O vampiro perdeu seus dentes


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Análises do debate entre Haddad e Serra; e do Datafolha

O Datafolha divulgou hoje a sua última pesquisa de intenção de voto em São Paulo. A íntegra está aqui, mas a melhor maneira de visualizar os dados é manuseando os filtros do infográfico interativo no site do UOL.

Neste post, faremos 2 análises: uma da pesquisa Datafolha, outra do debate entre Haddad e Serra realizado ontem, na Band.

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Comecemos pela pesquisa Datafolha.

 

O Datafolha confirma os números do Ibope, que também davam 60% X 40%, em votos válidos, para Haddad.  Se há erro, é um erro dos dois principais institutos de pesquisa, que prestam serviços para os dois principais veículos midiáticos do país: Ibope presta serviço ao Globo, maior conglomerado audivisual do país, e Datafolha para o grupo Folha, que edita o jornal de maior circulação.

Para visualizar os gráficos abaixo em tamanho maior, basta clicar neles

Os números do Datafolha são especialmente convincentes porque, na verdade, desde que começaram a apurar cenários para o segundo turno, no início de setembro, as pesquisas apontam liderança de Haddad. Mas agora, a pouco mais de uma semana para o pleito, a boca do jacaré começa a abrir, com vantagem para o petista.

A liderança de Haddad tem características muito sólidas:

  • Seu adversário tem rejeição de 52%; ou seja, Haddad tem votos do eleitor petista, mas também do eleitor antisserrista.
  • Haddad tem liderança absoluta em todas as faixas etárias e de renda, com exceção de duas: eleitores com mais de 60 e os muito ricos.
  • Haddad ancorou-se no eleitorado jovem e mais pobre, certamente o mais combativo dos segmentos.
Nos gráficos abaixo, vemos a liderança isolada de Serra (20 pontos à frente) junto aos eleitores com mais de 60 anos, e com renda superior a 10 salários:

Mais de 60 anos:

Mais de 10 salários:

Entre os eleitores que ganham de 5 a 10 salários, todavia, Haddad se mantém empatado com o tucano: 45% X 43%, para Serra. Os dados revelam, portanto, que apenas os muito ricos apoiam o candidato do PSDB. A força de Haddad emerge das massas e contamina, cada vez mais, a classe média.

Haddad sempre foi forte entre os jovens: essa é uma das pernas de seu patrimônio eleitoral.

Entre jovens de 16 a 24 anos, Haddad tem 54% X 28% Serra.

A outra perna a sustentar a liderança do petista é sua força entre os mais pobres, onde tem 53% dos votos, contra 29% Serra.

***

Agora analisemos o debate entre os candidatos:

Debate dos candidatos a prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad e José Serra, realizando na Band, quarta-feira, dia 19/10, cujos vídeos seguem ao fim do post.

*

Serra abriu o debate com uma série de perguntas a seu adversário onde repetia a questão: isso que eu fiz é para pobre ou para rico? A tentativa, naturalmente, era desconstruir a impressão, junto ao eleitor, de que o tucano defende apenas os mais ricos. Quer dizer, não é bem uma impressão: Serra teve seu pior desempenho, no primeiro turno, entre os mais pobres, e só terá chance de vitória se conseguir penetrar no eleitorado de baixa renda.

O tucano, contudo, falou em tom autoritário, com rispidez, como se quisesse impor uma resposta ao petista – e ao eleitor -, e suponho que essa não é a melhor maneira de fazer o eleitor mudar seu candidato. Serra agora tem de tirar votos do adversário. Tem de convencer o eleitor, que a esta altura, segundo o Datafolha, já está em sua grande maioria (90%) totalmente decidido a votar em seu candidato, a rechaçar suas próprias ideias, e começar, de uma hora para a outra, a acreditar que o PSDB governou sim para os pobres.

Haddad passou o debate inteiro com uma expressão marota, risonha, mas sempre conseguia, com algum  esforços, se manter sério. A expressão risonha era simpática e transmitia autoconfiança, e sua seriedade, por sua vez, dava-lhe aparência de bom moço, divertido e bem humorado sim, mas honesto e trabalhador.

Essa era justamente a marca de Lula, que sempre sorria nos debates, e às vezes nos momentos mais tensos.

Haddad marcou o primeiro gol de verdade quando citou a tentativa (bloqueada pela Justiça) do governo estadual tucano de vender 25% dos leitos públicos de São Paulo a planos de saúde privados. A saúde pública, em qualquer cidade brasileira, é o principal motivo de reclamação por parte dos eleitores. Serra poderia ter rebatido com a insatisfação a nível federal, mas não o fez. Nem rechaçou o projeto tucano. Perdeu pontos. Haddad, percebendo o flanco vulnerável, e a ausência de uma estratégia de defesa, voltou a citar o projeto tucano, que de fato é um absurdo tão grande que nem a conservadora justiça paulista aceitou chancelar.

Serra fez um ataque totalmente infantil ao PT, ao afirmar, no meio de uma resposta a um assunto qualquer, que “O PT, no governo, é ruim de serviço”. Ora, o PT pode até ser ruim, mas essa é uma afirmação tola e totalmente deselegante partindo de um adversário político, no meio de um debate. É como se, no meio de um debate entre dirigentes de time, o presidente do Flamengo falasse que o Fluminense “é ruim de bola’. Não cabe a Serra decidir se o PT é ruim ou não, pois é óbvio que ele, como adversário, considerará o PT como uma escolha péssima para a cidade. Quem decide é o eleitor. O PT está no Executivo Federal há quase 10 anos, e goza de níveis recordes de aprovação, inclusive em São Paulo. A afirmação de Serra, portanto, soou apelativa, melancólica, choro de perdedor.

O tucano citou José Dirceu como “guru” de Fernando Haddad, mas o mensalão foi apenas abordado “en passant”. A estocada em Haddad, contudo, também soou artificial, uma agressão gratuita, porque inserida num contexto confuso: Serra disse que Dirceu entrou com ação no STF contra as OS. Haddad neutralizou o ataque, contudo, ao afirmar que irá manter e fortalecer as OS, mas fazer as mudanças sugeridas pelo Tribunal de Contas, que é de fazer concursos públicos.

Serra, então, fez seus ataques mais desastrados. Quando acusa Haddad de ser contra as OS na saúde pública (hospitais privados e religiosos que recebem subvenção do Estado para atender populações carentes), o tucano diz frases como “Haddad quer fazer concurso público”, que, na cabeça de qualquer ser pensante, constituem um elogio.

Outro erro de Serra foi posicionar as duas mãos abertas e espalmadas sobre o peito, dando uma impressão agressiva, de garras vampirescas, um gesto que ele vinha tentando evitar, mas que volta sempre a fazer quando se enerva. O gesto, apontando para si mesmo, denota narcisismo, egoísmo, vaidade, e ao mesmo tempo fraqueza, por basear seus argumentos apenas nas palavras ao vento de um indivíduo, e não no conjunto de forças, nem em fatos concretos.

Serra, embora talvez sem disso se aperceber, passou boa parte do programa inteiro defendendo a gestão de Kassab, um dos prefeitos com menor índice de aprovação no país. Daí, quando acusa Haddad de apenas falar em Kassab, ele deu espaço para o que seria um novo jab poderoso do petista. Haddad rebateu com o óbvio: eu tenho de falar em Kassab porque ele é o prefeito da cidade; e 70% dos paulistanos votaram pela mudança.

Nas considerações finais, Serra abusou, mais uma vez, dos auto-elogios. Não é errado auto-elogiar-se, mas é preciso muita intuição para saber o momento certo de fazê-lo. O tucano em seguida adotou um tom choroso ao lembrar de seu exílio durante a ditadura, e novamente passou do tom ao lembrar o sofrimento que seu afastamento do Brasil causou a seus pais, sobretudo por ser filho único. Apenas os muito velhos podem vê-lo como um possível filho que se manteve longe durante um período de exceção, e sentir compaixão.

Haddad lembrou do apoio que recebe de Lula e Dilma, enfatizou o fato de ter nascido, estudado, trabalhado e conhecido sua esposa em São Paulo, e mencionou os filhos.

Os erros de Haddad no debate foram:

  • Um pouco de insegurança ao falar.
  • Cometeu diversos erros de dicção, Serra não cometeu nenhum.
  • A expressão risonha que eu elogiei no início da análise pode ter causado antipatia num espectador mais sisudo,e poderia ter sido evitada. Quer dizer, é bom sorrir, descontrai o espectador. Mas Haddad passou um pouco do ponto em algumas vezes.
  • Poderia, com sucesso, ter sido um pouco mais agressivo. Sua postura continua sendo muito reativa, passiva. O eleitor, sobretudo em segundo turno, e contra um candidato com tanta rejeição como Serra, reagiria com entusiasmo se o petista emplacasse um ataque mais ousado.
Quanto ao Serra, já elenquei acima seus erros. Se não teve oportunidade de assistir ontem pela TV, segue abaixo aos vídeos do debate.

 

Parte 1

Parte 2

Parte 3

Parte 4 – final

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Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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