Os viralatas, o vandalismo e os interesses do povo

Peço que leiam a matéria abaixo, do Valor. Não posso assinar embaixo, porque sou blogueiro e por obrigação desconfiado da mídia, mas a reportagem confirma o que eu mesmo observei nos protestos, em Brasília. Um certo fascínio crescente pela violação das regras. É uma coisa jovem, natural. Todo ser humano sente um prazer íntimo, subversivo, quando pode infringir uma regra, desde que isso não fira a sua consciência moral. Mas aí que mora o perigo. Quando destruir patrimônio público e privado deixa de ferir nossa consciência moral. Aí vira bagunça. Vira instabilidade. Vira uma guerra contra o Brasil, contra os interesses do país, contra o povo. 

Não podemos permitir que a cultura da violência seja instituída no Brasil, como “caminho” para conquistas políticas. Se vivêssemos uma ditadura, tudo bem. Você pode achar o atual regime político que vivemos uma merda, pode achá-lo corrupto, incompetente e falido. Mas não é uma ditadura. As mudanças tem de ser encaminhadas segundo as regras democráticas. Se fosse para apelar para violência, não seria por causa de 20 centavos. Seria para tomar os latifúndios, no campo e na cidade. Seria para fazer uma democratização da mídia na marra. Seria para expropriar as grandes fortunas e fechar os bancos privados. Se acreditamos na paz, é porque entendemos que os riscos inerentes  a uma ruptura violenta da ordem democrática não compensam os benefícios.  É porque, mal ou bem, acreditamos na democracia.

Com esta onda de violências, portanto, estão conseguindo duas coisas:

1) desmoralizar profundamente o conceito de protesto popular e preparando o terreno para um longo período de conservadorismo silencioso. Se se enraizar, junto à maioria da sociedade, que protesto popular é baderna, saques e depredação, isso vai acontecer uma hora ou outra.

2) instituir uma cultura de violência no brasil. Mais um pouco, e criamos um movimentozinho terrorista “legal”, “manero”, que vai explodir prédios públicos para forçar governos a reduzir 20 centavos o preço da passagem.

Leia a matéria do Valor:

JOVENS QUE VAIARAM A CORRUPÇÃO APLAUDIRAM VÂNDALOS

Por Marcos de Moura e Souza | De Belo Horizonte

Quem assistiu nos telejornais às cenas de depredação ocorridas em Belo Horizonte na quarta-feira deve ter ficado espantado com o poder de ação dos vândalos. Mas o que talvez não tenha ficado claro pela TV é que os vândalos agiram em grande medida sob o aplauso e a aprovação de milhares de jovens que horas antes marchavam em paz com cartazes nas mãos contra corrupção, contra a má qualidade do transporte público, contra gastos com a Copa, por reforma política e muito mais.

O que era de se esperar deles? Que quando grupos de garotos desandaram a provocar policiais – com pedras, paus e bombas artesanais e a retirar parte das grades de ferro para garantir a segurança do entorno do estádio do Mineirão – esses manifestantes pacíficos se afastassem.

O Valor acompanhou a passeata assim que esta chegou à Avenida Presidente Antônio Carlos, sob o viaduto José Alencar. É o trecho onde, na marcha do sábado, já havia ocorrido choques entre policiais e manifestantes além de depredações.

A polícia observava de longe. As grades marcavam um perímetro de segurança de dois quilômetros no entorno do estádio do Mineirão. Brasil e Uruguai disputavam as semifinais da Copa das Confederações naquele momento.

De repente, a tranquilidade começou a ser quebrada por um pequeno e barulhento grupo de adolescentes e jovens nos início de seus 20 anos que bloqueou a passagem do carro de som. Trajavam calças pretas ou jeans surrados, camisetas de bandas de rock ou estampadas com o A de anarquia. Vários seguravam no alto seus skates. Vários cobriam o rosto com lenços ou camisetas. Cobravam que o protesto fosse em direção ao estádio. O grito empolgou alguns e a multidão que mais tarde seria estimada em 40 mil a 60 mil pessoas começou a dar meia volta. Não queriam briga.

Mas dali em diante, os manifestantes viraram plateia. Assistiam aos mais violentos que lançavam o que tinham nas mãos contra policiais na esquina com a Avenida Abraão Caram – que leva até o Mineirão. E a plateia filmava ou fotografava com celulares a confusão e por mais de uma vez explodiu em aplausos e urros quando viam os mascarados arremessarem de volta para o cordão de policiais as bombas de gás lacrimogêneo riscando o ar com fumaça branca.

Menos de duas horas depois, os vândalos incendiariam uma concessionária da KIA na Antonio Carlos. Um grande número de pessoas – 2 mil ou 3 mil talvez – continuava ali, relativamente perto das labaredas e dos incendiários e saqueadores.

Era início da noite quando um garoto aparentando ter 16, 17 – jeans folgado, tênis Nike, camiseta preta, uma corrente comprida ao estilo rapper e boné preto – voltou da confusão e se encontrou com um grupo de meninos e meninas da mesma idade sentados na calçada da avenida que continuava bloqueada por muitos manifestantes. “Os caras arrastaram um caminhão da concessionária, arrastaram para o meio da avenida. Vão botar fogo”, contava o garoto, entusiasmado, aos demais que reagiam com entusiasmo semelhante a quem é fissurado em personagens de um videogame de ação.

Mais adiante, descendo em fila indiana, uns oito ou dez rapazes vestidos de calça e jaquetas pretas, puídas e sujas, um segurando na mochila do outro, serpenteavam entre os manifestantes em direção ao centro da confusão. Todos com os rostos cobertos. “Olha lá aqueles caras, vão para lá também. Desceram do morro”, disse uma menina que não parecia nada assustada com os tipos.

Quando o Valor começou a deixar aquela concentração para se juntar a muitos que seguiam a pé sentido centro da cidade, passou ao lado de outro grupo formado só por garotas. Trajavam jeans, top e tênis como todas as meninas que circulam por bairros de classe média de Belo Horizonte. “Nossa, o melhor foi aquela hora que os policiais ficaram encurralados, cê viu como eles estavam?”, perguntava uma delas, loira e de cabelo amarrado.

Ao deixar a manifestação convertida em caos, a sensação era que os vândalos viraram heróis para muitos dos que estavam ali. E que as manifestações, ao menos essa de Belo Horizonte, liberaram não só um espírito cívico e novo para muitos dos participantes, mas também o que há de violento e destrutivo nestes jovens.

Clique aqui para ler “Neri: negra da periferia não protestou”.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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