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Neolacerdismo e economia

Temos dois artigos hoje no jornal escritos sob o mesmo espírito. Ziquinha e seu Oscar, de Chico Alencar, e Fantasmas no Caminho, de Fernando Gabeira encaixam-se melodiosamente na estratégia da mídia de criminalizar e denegrir a política. Neste sentido, são petardos conservadores. Ambas são levianos. Abordam temas profundos sem apresentar dados ou argumentos consistentes.

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(Ilustração capa: Cézanne)

Temos dois artigos hoje nos jornais escritos sob o mesmo espírito. Ziquinha e seu Oscar, de Chico Alencar, e Fantasmas no Caminho, de Fernando Gabeira encaixam-se melodiosamente na estratégia da mídia de criminalizar e denegrir a política. Neste sentido, são petardos conservadores. Ambas são levianos. Abordam temas profundos sem apresentar dados ou argumentos consistentes.

Gabeira inicia o seu texto com fundo musical de filme de terror. O cara realmente entrou pro lado mal da força. Fala que esteve em São Paulo, numa determinada loja, às 14 horas, e ela estava vazia. Daí, numa pirueta mortal, ele faz a ilação descarada de que vivemos uma crise anunciada, uma bolha de crédito que vai explodir a qualquer momento.

Um autêntico urubu.

Tenho pensado muito sobre isso. Uma vez, no Óleo do Diabo, recortei um trecho de Keynes, que adverte precisamente sobre o risco econômico de uma mídia empenhada em combater um governo progressista. Para isso, não hesitará em influenciar negativamente a tomada de decisões da classe empresarial no país, com vistas a produzir um ambiente de mal estar e crise.

Ora, acontece que o desenvolvimento industrial atualmente é uma questão sobretudo de atitude. Se todo mundo ficar se lamuriando, reclamando dos impostos, da infra-estrutura, então não sairemos nunca do subdesenvolvimento. O industrial brasileiro não pode esperar o governo resolver todas a confusões tributárias pra começar a trabalhar. Tem que botar a mão na massa agora. Burocracia é complicada no mundo inteiro.

A mídia começa a ser bem sucedida em sua estratégia de fazer profecias autorrealizáveis. É uma torcida tão engajada por números negativos na economia, que os empresários se retraem, atemorizados, e aí os números efetivamente se tornam negativos.

O pessimismo pode ser uma opção estética ou ideológica respeitável, mas considerado do ponto-de-vista da economia brasileira é uma estupidez. O Brasil tem uma população enorme, dentro da melhor faixa etária possível, recursos naturais abundantes, crédito lá fora, democracia funcionando direitinho; os dados macro-econômicos são pujantes e tem melhorado ano a ano. 

Sobre a indústria, temos que pensar o seguinte: ainda que haja quedas pontuais em alguns setores, o Brasil está assegurando a infra-estrutura básica: na energia, na siderurgia, na construção-civil, na produção de carros, motos e tratores. Falta agora estabelecer uma indústria ferroviária, o que será uma consequência a médio-longo prazo da construção do trem bala – que os mesmos urubus não querem fazer.

Temos água potável, petróleo, terras, minérios, além de siderurgias, refinarias e fábricas de autopeças. Que país, além dos EUA, possui potencial tão espetacular, sendo que os EUA vivem o final de um impressionante ciclo de crescimento?

As análises econômicas não podem se amarrar a formas de pensar binárias, simplistas, que enxergam apenas um dado (o PIB, por exemplo) e não o conjunto da economia brasileira.

Por isso eu acho a choradeira política de Gabeira e Alencar uma reação infantil. Seus argumentos não se firmam em bases consistentes. Um deles encontra uma loja vazia em São Paulo, às 14 horas, e usa o fato como base para vaticinar desgraças. O outro inventa um personagem fictício para falar mal da política brasileira.

Ora, não é preciso inventar um “ziquinha” para falar mal da política. Mas critique de frente, com a própria boca, e não pela boca de um boneco inventado. Agora só falta a essa. O político não tem voto, não tem apoio de outros partidos, nem de movimento social, nem de sindicato, ou seja, não tem apoio de ninguém, então inventa um “ziquinha”, um homem “bem popular” na cidade, para corroborar suas ideias…

Chico Alencar comete um erro crasso, muito comum entre esquerdistas de botique: subestimar a inteligência do povo. Na verdade, é pior do que subestimar, parece que eles querem manter o povo na ingenuidade, e assim posarem de esquerdistas puros, eleitos com o voto da classe média mediatizada. O preço é ficar bem na Globo!

E assim o sujeito diz que “frequenta o movimento popular” e afirma que eles (o movimento popular) não entendem, por exemplo, o pragmatismo na política.

Eu não acredito na ingenuidade do povo. E se o “movimento popular” apresenta uma visão idealista ou ingênua de mundo, deve-se procurar esclarecê-lo acerca das estratégias. O movimento social brasileiro tem que ficar mais inteligente, astuto, vivo e determinado, ao invés de se tornar mais ingênuo, idealista e burro.

E a esquerda nunca pode esquecer a dimensão da urgência, que também requer flexibilidade política e disposição aliancista.

A urgência do povo, que ainda agoniza em hospitais lotados e infectos, e cujos filhos estudam em escolas de má qualidade, é absoluta: quer promover já mudanças efetivas, e que estas se consolidem no longo prazo, que não sejam apenas um “vôo de galinha”.

A democracia brasileira está viva. É capitalista, sim, envolve campanhas milionárias onde os interesses econômicos se conflitam, mas oferece também abundante recurso público e gratuito (via horário eleitoral e fundos partidários) para se fazer a luta política, o que é um aspecto socialista.

Segundo Robert Alan Dahl, um dos mais importantes cientistas políticos contemporâneos, as democracias modernas são uma mescla de capitalismo e socialismo.

Em todos esses países, há representantes e correntes de opinião divergentes entre os dois eixos básicos da política humana, ainda identificados como esquerda e direita: um mais voltado à promoção da igualdade e justiça social; outro voltado à valorização da criatividade e do empreendedorismo individuais; isso pra só falar dos aspectos positivos, claro. O progressismo democrático resulta de uma combinação equilibrada desses dois espíritos.

Os faniquitos de Chico Alencar e Gabeira não contribuem em nada para a valorização da política, não por causa do seu pessimismo, mas por sua inconsistência. Já que eles gostam tanto de falar em ética, digamos que o pessimismo de Gabeira e Chico não é ético. Não é um pessimismo viril e autêntico de um filósofo, ou de um cidadão qualquer que tenha uma visão de mundo inteligente e sombria. O pessimismo deles é superficial, partidário, adocicado, medroso. Tratam sua própria falta de perspectivas como se fosse um problema nacional.

Os estudos mais embasados da realidade política brasileira não mostram nenhuma “decadência” moral, ideológica ou política. Os partidos fazem alianças sim, mas se considerarmos o país como um todo, a maioria delas são alianças consistentes com os projetos nacionais. PSDB, DEM e PPS estão juntinhos no país inteiro. PT, PCdoB, PSB, estão mais unidos agora do em qualquer outro momento, apesar do estardalhaço com que a mídia trata problemas ocorridos em 2 ou 3 cidades. Sendo que em Recife, o PSB não tem culpa de absolutamente nada. O PT implodiu sozinho. A venda de tempo de tv feita por alguns partidos nanicos são fenômenos marginais; e a negociação política em torno do tempo de tv dos partidos se dá em torno de interesses políticos e partidários que, mal ou bem, refletem anseios sociais e econômicos concretos.

Analisando o histórico das alianças dos últimos anos e a evolução dos representantes políticos, não há base para falar em decadência. Além do mais, o percentual de votantes no total da sociedade atingiu a plenitude somente nos últimos 10 anos, de maneira que só agora temos um parlamento realmente representativo do povo brasileiro. Um parlamento cheio de vícios, assim como o povo, mas não é científico dizer que é pior que os anteriores.

A tecnologia e a vontade popular tem tornado o ambiente político, institucional e partidário brasileiro mais transparentes. Há muito vício e corrupção, mas nunca tivemos tantas ferramentas para combatê-los como agora, em que todas as despesas, convênios e contratos terão que ser publicados na internet.

A verdade é que raramente os intelectuais, midiáticos ou não, entendem a política. Para eles, os políticos serão sempre seres impuros. Os intelectuais, ensina Espinoza, têm invariavelmente um visão irreal da política.

Em relação às alianças, temos o mesmo problema. Há um viés antidemocrático e reacionário no purismo. O que enriquece a democracia não é justamente a gama enorme de cores que ela oferece? Os políticos representam interesses econômicos. Um político que só represente a si mesmo não tem mais futuro no país. E se ele representa um setor econômico, então a sua aliança, à esquerda e à direita, é um fenômeno democrático; não necessariamente positivo, mas ainda sim democrático.

Quanto à ideologia propriamente dita, os partidos, os políticos e os povos, ou seja, a vida real é muito mais complexa, rica e interessante do que o mundinho das teorias. Tudo bem aceitar que existe diferença entre esquerda e direita, mas pretender que essas definições sejam uma questão fechada, ou pior, arrogar-se como único ou verdadeiro representante de uma ideologia ou de uma classe, não me parece sensato.

Por isso dou razão ao Congresso em ter derrubado a regra autoritária do STE de verticalizar a política de alianças, proibindo que partidos divergentes a nível nacional se aliassem a nível local. Seria uma violência à liberdade partidária e à democracia. Se um partido quer se desprender de outro, é ótimo que possa fazê-lo de maneira menos traumática, reduzindo o número se alianças locais. Da mesma forma, se um partido quer se aproximar de um antigo adversário, pode começar fazendo alianças locais. Cria-se um ambiente de liberdade que azeita as engrenagens ideológicas que criam e quebram alianças.

Quanto ao estado de espírito que eu mencionava no início do post, penso o seguinte: para desenvolver nossa democracia, assim como nossa indústria, temos que ser otimistas, empreendedores e criativos, o que implica em fechar o ouvido à mediocridade midiática e investir no futuro. Quem viver, verá.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Maria Madalena

10/07/2012 - 10h01

Minha Nossa Senhora, esse cara caiu e bateu com a cabeça, tá maluca! Ele está dizendo que não importam a corrupção, o descaso do Estado com a total falta de infra-estrutura, não devemos ficar reclamando, temos que fazer e acontecer!!!!! E daí se pagamos impostos que vão para comprar sapatos e lenços de amarrar na cabeça no restaurante do hotel Ritz em Paris, nada disso importa, nós temos que parar de reclamar e “colocar a mão na massa”! Só matando um “cara” desses! Deus me livre de meu filho encontrar qualquer palavra escrita por vc por aí!!! Espero que prefira olhar as mulheres peladas!!!

    admin

    10/07/2012 - 15h18

    Senhora Maria, acho que leste o texto errado. Ou fizeste uma interpretação completamente enviezada. Provavelmente estás acostumada a ler esses textos clichês que falam: “temos que acabar com a corrupção”. Ora, é claro quem temos de acabar com a corrupção. Isso não precisa sequer ser escrito. É como dizer que precisamos acabar com a maldade e com o egoísmo. O texto fala justamente nas ferramentas que temos hoje para combater a corrupção, como os portais de transparência, e agora a lei da informação, que nos permitem monitorar todos os gastos e despesas do Estado.

    Claro que precisamos nos importar com a infra-estrutura! Mas há uma relação dialética óbvia. O país se desenvolve em conjunto com o desenvolvimento de sua infra-estrutura. Se formos esperar virarmos uma Alemanha em termos de infra-estrutura para só depois investirmos, aí é que não vamos virar Alemanha nunca. Os empresários alemães, mesmo com a sua infra-estrutura destruída por guerras, investiram, criaram, e fizeram de seu país um grande país.

    Ademais, os investimentos em infra-estrutura agora é que estão sendo feitos, depois de décadas em que ficaram estagnados. Ou a senhora não se lembra que na era tucana o investimento em infra-estrutura chegou a zero?

    De uns 10 anos para cá, estamos reformando todos os portos, e agora vamos reformar os aeroportos, terminar ferrovia norte-sul. Muita coisa está sendo feita, embora eu concorde que o Estado ainda é incompetente. A incompetência do Estado é um processo que precisa ser superado, e está sendo, mas não na velocidade que gostaríamos.

    Impostos para pagar lenços na cabeça? Ah, já sei, você é uma lacerdista de primeira grandeza! Está pensando nas fotos que o Garotinho espalhou pela internet! Ora, que besteira da grossa! Releia o que você escreveu! Imposto para pagar lenço na cabeça!

    Parei.

    E ainda vem falar em “matar”? Que classe! Que democrática! Realmente, você saiu de um baú, minha senhora, um baú muito antigo, um baú repleto de hipocrisia e brutalidade, que o Brasil moderno tem de se esforçar para ficar guardado bem lá no fundo do porão.

Susana Medeiros

08/07/2012 - 11h43

José Wellington Silva Amado ,
Maria Carla Dias Melo
Jonas Feitosa melo Cardoso
AGRADECECIMENTOS .Queremos agradecer essas pessoas por sempre estarem ajudado ao orfanato Silux e a casa de idosos por suas doações.
Obrigado a vocês por terem assumido o compromisso de estarem todos os meses fazendo doações que tem sido de muita ajuda para o Orfanato e para os idosos .
Obrigada .

Susana Medeiros
Diretora da associação de ajudas aos menos favorecidos.

Elson

08/07/2012 - 01h17

Se o Gabeira não tá contente com o movimento da loja, que vá morar na Grécia. Esse povo reclama de tudo, diz que o Governo não faz nada, aí, quando faz, diz que o Estado é intervencionista.
Que vá plantar batatas, esses caras não tem voto, e querem dizer como se deve governar? Esse povo se alia ao que há de mais retrógrado em política e economia, e quer posar de ético!

FranciscoD.A.

07/07/2012 - 18h08

Falar de Haddad, que sequer consegue ultrapassar o Candidato do Aerotrem nas pesquisas, é dar vela demais para pouco defunto.

Ridículo, heheheheheh…

Acho que o negócio é vcs ja começarem a apoiar o Chalita.

Jose Mario HRP

07/07/2012 - 12h26

Gabeira é um coitado.
Só tenho isso a dizer.
Como dizem os “americans”, um loser!

Jacques Chaban

07/07/2012 - 11h34

Como bem disse o Miguel do Rosário, Serra é o Maluf atual. E se fosse para conversar, alinhavar acordo, e se esconder da foto, esse não seria o Presidente Lula, seria o Serra. Esse haje sembre na calada da noite, na surdina.
Fazendo uma pequena complementação até os antigos eleitores do Maluf, aqueles recalcitrantes, hoje são eleitores do Serra. Serra é hoje o mais fiel herdeiro do Malufismo, mais até do que o próprio Maluf. Maluf até se diz de centro esquerda (Rsrsrsrsrsrss).
Sem contar que aparecer na foto com o Fernando Haddad entre ele e o Maluf, foi uma jogada de mestre, do Presidente. Para o Haddad era crucial essa exposição na mídia, todos viram o bafafá que deu (esse também faz parte do comentário do Miguel do Rosário).

Pedro Cruz

07/07/2012 - 09h53

Meu caro, phueda é perder a eleição, é facilitar pro cerra ganhar a eleição. Agora, que maravilha de texto. Essa doença infantil, é triste. Os porras loucas sempre agindo como braço auxiliar da extrema direita. Os extremos sempre se encontrando.

Que precisão: “O político não tem voto, não tem apoio de outro partido, nem do movimento social, nem de sindicato, ou seja”, o que êle é?? Não é nada. É o isolamento, o bloco do eu sozinha. E quanta arrogância e prepotência, “Se” rotulam, “se” intitulam de os verdadeiros éticos, os donos da verdade. E, é isso o que êles querem para o movimento social, para os trabalhadores, que sejam isolados, nada, iguais a êles, ou seja, nada. Querem que “os cerras” e grande mídia sejam os governantes. Vejam como agem na Câmara, no Senado e como vão agir na campanha. Estarão sempre de braços dados com “os cerras” criticando o Governo Popular e seus aliados. Sempre votam junto com psdb, demos e pps e, criticam uma aliança com o PP. É a “esquerda de botique” ou de boteco.

Ninguém

07/07/2012 - 07h17

Oi, Miguel. Concordo com praticamente tudo o que você disse, mas, cá pra nós, tirar foto abraçado ao Maluf é phueda… Concorda?


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