As inconsistências do Ibope


 

Depois do fiasco das pesquisas no primeiro turno, com erros prejudicando ambos os lados, tinha me prometido não perder mais tempo analisando os relatórios.

Mudei de ideia.

Por duas razões:

1) As pesquisas estão aí, influenciando a agenda política e o ânimo das militâncias de ambos os postulantes. Impossível, para um blog político, ignorá-las. A solução é fazê-lo da maneira mais prudente possível.

2) Agora temos uma referência sólida para observarmos eventuais inconsistências nas pesquisas: a votação no primeiro turno. Ela nos dá um lastro firme para nos apoiarmos. Com essa ferramenta, podemos fazer uma análise muito mais crítica e mais objetiva das pesquisas eleitorais.

Dito isto, analisemos a última pesquisa Ibope, cuja íntegra do relatório segue ao final do post.

Muito se tem falado sobre qual região será mais decisiva para as eleições.

Alguém determinou que seria Minas Gerais.

Um colega definiu que seria o Rio de Janeiro.

Pois eu digo que será o Nordeste.

Os estrategistas, ao que parece, já perceberam isso, daí a corrida para a região assim que as urnas foram fechadas.

Não quero acusar os institutos de pesquisa. Eles erraram, repito, para todos os lados.

Aécio, por exemplo, teve mais votos do que apontavam as sondagens.

O PT costuma sempre ter alguns pontinhos a menos na votação, em relação às pesquisas, porque a abstenção entre os mais pobres é maior.

Pobres moram longe, moram mal, e tem pouco dinheiro para transporte.

Mas eu não posso me furtar em apontar uma incoerência tremenda nesta última pesquisa Ibope.

Segundo a pesquisa, Aécio herdou 78% dos votos de Marina, e Dilma apenas 22%. Acho um exagero, mas tudo bem.

Só que, quando vamos olhar o Nordeste, o Ibope diz que 65% dos nordestinos votarão em Dilma.

Aécio, por sua vez, teria os outros 35%.

Isso significaria que no Nordeste, onde Dilma tem ótima avaliação, Aécio teria herdado 81% dos votos em Marina.

Não me parece crível que a migração de votos de Marina para Aécio seria maior no nordeste do que na média nacional.

Os números são os seguintes.

O nordeste registrou 27,5 milhões de votos válidos no primeiro turno, dos quais Dilma obteve 16,5 milhões, ou 60%. Aécio teve 4 milhões de votos, ou 15%. Outros candidatos (Marina, sobretudo) receberam votação de 6,7 milhões de votos, ou 24%.

Os números do Ibope para o segundo turno, dando 65% para Dilma no nordeste, sugerem que ela terá 17,8 milhões de votos no segundo turno, na região, o que corresponderia a um crescimento de 7,8% sobre o seu desempenho no primeiro; os votos estimados para Aécio no nordeste, por sua vez, equivaleriam a um aumento de 128%!

Eu fui checar a avaliação de Dilma no nordeste.

A avaliação da presidenta no país piorou dois pontos nesta última pesquisa. Estava em 51% dias antes do primeiro turno, e agora está em 49%.

Normal, reflete a onda emocional que se seguiu à surpreendente escalada de Aécio.

No nordeste, porém, a avaliação da presidenta cresceu de 64% para 66%.

O que explica que Dilma herde menos votos no nordeste do que na média nacional?

Nada explica. É inconsistência natural da pesquisa.

Entretanto, independente do meu ceticismo em relação aos números do Ibope, eu analisei o relatório e descobri algumas coisas interessantes.

Por exemplo, segundo o Ibope, 39% dos brasileiros acham o governo Bom ou Ótimo. Isso corresponderia, mais ou menos, a 36 milhões de eleitores válidos (já excluindo, portanto, aqueles que se abstiveram ou votaram em branco no primeiro turno).

Desses 36 milhões, 12%, ou quase 5 milhões, disseram que irão votar no Aécio.

Ou seja, consideram o governo bom e mesmo assim votarão na oposição.

É um voto inconsistente, possivelmente de pessoas simples ainda confusas.

O Ibope apurou ainda que 33% ou 34 milhões de eleitores válidos acham o governo regular. Desses, 67% ou 23 milhões, afirmaram que votarão em Aécio.

Esses 5 milhões que acham o governo bom, somados aos 23 milhões que acham o governo regular, constituem, na minha opinião, o espaço que Dilma tem para obter os 9 milhões de que precisa para ganhar as eleições.

Íntegra da pesquisa:

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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