A excitação da Globo com Pasadena e algumas perguntas à Petrobrás

A Globo está num estado de profunda excitação desde que vislumbrou um novo plano político para derrotar o governo do PT.

O mensalão, que serviu para intimidar o governo e seus quadros, começa a dar seus frutos.

A humilhação pública dos presos petistas objetivou amedrontar o governo, e não é por outra razão que a Globo prefere pagar o preço de ser acusada de cúmplice de Joaquim Barbosa na cruzada anti-humanista e anti-democrática de manter Dirceu preso em regime fechado, mesmo ele tendo sido sentenciado ao semi-aberto. Os platinados conhecem Maquiavel: é mais seguro ser temido do que amado. Alguns valentes xingarão repórteres da Globo nas ruas e nas redes sociais; as máquinas partidárias, porém, agora sabem quem manda no país.

O novo plano da Globo é a CPI da Petrobrás. Dilma Rousseff, que tinha a faca e queijo na mão – um bom índice aprovação, desemprego baixo, muitas obras em andamento -, de repente passou a tropeçar sucessivamente, como resultado, seguramente, de um núcleo político incompetente, ausente ou mesmo não confiável.

O grande erro inaugural nessa história toda foi Dilma reagir intempestivamente a uma matéria do Estadão sobre a refinaria de Pasadena, um caso já velho, que tinha sido resolvido na medida em que o pior momento passou. Pasadena voltou a dar lucro e voltou a ser um bom negócio.

Velhas rixas com o ex-presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, vindas do tempo em que Dilma era presidente do Conselho da estatal, talvez tenham vindo à tôna. Aparentemente, Dilma e Graça Foster pertenciam a ala que fazia oposição à equipe de Gabrielli.

A partir daí, o governo passou a adotar a estratégia do tiro no pé. Todo dia, um tiro novo no próprio pé. Até que Graça Foster foi ao Senado e, notando que não havia mais pé, decidiu atirar na cabeça do governo.

Entretanto, o erro não foi apenas esse. Ele apenas revelou a fragilidade política de um governo que fez um voto de silêncio. Dilma centralizou as decisões e a defesa de seu governo em si mesma, de um lado, e censurou ou intimidou qualquer manifestação ministerial de outro. Só que ela mesma não fala nada. E há uma desorganização apavorante em termos de comunicação.

Durante todos esses anos, em que se alertou o governo sobre a necessidade de criar “think tanks” e aparelhos para a defesa política do projeto que ela, supostamente, liderava, contra os ataques sistemáticos do principal partido de oposição, a mídia, Dilma sempre respondeu de maneira esnobe, até mesmo agredindo os ativistas sociais da área de comunicação. As sinalizações de Dilma na área da comunicação e do jornalismo sempre se deram à direita, e mesmo à extrema direita do espectro político. Enquanto Lula terminou seu mandato dando uma entrevista aos blogueiros, Dilma iniciou o seu homenageando a Folha de São Paulo. Lembro-me que, na ocasião, eu defendi a presidenta, achando que era um gesto de inteligência política. Não achei que fosse o sinal de que a presidenta havia decidido abandonar a luta de ideias.

E então ficamos sozinhos. Ativistas da comunicação e blogueiros fomos vendidos na bacia das almas. De um lado, a mídia aumentou sua virulência, com um discurso agressivo contra nossas ideias. De outro, a própria Dilma apenas emitia frases contra a gente e a favor da mídia. A presidente passou a dizer que a única regulação da mídia era o discurso do “controle remoto”, como se as oligarquias políticas não controlassem todas as tvs abertas nos estados, ou como se o campo popular tivesse uma mísera alternativa à sua disposição nos controles remotos.

A Secom, ao mesmo tempo, iniciou uma estratégia malandra e profundamente reacionária para fingir que estimulava a pluralidade ao mesmo tempo em que a destruía: ignorou a explosão da internet, e manteve uma concentração monstruosa de aplicação de verbas nos grandes meios; o resto, pulverizava entre jornalzinhos de interior ou sites de culinária. Asfixiou deliberadamente os meios que faziam oposição política aos grandes meios e faziam a luta ideológica contra as “verdades” da mídia.

Sob o controle de Helena Chagas, na presidência, e Roberto Messias, na secretaria executiva, a comunicação do governo voltou a ser uma arma da grande imprensa quando estavam em jogos os grandes debates políticos nacionais. Chagas e Messias eram, notoriamente, soldados da grande mídia em se tratando de “mensalão” e outro temas polêmicos.

Enquanto isso, Dilma mostrava que sua ida à Folha não fora um mero gesto de conciliação política, como eu havia acreditado. Ela fez da aliança com a mídia uma política de Estado. Suas raras entrevistas deixavam isso bem claro. Numa delas, para Jorge Bastos Moreno, declarou sua simpatia pelo Zorra Total, da Globo, um programa de humor decadente, baseado em todo o tipo de preconceito barato.

O programa Café com o Presidente, inaugurado por Lula, que obviamente deveria ter sido há muito convertido num bate papo em vídeo, com mais participação de internautas e sociedade civil em geral (empresários, sindicalistas, movimentos e partidos), jamais sofreu qualquer mudança. O único canal de comunicação direto da presidente com a sociedade transformou-se numa obrigação burocrática, uma propaganda institucional de governo, retransmitido apenas por rádios do interior do país e pelos sistemas públicos. Repercussão zero.

A popularidade se mantinha nas alturas e os marketeiros da presidente tornavam-se cada vez mais poderosos e arrogantes. Ao invés de aproveitar as redes sociais, Dilma as abandonou completamente. O twitter da presidenta, tão usado em sua campanha de 2010, foi completamente ignorado, o que foi uma tolice incompreensível, visto que, obviamente, era uma arma importantíssima para fazer a luta de ideias, na sociedade, no parlamento, nas eleições de 2012. A presidência voltou ao twitter há alguns meses; mas sem formar uma estratégia integrada com todas as redes e, sobretudo, com o blog, ainda usado de maneira fria e incompleta. O blog da presidenta se tornou apenas um depósito de seus discursos e vídeos em eventos de inauguração de obras, ao invés de ser um instrumento próprio de veiculação de ideias, defesa do governo e disputa política.

O governo abandonou as poucas armas que possuía. Os últimos desdobramentos do processo do mensalão, que aconteceram sob a gestão Dilma, viram um governo e um partido aceitando silenciosamente todo o tipo de injustiça e arbitrariedades.

E agora, quando as eleições se aproximam, e a grande mídia corporativa, que forma o principal partido de oposição no país (sobretudo a Globo) amplia desmesuradamente a sua pressão, o governo se vê desarmado, inerte, perplexo. Tão perplexo que parece aceitar os golpes. Alguns quadros estratégicos, como Graça Foster, presidente da Petrobrás, Aloizio Mercadante, chefe da Casa Civil, reagem aos golpes ou com silêncio cúmplice ou com declarações ainda mais cúmplices.

Mercadante, há um ano e pouco, mandou carta à Folha de São Paulo elogiando o papel de seu ex-publisher durante a ditadura. Ora, todo mundo sabe que a Folha, assim como todos os grandes jornais da época (com exceção da Última Hora), tiveram papel protagonista na implantação do golpe de Estado, e depois em sua sustentação.

Agora sabemos que Roberto Marinho também conspirou para que não houvessem eleições em 1965 e defendeu, durante todo o tempo, o endurecimento do regime.

Hoje, por exemplo, o Globo amanheceu com mais uma manchete ridiculamente manipuladora. O jornal acrescenta aos custos de aquisição da refinaria de Pasadena gastos operacionais e reformas, mais uma vez desconsiderando as suas receitas. E tudo baseado em documentos confidenciais da estatal obtidos com “exclusividade” pela Globo. São 10:30 Am e a Petrobrás não respondeu. Daqui a pouco, serão dois meses de ataques não respondidos. As verdades já estão se cristalizando na cabeça das pessoas. Mesmo que a Petrobrás mude de tática a partir de agora, será cada vez mais difícil desenraizar do espírito das gentes todas as distorções que ouviram nas últimas semanas. É como o mensalão. Tornou-se uma espécie de dogma católico: ele existiu e pronto. Ai daquele que criticar seus fundamentos, exceções e arbítrios.

(PS: o blog publicou respostas à matéria do Globo, mas foram respostas inacreditavelmente burocráticas, desprovidas de um mínimo de cuidado político para não serem manipuladas pelo jornal.)

Pelos próprios documentos já vazados pela Globo, vimos que Pasadena tem números invejáveis de faturamento, que podem chegar perto de R$ 10 bilhões por ano. Por que a Petrobrás beneficia a Globo, declaradamente inimiga da estatal, e não fornece nenhuma informação nova à sociedade?

O resultado dessa estratégia de apanhar calado, de um lado, e dar tiros no próprio pé, de outro, é o desgaste rápido do governo. Dilma pode até ganhar as eleições, mas sem obter uma vitória política. Qualquer observador mediano das redes sociais constata que a mídia, mais uma vez, está conseguindo mobilizar seus exércitos de classe média. Nos restaurantes a quilo do centro do Rio, ouvimos o termo Petrobrás ser pronunciado seguidamente, sempre de maneira pejorativa.

É uma coisa que não entendo. A Petrobrás gasta centenas de milhões de reais em anúncios institucionais, mostrando seus feitos e realizações. A maior parte dos recursos se destinam às grandes emissoras de TV. Ora, qual o objetivo desta publicidade? Não é produzir uma imagem simbólica positiva da atual gestão da estatal? Qual o sentido, portanto, em apanhar calada e deixar que todo esse valor simbólico escorra pelo ralo? Não é jogar fora todo aquele esforço publicitário?

Não sou apenas de reclamar. Não sou nenhum gênio de comunicação e marketing. Minhas sugestões são óbvias. A Petrobrás pode usar o blog para se defender. Agora já não basta publicar perguntas e respostas dos jornais no blog. Isso era o que fazia Gabrielli há dez anos, com muito mais competência. Mas os tempos mudaram. A Petrobrás agora tem que se adiantar às perguntas, e publicar informações novas no blog. Eu deixo aqui, pela enésima vez, algumas perguntas públicas, que a mídia, estranhamente não faz à Petrobrás porque não lhe interessa a resposta. À mídia interessa divulgar apenas as despesas de Pasadena, não suas receitas, e jamais a sua importância estratégica.

Espero que Petrobrás tenha a gentileza e a inteligência de responder essas perguntas, já que os documentos “confidenciais”, ela está deixando vazar para a Globo. E não gostaria de respostas lacônicas, mas extensas, com explicações detalhadas, citações, números, links e gráficos.

1 – Qual o faturamento bruto e líquido de Pasadena desde a sua aquisição pela Petrobrás? Há alguma tabela ou gráfico? E sobre o volume processado? Tem dados mensais e anuais até março de 2014?

2 – Qual o volume e o valor dos estoques de Pasadena, hoje?

3 – Quais são os principais compradores dos produtos de Pasadena?

4 – Quais são os principais concorrentes de Pasadena?

5 – Quais são os principais desafios enfrentados hoje pela refinaria?

6 – A descoberta do petróleo de xisto no sul dos EUA melhorou as perspectivas de lucro da refinaria?

7 – Em função do déficit brasileiro no setor de derivados, a Petrobrás entende que Pasadena tem algum valor estratégico do ponto-de-vista da nossa segurança energética? Por exemplo, se houver, por algum motivo, interrupção no fluxo de derivados de outras fontes, podemos importar de Pasadena?

8 – A Petrobrás vê alguma importância estratégica no fato de Pasadena estar localizada no centro do maior hub petrolífero do mundo?

9 – A Petrobrás enxerga a possibilidade de obter algum benefício, em termos de tecnologia, recursos humanos ou conhecimento comercial, das operações de Pasadena?

10 – Há algum estudo sobre o futuro do mercado de refinaria nos EUA para os próximos 25 ou 30 anos? A Petrobrás tem alguma estratégia para estar presente neste mercado? Pasadena tem algum papel nessa estratégia?

11 – Qual o volume de processamento total de petróleo no exterior?

12 – O petróleo do pré-sal poderá ser processado em Pasadena?

13 – A Petrobrás vê algum valor geopolítico em Pasadena?

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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