de ação bárbara. Há muitas leis que protegem o cidadão, por sua dignidade, outras que falam de uso social da terra. Pode-se usar até mesmo a lei da propriedade para defendê-los, já que os tijolos das casas, suas ferragens, suas fiações e instalações hidráulicas lhes pertenciam e foram destruídas a toque de caixa sem o mínimo respeito.

Enfim, não há desculpa para a reintegração de posse de Pinheirinho. Foi um crime e ponto final. Os moradores devem requerir indenização, e as autoridades devem ser responsabilizadas, inclusive a juíza que concedeu a liminar. Se tivéssemos uma imprensa decente, poderíamos realizar uma investigação sobre os bastidores dessa decisão. A especulação mobiliária é umas das principais fontes de corrupção. Uma ação que teria, naturalmente, repercussão tão negativa, inclusive eleitoral, só pode ser explicada por interesse pecuniário e propina.

Há uma coisa muito maligna sendo gestada junto ao poder paulista. Confiram essa foto que um colega tuiteiro tirou da página da secretaria de Segurança Pública de SP.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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