Momento perigoso para a democratização da mídia

Pressionado não apenas pela militância, como pelas ruas, que gritaram refrões e fizeram rimas contra os aspectos autoritários da nossa imprensa corporativa, o PT e até a presidente Dilma tem feito declarações em relação ao tema democratização da mídia.

Entretanto, o governo, para variar, não se comunica a contento, e dá margem a manipulações. Daí que estamos num momento extremamente perigoso, em que podemos avançar ou ficar piores do que já estamos.

É óbvio que a mídia corporativa iria contra-atacar, e tentar colar a etiqueta de “censura” na mera tentativa de debater a concentração dos meios de comunicação e a necessidade de se discutir uma regulamentação no setor.

Em entrevista ao Valor, o principal assessor econômico de Aécio Neves, o empresário Armínio Fraga faz o jogo sujo do terrorismo ideológico.

Valor: Comenta-se no mercado financeiro que um número crescente de brasileiros está remetendo dinheiro para fora do país. O sr vê esse movimento?

“Armínio: O brasileiro gosta do seu país, gosta de morar aqui, de investir aqui. Mas o grau de incerteza hoje é tal que as pessoas estão pensando em investir fora do Brasil, estão pensando até em sair do Brasil. Há um medo que vai além da economia, é medo político também. Há uma sensação de medo que as pessoas não têm coragem de manifestar abertamente. Medo de uma atitude contra a liberdade de imprensa, contra a democracia.”

Sua resposta serve de alerta ao governo: tem de explicar, com mais clareza e mais informação, que a democratização da mídia visa ampliar a liberdade de expressão e trazer mais pluralidade à nossa imprensa, cumprindo critérios políticos há muito respeitados nas tradicionais democracias ocidentais, como EUA e União Européia. O relatório da União Européia, cuja tradução foi publicada no livro mais recente do professor Vinicius Lima, deveria, em especial, ser usado pelo governo brasileiro para rebater as acusações da mídia, seus áulicos e seus zumbis. O relatório europeu traz, explicitamente, recomendações de combate à concentração ou excessos da mídia, e de proteção à pluralidade das opiniões políticas.

Sempre que se posicionar sobre o tema, as lideranças políticas não podem ficar na defensiva, com respostas dadas à medo, como tem feito a presidenta, repetindo os termos “censura” e “regulação de conteúdo”. É preciso trazer novos conceitos e novas vocábulos ao grande público, como “pluralidade”, “modelo europeu”, “desconcentração do mercado norte-americano”, etc. É preciso usar o microfone para denunciar a concentração excessiva da TV brasileira, quando comparada a qualquer outro país.

A ciência política também pode ajudar o governo a escapar das armadilhas que a direita tem procurado criar. Dentre os critérios elencados pelo americano Robert Dahl, principal teórico vivo da doutrina democrática, estão a “compreensão esclarecida” e o “controle da agenda”. Ambos se referem à livre circulação da informação, que não pode sofrer concentração, nem mesmo uma concentração parcial, em mãos de um grupo econômico ou político. A nossa mídia impede qualquer “compreensão esclarecida”, visto que impõe uma visão deturpada, às vezes deliberadamente mentirosa, dos fatos; e exerce um perigoso e antidemocrático “controle da agenda” dos debates políticos.

Além do mais,  o governo deveria fazer uma defesa explícita da blogosfera e da liberdade nas redes, que têm sido atacadas de maneira cada vez mais virulenta pela oposição. Segundo o Painel da Folha de hoje, José Serra e Aloysio Nunes atacaram a “blogosfera” durante a convenção do PSDB.

Recentemente, alguns internautas tem tido seus equipamentos apreendidos por conta de denúncias feitas pelas equipes de Aécio Neves. Ainda na Folha de hoje, o colunista Ricardo Melo lembra que “a guilhotina tucana decapitou sem piedade inúmeros jornalistas em Minas Gerais”.

Em relação à liberdade de expressão sob um governo de direita liderado por Aécio Neves, não sei o que pode acontecer. Seguramente, as estatais não vão financiar, como fazem hoje, veículos sem afinidade com as ideias do Planalto. “Mídia técnica” é coisa do PT.  O principal programa social a ser implementado pelo PSDB será o “Minha Mídia, Minha Vida”.

Aécio Neves vem dando sinais crescentes de intolerância à crítica. Em entrevista no Roda Viva, suas primeiras frases foram ataques ao mero direito dos internautas de criticá-lo. Seus críticos são todos tratados como “bandidos”, “submundo”, “sustentados por verba pública”.

Na verdade, agora quem está começando a ficar com medo de um atentado à liberdade de expressão, por parte do governo, sou eu, caso Aécio Neves ganhe as eleições. O PT já provou que é adepto da liberdade total de expressão, tanto é que todo mundo se sente livre para xingar Dilma Rousseff , Lula e o PT, nas redes sociais, em seus blogs, até mesmo fazer corinho infame em estádio de futebol diante de 3 bilhões de telespectadores. Um agente da Polícia Federal exibiu fotos de si mesmo, em seu Facebook, praticando tiro num alvo com a imagem da presidenta. Não houve protesto do governo.

Ou seja, a liberdade de expressão sob o governo do PT é absoluta. A direita sabe disso. Lula, Dilma, o PT e o governo poderiam, ao menos, faturar com isso, mencionando esses fatos em suas entrevistas e discursos.  Seria uma maneria inteligente de neutralizar as acusações de querer censurar ou tolher a liberdade de expressão.

Entretanto, se o governo e o PT deixarem essas calúnias correrem sem resposta, vão perder mais esse debate, assim como aconteceu com o “mensalão”, quando ambos enfiaram a cabeça no buraco, abandonando os réus e fugindo ao debate. Não adiantou. A pecha de “corrupção” colou no PT de maneira assustadora, apesar de ser o partido, dentre todas as legendas, com menos parlamentares condenados pela justiça.

Se abandonarem agora a blogosfera a sua militância, atribuindo a uma ala de “radicais” a defesa da democratização da mídia, sairão duplamente derrotados. A mídia acusará o governo de pretender “censurar” a mídia, mas não conseguir apenas porque “perdeu o debate na opinião pública ou no parlamento”. Derrotado interna e externamente. Censor fracassado é ainda censor.

Lendo uma biografia de um pensador político do século XIX, lembrei que a defesa da democracia, da república, do sufrágio, do voto feminino, da liberdade de expressão, também eram bandeiras dos “subversivos” e “radicais”. Hoje se tornaram bandeiras universais, defendidas até mesmo por conservadores.

A democratização da mídia quiçá será defendida um dia por moderados, conservadores e progressistas, porque é uma bandeira puramente democrática. Já é assim no mundo desenvolvido, tanto pela direita quanto pela esquerda.

Não implica em censura, isso é uma acusação absurda. Ao contrário, a própria imprensa corporativa hoje tem sido vítima de um ambiente agressivo, em que setores do Judiciário tem substituído a censura antes feita pelos militares. Houve uma judicialização e mesmo militarização estarrecedoras da liberdade de expressão, e a apreensão de computadores de uma inocente internauta carioca, só porque “curtiu” uma página ou outra de sátira a Aécio Neves, é a prova disso.

*

O resto da entrevista de Armínio Fraga é um tanto inútil, visto que ele tenta desesperadamente se esquivar de qualquer resposta que possa acentuar a impressão de que um eventual governo Aécio imporá “medidas impopulares” .

Em certo momento, Fraga chega a admitir que está evitando dizer o que pensa, para que suas frases não sejam usadas politicamente contra Aécio.

Valor: O sr. acha que o aumento do salário mínimo foi excessivo?

Armínio: Acho os salários no Brasil ridiculamente baixos porque o Brasil é um povo pouco educado e pouco produtivo. Por isso é que os salários aqui correspondem a 20% dos salários dos países ricos. Há algumas áreas que ganham salários parecidos, mas o salário médio aqui é muito baixo porque somos um país pobre. E por que somos pobres? Porque o país não está crescendo. O salário tem que guardar alguma relação com a produtividade. Isso está nas atas do Copom e nas melhores cabeças que estão no governo. O país não está crescendo, caia na real! Qualquer coisa que eu diga vão interpretar como arrocho enquanto o arrocho já está aí, está sendo feito pela inflação.

A chamada na capa do Valor, de qualquer forma, dá margem a fazermos uma paródia divertida. Eu cogitei – mas desisti – fazer um post apenas com os trechos em que Arminio tenta disfarçar suas intenções “impopulares”; o título seria:

ARMÍNIO ADMITE ARROCHO, MAS DIZ QUE SERÁ “GRADUAL”.

Passou-me pela cabeça outros títulos, mais infames, mas aí deixo para a imaginação do leitor. Não sou blogueiro da ala VIP do Itaú…

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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