Pepe Escobar e o caos em Mali

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Para clarear a mente, nada como uma injeção de Pepe Escobar na veia. Diante da confusão ensanguentada em Mali, da insana mistura de neocolonialismo, fanatismo religioso, terrorismo, golpismo e lobbies escusos, o primeiro passo para se entender o que se passa é aceitar que não há mocinhos ou bandidos. O mesmo Ocidente que financia e apoia rebeldes islâmicos na Síria, agora os bombardeia. O mesmo Ocidente que ajudou rebeldes anti-governo a derrubar Gaddafi, agora dá suporte ao regime golpista de Amadou Haya Sanogo: o atual governo assumiu o poder com um golpe realizado poucos meses antes de uma eleição presidencial, no início de 2012.

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O golpe foi liderado por um militar treinado nos EUA, e uma das razões alegadas pelos golpistas para derrubar o governo teria sido a tibieza com que este combatia a guerrilha tuareg, a mesma guerrilha que durante anos havia sido uma importante aliada ocidental na luta contra o avanço do islamismo: os tuaregs, um povo nômade que vive no deserto, são relativamente laicos.

Entretanto, os rebeldes também não são mocinhos. Em primeiro lugar, os tuaregs laicos foram postos de lado e fanáticos islâmicos assumiram a liderança do movimento de rebelião contra o governo central, impondo severas leis religiosas, ou sharia, às regiões amotinadas. Segundo Escobar e outros repórteres, o triste espetáculo de mutilações, apedrejamentos e repressão brutal a qualquer resquício de liberdade feminina, espalhou-se pelas cidades dominadas pelos grupos islâmicos, entre os quais um dos braços da Al Qaeda na África.

Apesar da pobreza e subdesenvolvimento, o Mali é um país cujos abundantes recursos naturais despertam a cobiça de corporações e governos. Segundo Escobar, o país tem ouro, urânio, bauxita, ferro, manganês, estanho e há jazidas de petróleo intocadas no norte. Um terço do urânio usado na França, que é um país que depende majoritariamente de energia nuclear, vem do vizinho Níger – para se ter uma ideia de quão importante para a França é manter o controle político na região.

Entretanto, seria injusto comparar os ataques franceses aos realizados pelos EUA no Iraque. A França tem o aval da ONU, houve um pedido do próprio governo (golpista, mas ainda assim, governo) do Mali e de todos os países vizinhos: Algéria, Mauritânia, Burkina Faso, Senegal, Costa do Marfim e Guiné. Todos temem as consequências de uma tomada de poder por grupos islâmicos radicais.

Todos os demônios que aterrorizam o Mali, assim como todo o Norte da África e Oriente médio, foram libertados pela guerra no Iraque, esta sim, feita sem consentimento da comunidade internacional e contra o desejo e interesse dos países vizinhos.

A direita francesa critica o governo Hollande, não por ser contra atacar radicais islâmicos, mas porque é oposição e pretende usar a oportunidade para inflingir danos políticos ao presidente socialista François Hollande. A imprensa de esquerda, por sua vez, observa a situação com perplexidade, tentando entender o complicado labirinto geopolítico no qual o governo está se metendo.

Um articulista do The Guardian, jornal britânico com tendência esquerdista, defende a intervenção francesa, mas usando argumentos algo pernósticos:

A chegada da França e forças regionais irão apenas adiar a questão das forças armadas de Mali, que enfrentam atrasos de salário, corrupção e escassez de equipamentos. Talvez, mais importante, a crise de subdesenvolvimento e pobreza no norte terá que ser enfrentada.

Certamente não é com guerras, cuja voracidade suga toda a vida útil de um país, deixando-lhe apenas um bagaço inútil, sem fábricas, sem plantações, sem investimentos, sem esperança, que estes problemas serão superados… Um leitor do Le Monde sugeriu que a França pagasse mais pelo urânio que compra na região. Economizaria em gastos militares, e ajudaria a promover o desenvolvimento da região.

Escobar lembra ainda que, por trás de tudo que acontece na África, há uma guerra fria entre o Ocidente e a China. O gigante asiático também está de olho na África, mas não se mete em guerras. Em Mali, portanto, novamente vemos um esforço ocidental para manter o norte africano longe dos investidores chineses. De fato, quem irá investir num país em guerra? Um comentarista do post do Pepe Escobar, responde um outro que perguntara como a China enxergava os acontecimentos em Mali, respondeu o seguinte:

Tontos de alegria, eu suspeito, de olhar as pequenas moscas atrapalhadas voarem em direção ao fogo.

Interpreto a frase assim: a China assiste, sentada confortavelmente, na posição em que sempre esteve (contra qualquer intervenção), seus competidores ocidentais torrarem bilhões de dólares para lançar mísseis sobre choupanas e camelos. O gigante sabe que, acabando a guerra, os negócios voltarão a florescer e todos vão querer comprar celulares produzidos em Xangai.

De qualquer maneira, a China tem ampliado sua presença na África, mas ao invés de patrocinar golpes de Estado, intervenções militares, dar suporte a rebeldes, islâmicos ou não, ela adquire terras e investe em plantações, fábricas e extração mineral. Não é nenhuma santa, a China, e há inúmeros relatos sobre as artimanhas que usa para expandir seus negócios na região. Há denúncias de desrespeito ao meio ambiente, expulsão de camponeses de terras onde viviam há séculos e outras arbitrariedades. Mas o privilégio de bombardeiar cidades, destruir pontes, indústrias e reservatórios de água, continua em mãos ocidentais…[/s2If]

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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