Juízes neuróticos, mídia nervosa

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O destaque de hoje vai para um artigo de Saul Leblon, publicado originalmente na Carta Maior, e que se espalhou viralmente pelas redes. A propósito da empáfia vazia com que os ministros do STF abusaram da teoria alemã do domínio de fato, usada como uma espécie de “deus ex-máquina” que solucionaria todas as lacunas de verossimilhança no roteiro escrito, de antemão, em algumas redações, Leblon lembra de uma cena do filme Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall), de Woody Allen. A comparação, a meu ver, é genial, tanto que me dei ao trabalho de legendar a cena.

Reproduzo abaixo o trecho em que Leblon menciona o filme de Allen:

Quem não se lembra do filme “Annie Hall” de Woody Allen? Há ali uma cena que sugere a prefiguração desse entrecho lúdico.

Numa fila de cinema, um douto sabichão da Universidade de Columbia pontifica cataratas de sapiência hermética, ancoradas no manuseio legitimador das teorias de Marshall McLuhan.Wood Allen e sua garota, vivida por Diane Keaton, ouvem enfadados o buzinaço do ilustre especialista.

Até que Woody resolve dar um basta e afronta a pompa pretensiosa com algo do tipo: ‘Voce não entende nada do que está falando’. A eminente autoridade então dá a carteirada mortal, algo do tipo: “Sou professor de semiologia –da Colúmbia– e com doutorado em McLuhan!”

Allen dá dois passos na cena e introduz o compridão McLuhan; ele mesmo em carne e osso. O canadense, autor de ‘O Meio é a Mensagem’ e do conceito de ‘aldeia global’ , faz uma ponta para desmontar o falastrão empolado com um sabão categórico: “Você não entendeu nada da minha teoria”.

No filme, a intervenção de McLuhan reverteu o engodo feito de palavrório anestesiante. No Brasil, a desautorização explícita do criterioso Roxim foi desdenhada pela ignorância ou a má fé. E sua teoria usada para consagrar um silêncio que ofende a consciência nacional: a voz das provas.

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As afirmações de Roxim são tão desmoralizantes que obrigaram Merval Pereira, em sua coluna (que agora é sempre reproduzida em seu blog), a juntar alguns sacos de areia na beira do rio, tentando evitar a enxurrada inevitável de indignação contra a incompetência intelectual dos juízes. Para isso, ataca a blogosfera, como tem sido cada vez mais frequente:

Só que, no texto, Merval não diz absolutamente nada de objetivo, apenas platitudes idiotas como: “Há testemunhas de que ele é quem realmente mandava no PT”, etc, e repete as ladainhas quase irracionais de Joaquim Barbosa, todas fundamentadas em ilações.

De qualquer forma, é interessante que a mídia esteja agora se esforçando em justificar as arbitrariedades do Supremo Tribunal Federal. Também se torna cada vez mais irônico que a “indignação ética”, por parte de ministros do STF, evoluiu proporcionalmente à ausência da mesma ética quando se tratou de avaliar objetivamente os autos.

*

A CPI do Cachoeira, atacada pela mídia e oposição, desde sua fundação, diariamente, sempre tentando desmerecê-la, irá indiciar um governador de estado: Marconi Perillo. Eu acho curioso o entusiasmo às avessas de setores da imprensa contra esta CPI. É tudo uma questão de foco. Se a imprensa fosse simpática à CPI, teria colaborado com ela, fazendo reportagens afins, investigando por conta própria os esquemas em Goiás, as artimanhas de Cachoeira com a revista Veja. Durante todo o tempo, a imprensa apenas tentou abafar a CPI e proteger um dos suspeitos de integrar o Clube Nextel: a Veja. O Brasil merecia saber mais sobre as relações espúrias entre um bandido, líder de uma sinistra máfia política, que tinha no bolso senador, governador, secretários de estado, prefeitos, parlamentares e delegados, e uma revista já conhecida por sua linha política parafascista. Mas pelo menos rompeu-se o muro de silêncio. O essencial já sabemos: havia um conluio entre Cachoeira, que possuía um esquema de arapongagem ilegal, e a revista Veja. Esse foi o núcleo que manipulou, por anos, a agenda política nacional, através de escândalos nascidos em reportagens feitas com informações clandestinas fornecidas generosamente por Cachoeira. Na atmosfera política envenenada que respiramos por tantos anos, o gás tóxico vinha de turbinas goianas.

Também ficamos por dentro das atitudes do procurador-geral da república, Roberto Gurgel, que engavetou a operação Monte Carlo, onde já havia forte documentação que incriminava o esquema Cachoeira. Com isso, Gurgel permitiu que o grupo se fortalecesse, elegesse mais prefeitos, deputados, nomeasse mais secretários no governo goiano. De qualquer forma, tudo volta para as mãos de Gurgel. Cabe a ele determinar uma investigação dura sobre Marconi Perillo, cujo governo se banhou, alegremente, nessa cascata de águas fétidas.

Com isso, o saldo da CPI do Cachoeira, para mim, é muito bom:

  1. ajudou a esclarecer o envolvimento de Demóstenes Torres, senador pelo DEM, no esquema;
  2. desmascarou de vez o bicheiro Carlinhos Cachoeira, expondo sua tecnologia de extorsão;
  3. desmascarou a Veja.
  4. desmascarou a Delta, que praticamente foi aniquilada.
  5. mostrou ao Brasil a verdadeira face de Marconi Perillo, governador de Goiás (PSDB).

A função de uma CPI não é redimir o país. Não é sua função, nem seu escopo, nem isso é possível. Uma CPI séria é apenas mais um tijolo no muro que a sociedade deve construir para se defender seus cofres dos assaltantes do dinheiro público. A CPI do Cachoeira contribuiu neste sentido. Agora cabe ao Ministério Público, à Polícia Federal, à imprensa, à sociedade, darem continuidade ao trabalho. Claro, a CPI podia ter chegado muito mais longe, mas não interessa ao Brasil CPIs cujo objetivo é sobretudo produzir instabilidade política, como gostaria a oposição. Para ela, mais interessante do que focar no núcleo do esquema Cachoeira, cujos crimes constituíam o escopo específico da comissão, seria quebrar centenas, quiçá milhares de sigilos de pessoas sem ligação direta com o esquema investigado, e sem muita preocupação em separar culpados ou inocentes. Com isso, o controle da CPI voltaria às mãos da imprensa, que teria um material vasto para chantagear a classe política.

*

Essa matéria do Estadão não ganhou destaque em nenhum outro jornal, que eu saiba. Ela menciona um dado estatítico sempre muito pouco abordado, quando se fala em carga tributária. A arrecadação fiscal per capita no Brasil corresponde a menos de um terço do registrado em países ricos. Ou seja, apesar de nossa carga tributária ser razoável, o Estado brasileiro ainda é pobre. Essa é uma variável que deve estar sempre na ponta da língua de todos que discutem a política tributária brasileira. Ela é um contraponto a matérias como essa outra, que tentam vender a ideia de que nossa carga tributária é mais alta do que de países mais ricos.
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Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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