Uma crítica dura à presidente Dilma

Vamos temperar esse Cafezinho com um pouco de polêmica. Enquanto a popularidade presidencial se mantém nas alturas, a situação na planície, vista de perto, não é tão calma, com focos diversos de insatisfação irrompendo aqui e ali. Em tempos de internet e redes sociais, pequenos núcleos de rebelião conseguem fazer um tremendo barulho, principalmente se as reinvindicações são justas, como é o caso, por exemplo, daquelas que vem sendo veiculadas pelas organizações LBGT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros).

O professor Wanderley Guilherme dos Santos já havia nos advertido, em artigos, que as dificuldades políticas de Dilma seriam ainda mais complexas que as de Lula, pelas seguintes razões:

  1. Com as agruras sociais mais desesperadoras já devidamente encaminhadas por iniciativas como o Bolsa Família, de um lado, e queda no desemprego, de outro, as pressões teriam natureza mais polêmica, com maior divergência de interesses. O consenso em torno do combate à miséria não foi tão difícil alcançar, apesar da histeria inicial de setores reacionários. Planos de combate à homofobia geram uma divergência de ordem infinitamente mais complexa.
  2. Os deslocamentos econômicos realizados pelas camadas mais pobres caracterizam-se por seu ritmo febril e percentuais altíssimos de crescimento. Se uma família semi-indigente que tinha renda de 200 reais ao mês passa a auferir mais de 700 reais, em virtude de programas sociais e um emprego formal de algum membro, há um salto de 250% na renda. Uma família já posicionada na classe média muito raramente verá um avanço semelhante em seu nível de renda. Essa é lógica do crescimento meteórico da China, e também porque este crescimento arrefece paulatinamente na medida em que o país se desenvolve.
  3. O processo de rearrumação social, muito intenso nos últimos anos, perde força. Para prosseguir, esbarra em obstáculos que demandam muito mais tempo para serem removidos, como a deficiência na educação e, mais ainda, preconceitos de ordem cultural.
  4. O ser humano caracteriza-se pela insatisfação. É uma de suas maiores virtudes, que o impulsiona a melhorar de vida e a almejar sempre, para seus descendentes, uma situação melhor do que a desfrutada por si. Essa é a razão também pela qual os níveis de “felicidade” ou “satisfação” costumam ser bem menores em países altamente desenvolvidos do que em nações pobres. Quanto mais instruído for um jovem, maiores e mais complexos se tornam os objetivos de sua vida.
  5. Encaminhados os problemas mais básicos, explodem pressões de ordem mais sofisticada: liberação das drogas, ciclovias nas cidades, combate mais assertivo à homofobia.

Além disso, os próprios programas sociais perdem popularidade. As pessoas querem mais. Dito isto, a presidente até que tem lidado razoavelmente bem com os novos desafios, mantendo bons níveis de popularidade. Um mercado de trabalho aquecido, com salários em alta, e o emprego próximo da plenitude, com certeza ajudam a manter o otimismo.

Uma sociedade que se desenvolve, porém, tende a se fragmentar. O que parece agradar a maioria na verdade produz uma série de focos de insatisfação. O crescimento das redes sociais, além disso, confere um poder novo a todos os grupos, desde que minimamente organizados e coesos.

Analisemos o caso da revolta do movimento LGBT, que explodiu por ocasião do veto da presidente ao kit anti-homofobia, que o Ministério da Educação distribuiria nas escolas públicas de todo país. Eu acompanhei o caso desde o início. A informação do governo era que a ação seria postergada para o final do ano, mas o que houve foi realmente o engavetamento do projeto e uma declaração infeliz da presidente, feita em maio do ano passado, que provocou profundo desgosto e contrariedade entre a militância: Dilma posicionou-se contra o kit e disse que não fazia sentido fazer propaganda de “opção” sexual. Os militantes ficaram particularmente chocados com o uso do termo “opção sexual”, considerado politicamente incorreto. O certo é “orientação sexual”.

Para conferir o grau de irritação do movimento, assista ao vídeo de Luiz Mott, fundador do Movimento Gay da Bahia, em vídeo que assisti originalmente no blog Cidadania.

E abaixo, a entrevista em que Dilma usou o termo “opção” e se declarou contra o kit anti-homofobia:

Eu pensei muito sobre esse caso, e partilho com vocês minha opinião:

Luiz Mott está totalmente certo e o governo Dilma, totalmente errado. Concordo inclusive com a linguagem agressiva de Mott. Os dados e os exemplos trágicos que ele apresenta são alarmantes e justificam seu posicionamento e a forma pela qual ele o expressa. Mott é um homem por demais culto e experiente para se deixar levar por uma histeria leviana. Além do mais, a internet inaugurou uma era de transparência e franqueza. As pessoas dizem o que sentem, com muita liberdade, e o resultado às vezes são declarações duras, nervosas, quiçá exageradas, mas muito mais verdadeiras.

Dilma tem responsabilidades, e se houve um aumento grande no número de crimes contra gays no Brasil, ela tem obrigação de liderar um combate político, de alto nível, contra esse tipo de intolerância.

Gostaria de acreditar que a presidente irá ouvir esse apelo do movimento LGBT e dar uma resposta satisfatória e corajosa. É triste ainda constatar o espaço crescente que alguns setores religiosos reacionários vem ganhando na mídia, no parlamento e até no governo, ameaçando a laicidade do Estado brasileiro. Dilma prometeu dar prioridade aos direitos humanos. E conquistou segmentos reticentes ao lulismo através de argumentos de que estaria mais atenta a essas questões. A homofobia é um crime. Pode não sê-lo ainda do ponto jurídico constitucional, mas é num sentido ainda mais poderoso: é um crime de ordem moral. Um atentado ao espírito humanista que desejamos ver representado pelo governo de um país como o nosso.

O Cafezinho tem a presunção de ser um blog que defende o humanismo, então não podemos nos furtar de prestar solidariedade a Mott e a todos os militantes que defendem maior engajamento das autoridades, das mídias e de toda a sociedade, na luta contra a homofobia.

Ilustração: Gay Pride Parade.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
Related Post

Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.